A Amazônia corre o risco de enfrentar uma seca ainda mais severa do que a registrada em 2023, quando foi vivida a maior seca da história da região. Em 2024, a descida dos rios começou antes do previsto, com reduções já observadas na primeira quinzena de junho, enquanto historicamente o fenômeno inicia-se entre a última semana de junho e as primeiras de julho.
Normalmente, de janeiro a maio, a Amazônia passa por sua estação chuvosa. No entanto, os dados indicam que, no primeiro semestre de 2024, houve um aumento no número de cidades que experimentaram uma transição de seca fraca para moderada e, em alguns casos, para severa. Esta análise é baseada no Índice Integrado de Seca (IIS), um sistema do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), que monitora os registros de seca nacionalmente, conforme divulgado pela InfoAmazônia.
Para analisar as implicações ambientais e sociais dessa crise iminente, o BT Amazônia conversou com Vânia Neu, professora da Universidade Rural da Amazônia (UFRA) e especialista em Ecologia. Com uma vasta experiência no Bioma Amazônico, Vânia possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, mestrado em Ecologia de Agroecossistemas e doutorado em Ecologia Aplicada pela Universidade de São Paulo. Nesta entrevista, ela comenta sobre as perspectivas e os desafios que a região pode enfrentar devido às mudanças climáticas e à seca.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.
Quais são as principais causas da seca na região amazônica?
A Amazônia, está passando por intensas e drásticas transformações ao longo das últimas quatro décadas (desmatamento, queimadas, garimpo). Alterações nos sistemas terrestres e aquáticos, estão afetando a biodiversidade, a resiliência e a resistência dos ecossistemas, a biogeoquímica das águas e a vida da população local. Assim como em todo o planeta, o clima da Amazônia está em transformação, fruto de ações humanas globais. Ao longo de milhões de anos, a floresta amazônica se mostrou resiliente às variabilidades climáticas. Contudo, essa capacidade parece apresentar sinais de esgotamento em virtude das ações antrópicas.
Como isso afeta os ecossistemas, a biodiversidade e as comunidades locais?
Temperaturas elevadas e secas extremas tem levado à morte espécies aquáticas de peixes e mamíferos, afetando também a sobrevivência de árvores centenárias, rompimento dos serviços ecossistêmicos essenciais para a vida no planeta extinção em massa comprometimento dos ciclos biogeoquímicos da água, do carbono e demais nutrientes. Além do aumento da ocorrência de doenças cardiovasculares.
Como a falta de água afeta a vida cotidiana e a segurança alimentar?
Na Amazônia, os rios são mais do que fontes de água; eles são as ruas que conectam comunidades, levam crianças à escola, garantem acesso a cuidados médicos e fornecem alimento. No entanto, o cenário de mudanças climáticas têm causado transtornos sociais profundos, como o isolamento e a insegurança hídrica em várias regiões. A redução das chuvas, além de afetar o abastecimento de água, compromete a produção agrícola, levando à insegurança alimentar e afetando diretamente a subsistência dessas comunidades.
Um exemplo concreto das consequências de eventos climáticos extremos já é evidente na foz do Rio Amazonas, onde o processo de salinização das águas afeta gravemente comunidades como as do arquipélago de Bailique, no estado do Amapá. Durante os períodos menos chuvosos, a água do rio se torna salobra, tornando-se inadequada para o consumo. Essas comunidades, que dependem dos rios para abastecimento, ficam sem acesso à água potável, e a cada ano, barcos precisam transportar água de Macapá para suprir essa necessidade básica. À medida que as secas se intensificam e a vazão dos rios diminui, a intrusão da água do mar avança, agravando ainda mais a crise hídrica e isolando essas populações.
Como as mudanças climáticas contribuem para a intensificação da seca na Amazônia?
Uma das consequências da alteração climática é a intensificação dos extremos: as secas se tornam mais severas e prolongadas, enquanto as chuvas ficam mais intensas. Além disso, com o aumento das temperaturas, a mortalidade das plantas também cresce, elevando o risco de incêndios florestais. Esses incêndios, por sua vez, reduzem ainda mais as chuvas, afetando o funcionamento da bomba biótica — um mecanismo crucial para a produção de chuvas na Amazônia.
Quais são os fatores naturais e ações humanas envolvidos?
Ainda não sabemos exatamente o quanto as ações humanas estão interferindo na ocorrência de extremos climáticos na Amazônia, mas os impactos parecem irreversíveis. A seca da Amazônia é fruto não apenas de ações locais, mas sim, resultado de processos globais com aumento de temperaturas em todo o planeta.
Essa situação ainda pode retroceder ou, uma vez que já é uma realidade, isso só tende a piorar?
Acredito que retroceder seja difícil; essa realidade parece ter vindo para ficar. As alterações climáticas chegaram, e os processos de seca prolongada e a intrusão crescente de água salgada em áreas que antes eram de água doce parecem ser algo que não conseguem mais reverter. Essa é a nova realidade com a qual teremos que conviver.
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(Matéria escrita por Lívia Leoni, estagiária da Clínica de Direitos Humanos da UFPA, sob supervisão de Patrícia Carvalho, coordenadora de jornalismo)