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COP 30 ou Serra Pelada 2.0? O novo “ouro” enxergado no Pará chega embalado em greenwashing e roubo de protagonismo

Atenção: As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do BT Mais/ BT Amazônia.

Vai ser difícil não atravessar a pauta COP 30 em algum momento deste ano. O fato de o maior evento sobre clima do mundo acontecer no Brasil passa por áreas que, muitas vezes, vão no caminho oposto da agenda climática. Para algumas pessoas é só um evento qualquer. Para outras, uma chance de salvar o planeta. E temos aquelas que enxergaram o evento como uma espécie de nova Serra Pelada – uma “oportunidade de ouro” de enriquecer em cima da discussão que, literalmente, pode definir a vida no planeta Terra. 

Seria no mínimo ingenuidade querer que fosse diferente. Não se enganem, a internet pode estar cheia de projetos e financiamentos voltados para o clima e oportunidades para população local, mas no off (na boca miúda se quisermos regionalizar) a conversa é sobre este ser o melhor momento para ganhar dinheiro no Pará. É cansativo ver a história se repetir. O saqueamento da floresta é um dos ofícios mais antigos que existem. A pesquisadora Violeta Loureiro argumenta que a história da região amazônica tem sido de perdas e danos e eu concordo em absoluto. Nem é preciso ir muito longe, vamos lembrar dos anos 1980, quando o Pará foi destaque internacional pela famosa área de garimpo que prometeu enriquecimento e sucesso: a Serra Pelada. 

A descoberta de ouro na Serra Pelada acendeu o sonho de uma vida mais próspera em milhares de pessoas que enxergaram na mineração uma chance de alcançar a riqueza. Estima-se que, no auge de sua prosperidade, mais de 100 mil pessoas estavam envolvidas nas atividades da região. O sonho acabou com a combinação de ausência de segurança, jornadas exaustivas de trabalho, grandes índices de contaminação por mercúrio, total ausência de direitos trabalhistas e conflitos internos. O resultado foi desastroso. 

E com isso não quero dizer que a Conferência das Partes vai acabar em um massacre – pelo menos eu espero fortemente que isso não aconteça! Mas é difícil fechar os olhos para os milhões que circulam em nome desse evento importantíssimo para o nosso planeta. Milhões que, em sua maior parte, não vão ficar por aqui. Infelizmente já se enxerga a história se repetindo. O trabalho pesado ficando pra quem é da região e a glória (e a riqueza) integralmente nas mãos do forasteiro. 

E por que Belém? Por que na Amazônia que não tem estrutura para grandes eventos? Essas perguntas sozinhas já são problemáticas, mas quase ninguém se questiona e pensa na importância do mundo conhecer, de fato, a Amazônia. É por isso que a COP 30 vai ser aqui. É fundamental que o mundo conheça a nossa riqueza natural e, principalmente, os problemas herdados de uma cultura colonizadora e que impactam diretamente a vida das pessoas amazônidas. 

Vamos olhar atentamente pro “homem branco” que vem de fora e chega com um discurso de “salvamento”, através de seus projetos e iniciativas para problemas curiosamente causados pelas próprias organizações que eles representam. Esse “homem branco” garante que suas ações são intencionadas unicamente para a mitigação climática e proteção da floresta, ao mesmo tempo em que ele protagoniza outras iniciativas potencialmente destrutivas para o meio ambiente. O termo gringo pra isso é greenwashing. 

Qual não foi a minha surpresa quando, de repente, surgiram vários especialistas nos assuntos da minha terra? Pessoas que nunca pisaram aqui, ou que visitaram algumas poucas vezes, se sentindo no direito de afirmar que são “o primeiro grupo científico de pesquisa sobre a Amazônia”, na tentativa de apagamento dos estudos de diversos pesquisadores amazônidas que fazem ciência sobre a região desde o século passado. Isso pra citar um exemplo. 

Quase toda discussão é válida, o diálogo deve ser aberto e todos estão convidados para sugerir melhorias. Mas o protagonismo é nosso. Os especialistas somos nós. Os especialistas são os povos indígenas, meus amados parentes, que trabalham pela floresta há milênios. São as pessoas ribeirinhas que conhecem e respeitam a grandeza e os mistérios dos nossos rios colossais. São os pesquisadores nortistas, que conhecem e vivem a região com todas as suas glórias e desafios. São as pessoas da Amazônia Urbana, que convivem diariamente com os desafios da falta de saneamento básico, ausência de políticas públicas efetivas e descaso do poder público. Acredito que ainda é muito difícil ceder o palco pra nós e ouvir tudo o que temos a dizer. Seguimos. 

Ciente de que os holofotes estão todos virados pra cá, assim como o cantor e compositor Nilson Chaves, eu olho o futuro e pergunto pra insônia: será que o mundo nunca viu Amazônia?

Matéria por Juliana Miranda – Paraense, descendente de etnias Aruan e Borari, publicitária e Mestra em Comunicação, Linguagens, Cultura e Amazônia ‎