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Brasil concentra 72% do investimento em setores destrutivos da biodiversidade, aponta relatório

Relatórios divulgados nesta quarta, 16, pela coalização internacional Florestas e Finanças mostram que os maiores bancos do mundo, incluindo grandes bancos brasileiros, investiram mais de US$ 395 bilhões em crédito para setores ligados ao desmatamento e à violação de direitos humanos entre janeiro de 2016 e junho de 2024, desde a adoção do Acordo de Paris.

Somente entre janeiro de 2023 e junho de 2024, foram concedidos US$ 77 bilhões em crédito. A pesquisa destaca a inação dos governos em conter essa tendência, mesmo após a adoção do Marco Global de Biodiversidade (GBF) há quase dois anos. Os resultados reforçam a necessidade urgente de medidas regulatórias significativas para alinhar as práticas financeiras com as metas globais de deter e reverter a perda de biodiversidade.

Um dos estudos, chamado de Financiando o Colapso da Biodiversidade evidencia o papel das finanças globais na destruição das florestas tropicais. Um estudo inicial foi publicado em dezembro de 2023. O relatório deste ano examina bancos e investidores que financiam 300 empresas operando em seis setores de commodities de alto risco: carne bovina, óleo de palma, celulose e papel, borracha, soja e madeira — de desmatamento, perda de biodiversidade e violações de direitos humanos no Sudeste Asiático, América Latina e África Central e Ocidental.

Já o relatório “Regulamentação Financeira para a Biodiversidade” revela, juntamente com o estudo principal, que a maior parte do financiamento vem do Brasil, China, Indonésia, União Europeia e Estados Unidos. O Brasil, em particular, ocupa um papel central no financiamento desses setores destrutivos, sendo responsável por 72% de todo o crédito mundial destinado à produção e ao processamento primário das seis commodities com risco de desmatamento dos biomas brasileiros.

“O setor financeiro precisa avançar na transparência de seus negócios, para que suas políticas corporativas de sustentabilidade sejam de fato escrutinadas por órgãos reguladores e a sociedade civil. Do ponto de vista da política pública, precisamos de marcos legais nacionais e internacionais mais fortes, evitando o financiamento de projetos predatórios. A governança das cadeias produtivas de commodities ainda é muito frágil. Sem mudanças, violações de direitos e a destruição de biomas continuarão a ocorrer”, afirma Marcel Gomes, secretário executivo da ONG Repórter Brasil, membro da Coalizão.

Entre 2016 e junho de 2024, bancos brasileiros destinaram US$ 188 bilhões a essas empresas de risco à biodiversidade. No período mais recente de 18 meses (janeiro de 2023 a junho de 2024), apenas os três maiores bancos do país – Banco do Brasil, Bradesco e Itaú Unibanco – forneceram US$ 35 bilhões, principalmente para os setores de soja e carne bovina.

“Os governos estão inertes enquanto os bancos continuam a financiar a destruição das florestas e violações de direitos humanos, sem qualquer restrição ou consequência”, afirma Tom Picken, diretor da campanha Florestas e Finanças da organização Rainforest Action Network (RAN), parte da Coalizão. “Com a COP16 se aproximando, é o momento de uma ação transformadora. A verdadeira ‘lacuna de financiamento’ para a conservação é, na verdade, uma lacuna regulatória para impedir que bancos e investidores continuem alimentando a crise de biodiversidade”, completou.

BRASIL NO CENTRO DO FINANCIAMENTO DESTRUTIVO DA BIODIVERSIDADE

O programa de Crédito Rural do Brasil desempenhou um papel importante no crescimento desses setores, com um aumento de US$ 10,7 bilhões para o setor de soja e US$ 9,8 bilhões para o setor de carne bovina entre 2016 e 2023.

Além disso, os investimentos no setor aumentaram bastante por meio de instrumentos financeiros como Fiagros, CRAs, e LCAs. As regulamentações sobre esses produtos de investimento, vendidos a investidores privados, praticamente não possuem critérios socioambientais associados. Esses produtos são amplamente utilizados para financiar o setor agrícola e se tornaram uma fonte de capital fundamental para a expansão das atividades. Dados governamentais mostram que, em julho de 2024, o valor total dos instrumentos financeiros destinados ao setor agrícola brasileiro alcançou US$ 187 bilhões. “Sem mudanças regulatórias que imponham requisitos socioambientais mais rígidos e a responsabilização dos financiadores, o setor financeiro brasileiro continuará impulsionando a destruição das florestas e colocando em risco as metas de biodiversidade” disse Tarcísio Feitosa – articulador da Coalizão Florestas e Finanças para o Brasil.

Enquanto incêndios florestais devastam a Amazônia durante uma das piores temporadas de queimadas já registradas, o relatório “Financiando o Colapso da Biodiversidade” detalha como a JBS, a maior empresa de processamento de carne do mundo, tem contribuído para a destruição de terras indígenas na Amazônia, apoiada por US$ 1,1 bilhão em crédito de grandes instituições financeiras. Apesar dos compromissos para práticas éticas, a JBS continua perpetuando o desmatamento e as violações de direitos humanos.

Além disso, os relatórios apontam que as iniciativas voluntárias de sustentabilidade dos bancos estão falhando. Mais da metade dos 30 maiores bancos com risco de desmatamento florestal do mundo são membros de pelo menos uma iniciativa de sustentabilidade, como os Princípios para a Responsiabilidade Bancária (UNPRB), a Aliança Bancária por Zero Emissões Líquidas (NZBA) e a Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras Relacionadas à Natureza (TNFD). No entanto, tais compromissos não impediram a continuidade do financiamento para a destruição das florestas e as violações de direitos humanos. Sistemas de certificação como o Forest Stewardship Council (FSC) e a Mesa Redonda sobre Óleo de Palma Sustentável (RSPO) também não conseguiram evitar o desmatamento nem proteger os direitos humanos.

“Bancos e investidores que dependem de esquemas de certificação falhos, como o FSC e a RSPO, são cúmplices do greenwashing e contribuem para as crises climática, de biodiversidade e de direitos humanos. As instituições financeiras devem assumir a responsabilidade pelos impactos de seus financiamentos e conduzir rigorosa diligência e verificação independente do cumprimento das políticas ambientais e sociais de seus clientes”, disse Jeff Conant, Gerente Sênior do Programa Internacional da ONG Friends of the Earth U.S.

Destaques do relatório sobre o Brasil:

72% do crédito global destinado à produção e ao processamento primário de commodities com risco de desmatamento de florestas tropicais são provenientes de bancos brasileiros.


– Entre 2016 e junho de 2024, bancos brasileiros concederam US$ 188 bilhões a empresas com risco de desmatamento, com US$ 35 bilhões fornecidos apenas nos últimos 18 meses pelos três maiores bancos do país (Banco do Brasil, Bradesco e Itaú Unibanco).


– O programa de Crédito Rural do Brasil contribuiu significativamente para o crescimento dos setores de soja e carne bovina, com um aumento de US$ 10,7 bilhões para soja e US$ 9,8 bilhões para carne bovina entre 2016 e 2023.

– Dados governamentais mostram que, em julho de 2024, o valor total dos instrumentos financeiros destinados ao setor agrícola no Brasil era de US$ 187 bilhões, a maior parte sem critérios socioambientais associados.

Esses números ressaltam o papel central do Brasil no financiamento de setores com risco de desmatamento, e destacam a necessidade de regulamentações financeiras mais rigorosas para garantir que o capital não continue alimentando a destruição ambiental e as violações de direitos humanos.

brasil

“Como as regiões mais biodiversas do mundo estão à beira do colapso ecológico, o papel do setor financeiro em perpetuar a destruição ambiental não pode ser ignorado. Iniciativas voluntárias como os  Princípios para a Responsiabilidade Bancária são apenas greenwashing, e é hora de os governos intervirem”, contorna Merel van der Mark, coordenadora global da Coalizão.

A Coalizão Florestas e Finanças é composta pelas organizações Rainforest Action Network (RAN), Repórter Brasil, TuK Indonesia, Profundo, Amazon Watch, BankTrack, Sahabat Alam Malaysia, Friends of the Earth US, Milieudefensie e CED Cameroon.

Links dos relatórios:

Sumários executivos em português:

Financiando o Colapso da Biodiversidade

Regulamentação Financeira para a Biodiversidade


Sumários executivos em inglês:
Banking on Biodiversity Collapse

Regulating Finance for Biodiversity

Os relatórios completos e demais documentos, sob embargo, estão disponíveis neste folder.