O Ministério Público Federal no Pará (MPF) recomendou ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) que autorize o emprego e atuação da Força Nacional de Segurança Pública para as comunidades indígenas e quilombolas que habitam os municípios de Tomé-Açu e Acará, Vale do Acará, Pará.
O objetivo é garantir a vida, integridade e segurança dos povos indígenas Tembé e Turiwara, e dos povos quilombolas do Vale do Acará, bem como dos funcionários, contratados e terceirizados do grupo empresarial Brasil BioFuels (BBF), afirma o MPF.
A medida visa a conter o agravamento do histórico, complexo, grave e progressivo conflito territorial vivenciado nessa região do nordeste paraense, conhecido como “guerra do dendê”. O MPF recomenda ao MJSP que a Força Nacional atue sob a coordenação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e da Polícia Federal (PF) no Pará, em quantidade e condições satisfatórias, pelo período mínimo de 30 dias.
A recomendação, assinada por procuradores da República no Pará, foi encaminhada nesta terça-feira (15) ao ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. O MPF deu o prazo de 48 horas, a contar do recebimento do documento, para que o ministro comunique se pretende acatar a recomendação.
Além disso, o MJSP deve apresentar informações detalhadas sobre as providências já adotadas e as que pretende adotar, ou eventuais justificativas para o não atendimento. Em caso de não acatamento da recomendação, o Ministério Público poderá adotar as medidas judiciais que considerar pertinentes.
O CONFLITO
No documento, o MPF ressalta que a intensificação de conflitos territoriais são decorrentes do avanço da monocultura de cultivo do dendê no nordeste paraense. A insegurança na região teve início com a instalação e operação da empresa Biopalma, em 2008, posteriormente sucedida pelo grupo BBF, maior produtor de óleo de palma da América Latina.
Recentemente, em 4 de agosto, quando era feita a abertura do evento Diálogos Amazônicos, em Belém (PA), houve atentado contra a vida do indígena Kauã Tembé, alvejado por tiro no momento em que ele e a comunidade estavam na ocupação da Aldeia Bananal, zona rural do Município de Tomé-Açu. De acordo com informações recebidas pela assessoria jurídica da Associação Indígena Tembé Vale do Acará e repassadas ao MPF, o tiro que alvejou o indígena pode ter vindo da Polícia Militar ou dos seguranças da BBF.
Poucos dias depois, em 7 de agosto, houve outro ataque contra a vida dos indígenas Felipe Tembé, Daiane Tembé e Eliane Tembé, alvejados por uso de armas de fogo, durante os preparativos para o recebimento da visita do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), também em Tomé-Açu. Em 14 de maio deste ano, o atentado foi contra a vida de Lúcio Tembé, cacique da aldeia indígena Turé-Mariquita e liderança histórica em favor dos direitos originários na região do Alto Acará. Ele foi alvejado por dois disparos à queima-roupa, dos quais um atingiu a sua cabeça.
Além da insegurança vivida pelos grupos indígenas, a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) apresentou denúncia ao MPF, em 16 de fevereiro de 2022, relatando a prática de ações de violação de direitos humanos contra famílias quilombolas do território do Alto Rio Acará.
QUESTÃO DA TERRA
O MPF aponta uma série de ilegalidades do empreendimento, como a não exigência, pelo Estado do Pará, de estudo de impacto ambiental e de estudo dos impactos aos indígenas para a instalação da empresa. Povos indígenas e quilombolas da região apresentaram denúncia ao MPF relatando que o grupo BBF mantém fazendas de dendezais que estão em área de sobreposição às TIs Turé-Mariquita.
Além disso, os denunciantes narram sucessivos episódios de uso ostensivo de força e poderio armado por funcionários, contratados e terceirizados responsáveis pelo exercício da segurança privada da empresa, bem como por agentes policiais de segurança pública da localidade.
“A extrema gravidade dos fatos e o caráter sistemático e escalonado das violências infringidas em territórios sob histórica disputa entre os povos tradicionais e empreendimentos de exploração econômica faz com que haja a necessidade de adoção de providências institucionais urgentes para conter o agravamento dos riscos concretos a todos”, frisa o MPF na recomendação.
*Feito com informações do Ministério Público Federal no Pará.