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Ingo Müller | As Olimpíadas do genocídio

Uma das coisas que não falha na internet é que, sempre que a extrema-direita escorrega, logo aparece o fã-clube pra passar o pano. Eles geralmente nem precisam se dar ao trabalho de pensar numa defesa: basta se fazer de vítima, dizer que a fala foi tirada de contexto e a claque cuida do resto. Mas nesta semana, que começou com um dos maiores (veja bem…) podcasters do país defendendo a existência de um partido nazista e teve na sequencia ex-BBB mandando sieg heil ao vivo, o centro do debate foi o Nazismo – uma doutrina tão detestável que até a turma da extrema extrema direita tem dificuldade de justificar… tanto que não raro tentam dar nomes mais suaves,  como alt-right, ou pintar regime hitlerista como sendo de esquerda , embora não haja embasamento teórico pra tal.

Felizmente essa falácia do Nazismo de esquerda ficou pra trás, pelo menos desta vez, já que o próprio Monark começou seu discurso colocando o Nazismo no seu devido lugar – a extrema direita – ao postular a idéia criminosa de que “o nazista tinha que ter o partido nazista, reconhecido pela lei” porque “a esquerda radical tem muito mais espaço que a direita radical” e “as duas deveriam ter o mesmo espaço”.

Esse raciocínio é tão indefensável que o melhor que o comunicador pode fazer para limpar sua barra foi mandar um “foi mal, tava doidão”. Quando sua defesa é alegar que trabalhou bêbado, é porque a bronca foi muito, muito grave. Só que, mesmo com o próprio Monark afirmando que a fala foi burra, teve gente que perdeu tempo ponderando sobre “lógica” da sociedade desprezar o nazismo enquanto existem partidos de esquerda com bandeiras socialistas e comunistas, como se isto fosse um sintoma de hipocrisia da esquerda.

Só que a comparação entre Nazismo e Comunismo, obviamente, é uma imbecilidade. Enquanto o Nazismo foi um regime nacionalista que pregava superioridade racial, perseguiu minorias montou uma máquina de morte para promover seu extermínio; o Comunismo é uma construção utópica que se apresentava como alternativa ao modelo capitalista para acabar com as desigualdades.

Ademais, enquanto o nazismo foi um fenômeno real na Alemanha e que ainda tem células mantidas ao redor do mundo por alguns humanos desprezíveis (e cujo número cresceu 60% no nosso país nos últimos dois anos), o comunismo nunca foi colocado em prática – ele só existiu de forma teórica. Não importa quando ladrem os conspiracionistas do what’s app, jamais houve regime comunista no mundo.

“Ah, mas e Cuba, e a Rússia, e a China?” – bem, não foram regimes comunistas. Foram experiências socialistas, formas de governo que segundo alguns estudiosos poderiam ser uma ponte para o comunismo, mas que não se tornaram comunistas de fato. É por isso que a gente fala em comunismo utópico – porque na prática a coisa não rolou ainda, seja por pressão externa através de golpes incentivados por potências exteriores ou embargos econômicos (já que não é interessante para os capitalistas que uma experiência socialista seja bem-sucedida) ou por problemas internos, como má gestão, anacronismo ou até o totalitarismo dos governantes que tiranizam populações sob bandeiras socialistas.

Sim, pessoas morreram em regimes socialistas. Algumas foram mortas pelo próprio estado, porque governos totalitários tendem a reprimir violentamente qualquer oposição. Estes são fatos históricos, e ignorar isso é uma forma de negacionismo.  

Apesar disso, a comparação entre Nazismo e comunismo/socialismo é descabida, incluindo aquela favorita dos liberais de internet de que “o Nazismo matou 6 milhões, o comunismo (sic) 60”. Não adianta contar corpos, como se estivéssemos disputando quem leva medalha de ouro quando o assunto é genocídio porque, imprecisão de dados à parte, seria uma injustiça histórica comparar uma ideologia assassino com um sistema político, por mais falhas que ele tenha. E é por isso que partidos nazistas não podem existir, mas existem partidos comunistas/socialistas independentemente de quão malsucedidas tenham sido experiências de outras nações neste sentido.

Ademais, se a gente fosse vetar a existência de partidos por conta de quantidades estimadas de mortos de acordo com o seu modo de produção, não poderíamos ter qualquer partido político que pregasse uma economia de mercado porque, durante o mercantilismo europeu e a era das navegações (o chamado “capitalismo comercial”), foi promovido o maior massacre da história, com povos nativo-americanos sendo chacinados aos milhões – embora não se saiba como era a demografia do continente, a estimativa é que os europeus tenham matado até 90% de todos os nativos no auge de seu domínio, em 1650.

Pra piorar, foi o mesmo sistema que promoveu o brutal tráfico negreiro intercontinental que, com o apoio da igreja, trouxe até 1866 quase 5 milhões de africanos para serem vendidos como mercadoria nas Américas, onde foram obrigados a trabalhos forçados e ainda tiveram sua história apagada, pelo qual seus descendentes sofrem até hoje.

E não podemos esquecer que foi o mesmo modo de produção capitalista o responsável pelo neocolonialismo, que implantou no Congo um dos mais horrendos regimes já visto na terra: a submissão à coroa Belga do monstruoso rei Leopoldo II, cujas atrocidades cometidas na colônia foram causa de pressão internacional em prol dos direitos humanos – isso em 1890!

São grandes manchas na história que persistem até hoje, e se perpetuam no nosso cotidiano toda vez que compramos produtos de empresas que usam mão de obra explorada. Ainda assim, jamais se comparou um partido que tenha uma proposta liberal ao Nazismo – porque seria, lógico, descabido… Da mesma forma que é descabido achar que o Nazismo é um ponto aceitável de atuação política, e que ele seria o oposto polar de um partido socialista. Não é, jamais será, e jamais podemos aceitar este tipo de desonestidade intelectual – seja na academia, na mídia tradicional, nas redes sociais ou num podcast da internet.