Em uma decisão histórica, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) emitiu uma série de recomendações ao Brasil para titular as terras das comunidades quilombolas de Alcântara, no Maranhão, e respeitar o direito de consulta prévia, livre e informada, como determina a Convenção n° 169. Esta decisão resulta de uma reclamação apresentada pelas comunidades de Alcântara contra o Brasil, em 2019, em razão do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas firmado entre os Estados Unidos e o Brasil para uso da Base Espacial de Alcântara.
Esta é a primeira vez na história que a OIT examina um caso relacionado à proteção dos direitos de comunidades afrodescendentes em todo o mundo. As comunidades romperam com o governo federal pois não se chegou a um acordo sobre o uso da Base Espacial de Alcântara (MA) e a garantia de direitos das comunidades locais. A Base de Alcântara foi construída em uma área originalmente ocupada por quilombolas.
A Convenção 169 que protege as comunidades
A decisão foi baseada nas conclusões e recomendações contidas no relatório do Comitê, conforme o documento GB.351/INS/11/3. O Conselho de Administração da OIT tomou as seguintes medidas:
- Aprovação do Relatório: O Conselho de Administração aprovou o relatório da Comissão, especialmente as conclusões formuladas nos parágrafos 47, 50, 53, 58 e 60.
- Solicitação de Informações: Foi solicitado ao Governo Brasileiro que forneça informações sobre as ações tomadas em resposta às conclusões e recomendações do Comitê para análise pelo Comitê de Peritos sobre a Aplicação de Convenções e Recomendações na próxima reunião em 2024.
- Divulgação Pública: O Conselho decidiu tornar o relatório público e encerrar o procedimento de reclamação.
A Convenção 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, ratificada pelo Brasil, estabelece que os governos devem consultar os povos interessados sempre que medidas legislativas ou administrativas possam afetá-los diretamente. Além disso, garante os direitos territoriais e culturais das comunidades quilombolas.
O CASO EM ALCÂNTARA
As comunidades quilombolas de Alcântara reivindicam a titularidade de suas terras e o respeito ao seu direito de serem consultadas previamente sobre quaisquer iniciativas que afetem seus territórios. O Acordo de Salvaguardas Tecnológicas entre os Estados Unidos e o Brasil, que visa o uso da Base Espacial de Alcântara, desencadeou preocupações entre os quilombolas sobre deslocamentos forçados e perda de terras tradicionais.
Em abril de 2023, foi criado um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), com o objetivo de apresentar propostas para a titulação territorial das Comunidades Remanescentes de Quilombos de Alcântara.
O grupo teria de compatibilizar os interesses das Comunidades e do Centro Espacial de Alcântara. O desafio era grande: permitir o desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro, mas sem que a agência crie obstáculos para a garantia dos direitos territoriais das comunidades.
Depois de 40 anos de disputas, a relação entre as comunidades e as autoridades estava desgastada e a esperança era de que, com o novo governo, o diálogo pudesse ser restabelecido para que os direitos dos quilombolas não sejam violados e, ao mesmo tempo, permitir que a base possa se expandir, caso o Programa Espacial Brasileiro ganhe uma nova dimensão nos próximos anos.
A área em disputa poderia envolver 12 mil hectares, onde estão cerca de 2 mil pessoas. Naquele mesmo mês, o estado brasileiro tomou uma iniciativa histórica. Diante da Corte Interamericana de Direitos Humanos em Santiago (Chile), o Brasil reconheceu sua responsabilidade internacional e realizou pedido formal de desculpas às comunidades quilombolas de Alcântara por violações de direitos previstos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
O processo diz respeito à situação de direitos humanos de 152 comunidades remanescentes de quilombos, em Alcântara, no Maranhão, no contexto da instalação do Centro de Lançamento de Alcântara, na década de 1980.
Agora, porém, as quatro entidades que tinham sido convidadas para fazer parte do mecanismo de consultas anunciam o rompimento com o governo e sua saída do grupo de trabalho interministerial.
Deixaram o mecanismo a Associação do Território Étnico Quilombola de Alcântara – Atequila, Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara – Mabe, Movimento de Mulheres Trabalhadoras de Alcântara – MOMTRA, e os Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Alcântara – STTR/Alcântara.
IMPACTOS DA DECISÃO
A decisão da OIT reforça a importância do respeito aos direitos das comunidades quilombolas e a necessidade de consulta prévia, livre e informada. Espera-se que o Brasil tome medidas concretas para atender às recomendações da OIT e assegurar a titularidade das terras das comunidades de Alcântara, promovendo justiça social e respeitando os direitos humanos.
Esta decisão marca um precedente significativo na luta global pelos direitos das comunidades afrodescendentes e pode influenciar futuras políticas e ações governamentais em prol da proteção dos direitos dessas comunidades.