///

Transporte Coletivo: como a falta de subsídio afeta usuários e companhias

Na quarta matéria da nossa série “Transportes Coletivo: Problemas e Soluções”, vamos falar sobre a necessidade de subsídios para um transporte de qualidade

Foto: Reprodução

A crise causada pela pandemia de covid-19 afetou diretamente a maioria dos brasileiros. Segundo pesquisa realizada pela Bateiah, empresa especializada em consultoria e pesquisas, 78,5% dos brasileiros afirmaram que a situação financeira piorou durante a crise sanitária. Somadas a isso, a alta do desemprego e a inflação atingindo níveis assustadores, tornaram o cenário ainda mais difícil no país.

O sistema de transportes coletivos foi mais uma das áreas fortemente atingidas pela crise. As dificuldades do horários de pico, a falta de estruturas de qualidade e as rotinas pesadas dentro dos ônibus foram alguns dos problemas frequentemente citados pelos usuários. Por outro lado, as empresas afirmam que a falta de suporte, principalmente durante a pandemia, prejudicou o setor.

Esse suporte, que poderia ter chegado através de um socorro do Governo Federal, foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) em dezembro de 2020, e, desde então, assistimos o sistema sofrer diariamente com cortes, demissões e até o fechamento de empresas inteiras. O projeto, que previa o repasse de R$ 4 bilhões para estados, municípios com mais de 200 mil habitantes e o Distrito Federal, foi derrubado pelo Planalto, que alegou que a medida fixava despesa sem apresentar estimativa do respectivo impacto orçamentário e financeiro. O texto do veto afirma ainda que o projeto ultrapassava o período de calamidade, o que exigiria a apresentação de medida de compensação.

O presidente Jair Bolsonaro vetou o socorro de R$ 4 bilhões. Foto: Reprodução.

Segundo a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), houve “uma profunda incoerência” no veto. A associação afirmou que a elaboração do projeto foi conduzida “pelo próprio governo” e que o anúncio contrário causava “estranheza e frustração”.

Combustível

O litro da gasolina chegou a mais de R$ 6,00 na capital paraense. Foto: Reprodução.

Segundo o Levantamento de Preços de Combustíveis da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e de Biocombustíveis (ANP), o diesel foi o combustível fóssil que mais subiu no ano passado, 46,8% na comparação com 2020. De acordo com o Diretor de Operações da Setransbel, Natanael Romero, esse aumento foi só um dos problemas das companhias durante a pandemia, e a falta de aumento na tarifa dificulta ainda mais.

Sem revisão na tarifa há quase 3 anos e enfrentando aumentos frequentes de diesel (perto de 60%) e de salários, além da redução dos passageiros pagantes

 NATANAEL ROMERO

Por outro lado, as empresas afirmam que a redução do número de passageiros pagantes vem crescendo há anos e que a falta de suporte governamental ao setor agravou ainda mais a situação durante a pandemia, quando o número de passageiros pagantes transportados chegou a reduzir em quase 80%.

O diesel aumentou nesse período 60%. Tivemos ainda o aumento dos rodoviários, que ficou entre 5% e 7%.

NATANAEL ROMERO
Diretor da Setransbel comenta problemas do sistema em Belém. Vídeo: Belém Trânsito.

Todos esses fatores tornam o cenário ainda mais caótico. E, com a persistência do Governo Federal em não oferecer nenhum tipo de socorro para as empresas, as possibilidades futuras são ainda mais preocupantes. Segundo a NTU, essa omissão por parte do governo irá acarretar em uma tarifa até 50% maior em 2022. Em nota divulgada no último dia 10 de dezembro, a associação afirmou que o aumento das tarifas se tornou uma necessidade para a continuação dos serviços prestados. “A NTU adverte que a falta de políticas de apoio ao setor, principalmente por parte do governo federal, e a manutenção das atuais regras dos contratos de concessão podem levar a um aumento de pelo menos 50% nos preços das tarifas de ônibus em todo o país a partir de janeiro do ano que vem”, declarou a entidade.

O Subsídio

Falta de apoio do Estado prejudica usuários e companhias. Foto: Reprodução.

A tarifa do transporte tem um grande impacto na renda dos brasileiros. Estima-se que 10% do orçamento mensal seja dirigido ao uso de transportes coletivos. Em cidades sem subsídio, como Belo Horizonte, essa porcentagem sobe para 16,7%. Em contrapartida, em grandes cidades europeias, como Madrid e Copenhague, os gastos com transporte giram em torno de 6% da renda mensal.

Cidade de Madrid tem subsídio para o transporte. Foto: Reprodução.

Um dos debates a respeito do transporte público coletivo no Brasil gira em torno da falta de subsídios por parte dos Governos, já que em Belém não há subsídio Federal, Estadual ou Municipal. O Estado, por exemplo, poderia reduzir ou zerar a alíquota do ICMS na compra do diesel e do ônibus novo, o que poderia proporcionar uma renovação de frota mais frequente na cidade, muito necessária atualmente. Entretanto, algumas capitais brasileiras contam com subsídios próprios e nos mostram, na prática, de que forma isso ajuda o sistema.

  • São Paulo: Em 2021, a Prefeitura de São Paulo investiu cerca de R$ 1,865 bilhão em subsídios, segundo os dados dos relatórios mensais publicados pela SPTrans. Em comparação ao primeiro semestre de 2019, antes da pandemia, a capital paulista investiu R$ 461 milhões a mais.
  • Brasília: Segundo a Secretaria de Transporte e Mobilidade do estado, a passagem de ônibus seria R$ 9,31 caso o subsídio do Governo do Estado não existisse. Atualmente, o sistema custa R$ 1 bilhão aos cofres públicos.
  • Curitiba: Segundo a Urbanização de Curitiba (Urbs), setor responsável por administrar os ônibus da cidade, o investimento feito no transporte público da cidade foi de R$ 102 milhões no primeiro semestre de 2021. De acordo com o prefeito Rafael Greca (DEM), sem esse aporte os usuários estariam pagando R$ 11 de tarifa.

Com sistema de transporte público muito elogiado, Curitiba tem subsídio do estado. Foto: Reprodução.

Aqui em Belém, o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belém (Setransbel) apresentou a Planilha de Custos atualizada do setor em setembro de 2021, demonstrando a insuficiência da atual tarifa de R$3,60 para manter os serviços, justamente por não ter mais como sustentar todo o sistema com a tarifa atual e sem qualquer subsídio por parte dos governos em todas as esferas. O aumento dos custos somado a redução de passageiros pagantes, que migram constantemente para outros meios, colocou o sistema em cenário preocupante. E nós vamos falar sobre essa migração na nossa próxima matéria.