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Coluna Ingo Müller | Antivacina: a dupla falta do campeão do tênis

A disputa principal do aberto da Austrália ainda nem começou, mas essa competição centenária já teve um grande rally fora das quadras: é que o número 1 do ranking masculino, Novak Djokovic, troca voleios com as autoridades australianas para tentar participar do evento – nada menos que o primeiro Grand Slam da temporada – mesmo sem ter se vacinado contra a Covid.

O sérvio pediu uma exceção, com um argumento mais fraco que o saque o ucraniano Artem Bahmet: segundo Djoko, ele não precisaria se vacinar pois teria testado positivo para Covid em 16 de dezembro e, após a recuperação, estaria com imunidade natural para a doença.

Essa lógica bizarra, que inclusive já foi até repetida em live presidencial aqui no Brasil, não encontra respaldo na ciência: o consenso entre os especialistas é que completar o ciclo de vacinação é importante mesmo para quem se infectou, já que a vacina provoca uma resposta do organismo mais segura e duradoura do que qualquer imunidade desenvolvida após o paciente se recuperar da doença.

Esta foi a primeira falta de Djokovic: de conhecimento, equiparando uma opinião infundada ao posicionamento de especialistas. Só que, independente do que pense o atleta, a Austrália é rigorosa no controle da pandemia e o estado de Victoria, onde será realizado o torneio, determinou que apenas pessoas vacinadas podem jogar.

Forçando o saque, o tenista protestou e conseguiu uma exceção, mas o tratamento privilegiado causou um constrangimento nacional, e as autoridades australianas devolveram o serviço cancelando o visto do jogador. Djoko foi detido e, horas depois, o primeiro ministro Scott Morrisson tuitou que “Regras são regras, especialmente quando se tratam das nossas fronteiras”.

O bate-bola continuou, com o atleta apelando e conseguindo o direito de permanecer na Austrália, sem ser deportado, desde que cumprisse quarentena em confinamento. A associação de Tênis da Austrália decidiu admitir o jogador na competição com base numa interpretação (não médica) de que bastaria comprovar contágio por Covid nos últimos seis meses para poder jogar, mas o ministério da saúde do país enviou uma carta para a entidade informando (corretamente) que o contágio prévio não deveria isentar ninguém da vacinação. Recorrendo à justiça, Djoko teve uma decisão favorável em uma corte federal que avaliou que ele deveria ser liberado do confinamento, e que seu passaporte retido deve ser retornado.

Após tudo isso, a organização do Aberto da Austrália confirmou o número 1 do mundo como cabeça de chave, mas esse set tá longe de acabar: a imprensa alemã noticiou que o sérvio teria furado o isolamento durante a quarentena, e apresentou indícios de que ele poderia ter fraudado exames de covid. As autoridades sanitárias da Sérvia ainda não se manifestaram sobre as inconsistências no exame do tenista apontadas pela revista Der Spiegel, mas  a situação segue sob investigação na Austrália e o ministro de Imigração, Cidadania, Serviços a Imigrantes e Relações Multiculturais ainda pode cancelar o visto concedido a Djokovic. 

Ainda não podemos afirmar que o esportista faltou com a verdade – isso está sendo apurado -, mas no mínimo ficou claro que faltou ao atleta a consciência de que ele é um exemplo, e suas atitudes reverberam além da esfera pessoal. Em vez de exibir a grandeza de caráter que se espera de um ídolo, o sérvio manteve a tradição de posturas reprováveis e declarações infelizes que acompanham sua carreira. 

A disputa entre as autoridades australianas e o tenista não é simples, mas todo este imbróglio poderia ter sido evitado caso o atleta tivesse tomado a vacina – aí Djoko estaria livre para disputar um dos mais prestigiados torneios do tênis mundial, encantando todos com seu backhand no fundo da quadra…. em vez disso, o jogador dá um passo para o fundo do poço como garoto propaganda do movimento antivax. Apesar de grande tenista, Djokovic se transformou naquele tipo de atleta que, como diria o craque Romário, “calado é um poeta” – vacinado, também.