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Coluna Ingo Müller | A Guedes o que é de Guedes

O presidente Jair Bolsonaro vetou integralmente um projeto de lei que tinha como objetivo tirar a corda do pescoço de micro e pequenas empresas que sofreram um baque no faturamento por conta da pandemia. A proposta, que surgiu em 2021 no legislativo e já tinha sido aprovada pelo congresso, era para dar aos proprietários de pequenos negócios que fazem parte do Simples Nacional, além de microempreendedores individuais (os MEI), a possibilidade de renegociar dívidas com a receita federal caso sua redução nos ganhos tenha sido igual ou superior a 80%.

As renegociações poderiam afetar R$ 50 bilhões devidos à receita, com abatimento de até 90% no valor de multas e juros, e 100% nos encargos legais. Para saldar o restante da dívida, os pequenos empreendedores teriam de pagar uma entrada em até dez vezes, e quitar o restante num período de 15 anos – uma proposta que, imagino, agradaria a todos os eleitores do Bolsonaro que justificam terem apertado 17 nas urnas pelas supostas inclinações liberais do presidente.

Só que imposto nos olhos dos outros é roubo, mas no do de quem tá no poder é arrecadação – tanto que, nos corredores de Brasília, o comentário é que a sugestão do veto integral a esta proposta foi justamente do “Posto Ipiranga” Paulo Guedes, aquele que tem uma perna em Chicago, uma mão no Bloomberg, e a cabeça na lua.

A justificativa para esse veto, conforme publicado no Diário Oficial da última sexta-feira, é que a proposta seria inconstitucional e contrária ao interesse público.

Os relatores do projeto questionam a suposta inconstitucionalidade, e apontam que há uma grande incoerência do governo em considera contrário ao interesse público a facilitação do pagamento de dívidas de pequenos empresários que podem gerar empregos e ajudar o país a superar outra crise.

Pior ainda se analisarmos individualmente o montante de cada uma dessas dívidas, já que um MEI no vermelho não deve um centésimo do que deixam de pagar os mega empresários como o apoiador do presidente Luciano Hang, que deve mais de 150 milhões ao INSS, e pode parcelar suas dívidas em 115 anos – uma concessão imoral, que transcende qualquer expectativa de longevidade do credor.

Não sou contra a cobrança de impostos, desde que sejam e bem aplicados e proporcionais à fortuna do contribuinte. Só que no Brasil, historicamente, há uma resistência de fazer valer a lei que garantiria que os marajás contribuam com uma fatia justa dos seus ganhos. São essas pessoas que arrotam aquele mantra de que “imposto é roubo” para gozar de suas isenções, ou praticar sonegações, enquanto o cidadão comum colabora com mais do que pode para manter o pacto social que garante saúde, educação e segurança para toda a população.

Num mundo ideal, cobrar dos ricos seria a forma de distribuir a riqueza que eles acumulam através da exploração do trabalho alheio, garantindo benefícios cruzados aos menos favorecidos.  No nosso capitalismo quebrado, é visto como uma ameaça aos privilégios de quem usa sua renda como chantagem  – “se me taxar, tiro meus negócios daqui”.

A solução para este dilema da arrecadação nacional seria cobrar impostos das igrejas, de quem o presidente já perdoou mais de R$ 1,4 bilhão em dívidas só em 2021. Fico imaginando que tipo de lobby os religiosos fariam para não serem taxados. Será que algum pastor repetiria o discurso dos donos de fábrica, alegando que levaria seu negócio para outro país? Caramba, essa seria uma daquelas situações em que o país só teria a ganhar, hein?!