/////

Lista de frequência dos vereadores de Belém levanta suspeita de fraude

O BT passou um mês apurando as informações do portal da transparência da câmara dos vereadores de Belém. E descobriu indícios de irregularidades que dificultam o acesso da população às informações e podem beneficiar vereadores faltosos

Foto: Reprodução

O BT foi atrás da lista de frequência dos vereadores da Câmara Municipal de Belém (CMB) em 2021, para dar uma resposta à população sobre como está a atuação de cada um dos vereadores. Entretanto, tivemos uma surpresa desagradável com o material que encontramos no Portal da Transparência do órgão municipal, que aponta uma série de irregularidades que ferem a Lei de Transparência e a Lei de Acesso a Informação e abrem espaço para suspeita de fraudes.

Estamos há um mês apurando as informações sobre a frequência dos vereadores da capital. Mas esse número não foi possível de ser obtido por nenhum canal fornecido pela câmara. Então, vamos compartilhar com vocês algumas das irregularidades que foram apuradas pela nossa equipe de jornalismo.

Vamos começar!

As sessões na Câmara podem ser classificadas como ordinárias, que fazem parte do calendário anual de trabalho legislativo, e extraordinárias, que funcionam em período de convocação extra. Acontece que a frequência dos veredores nestas sessões estão dispostas no portal através de uma lista de frequência rudimentar, assinada pelos vereadores e, pasmem, elas são rabiscadas e rasuradas, como você pode conferir abaixo.

No entanto, há um sistema de registro de presença digital. Esse registro é feito numa espécie de “ponto eletrônico” que serve tanto para registrar a presença do vereador, como para votar as pautas da casa.

Bem, eis a pergunta valendo a folha de pagamento milionária de todos os vereadores: por que esse registro de presença digital não está disponível no Portal da Transparência?  

Aparelho utilizado para marcar a frequência dos vereadores na CMB. Foto: Reprodução.

Fomos atrás. Uma fonte, que preferiu não ser identificada, revelou que a frequência digital não é mais publicada no Portal, coincidentemente ou não, desde que um veículo de comunicação local fez uma matéria sobre as faltas nas sessões e os vereadores reclamaram da exposição.  

O que ocorre é que hoje as listas disponíveis são ilegíveis, o que torna impossível o trabalho de contagem da frequência da Casa, e priva a população da prestação de contas exigida pela Lei de Transparência (LC 131/2009).

Além disso, ainda encontramos listas que simplesmente não abriram durante todo o nosso processo de apuração. Como é o caso da sessão ordinária do dia 27 de abril de 2021, que aparece como “página não encontrada”.

Lista de frequência do dia 27 de abril de 2021 não abre no Portal. Foto: Reprodução/Portal da Transparência CMB. 

Foram 78 sessões no ano, entre ordinárias e extraordinárias. Dessas, o BT teve acesso a 75 sessões que estão disponíveis no Portal, nas condições precárias que citamos acima. Pra você entender o tamanho da confusão, vamos ao caso da sessão do dia 22 de novembro.

No mesmo dia podemos ver que o vereador Bieco (PL), foi dado como “ausente” na primeira lista que passou as 9h56, de “licença” na lista que passou 10h03, e “presente” na terceira lista que passou 10h44. Ou seja, no mesmo dia o vereador esteve ausente, pediu licença em menos de 10 minutos, e voltou em menos de uma hora, constando como “presente”.

O resultado sobre a presença do vereador neste dia: inconclusivo.

O que acontece no caso da “licença” é que o vereador não precisa explicar o que está fazendo. Muitas vezes ele pode estar na casa, atendendo alguma outra demanda fora da sessão, ou pode estar em um compromisso pessoal, que nada tem a ver com os trabalhos da Casa.

A questão é: se ele não estava presente na sessão, essa ausência precisa ser contabilizada ou justificada, já que se o vereador tiver menos de um terço de presença das sessões ordinárias, segundo a lei, ele pode ser cassado.

As condições das listas inviabilizam o processo de contagem e, por isso, é inviável dar o nosso TOP 5 vereadores mais faltosos, tal qual fizemos na Assembleia Legislativa dos Deputados do Pará.

No entanto é um direito da população saber o quanto os vereadores trabalharam e o que fizeram enquanto são pagos com dinheiro público. Segundo a Lei de acesso a informação, esses dados não podem ser negados, nem a nós jornalistas, e muito menos ao cidadão.

Um dos casos que mais chamou a atenção do BT foi a do vereador Vinícius, do partido Republicanos. O vereador, que também é jogador de futebol e defende o Clube do Remo desde 2017, tem faltas na Câmara com a apresentação de uma justificativa definida como “agenda”.

O que é “agenda”? A agenda pode ser oficial, que é alguma atividade relacionada à Casa. Ou pode ser uma “agenda” pessoal, o que significa “falta”. No caso do goleiro do Clube do Remo, ele entra com requerimento para justificar uma ausência, e usa na justificativa apenas o motivo: “agenda”.

Entretanto, na mesma data da sessão, Vinícius estava viajando com a delegação azulina e atuando como titular em uma partida. É o caso do dia 10 de agosto, em que o vereador estava em Goiânia(GO), escalado para um jogo do Remo no Campeonato Brasileiro da Série B, contra o Goiás. Então no caso, a “agenda” do jogador era o jogo do Clube do Remo.

Vinícius atuando em Goiás dia 10 de agosto de 2021. Vídeo: Reprodução/Globo Esporte.

No dia 17 de agosto, o vereador teve uma falta justificada com o motivo “agenda externa” e, novamente, estava viajando com o time do Remo.

Na ocasião, ele estava em Aracaju (SE) e defendeu a meta azulina na partida contra o Confiança, também pelo Campeonato Brasileiro da Série B.

Entramos em contato com um advogado para comentar sobre a folha de frequência da Câmara dos Vereadores disponível no Portal da Transparência. Galeno Brasil explicou que o atual formato da frequência dos vereadores da capital abre espaço para possíveis fraudes. ” Toda fonte rasurada, onde as informações não estão totalmente claras, é um espaço propício para fraudes. Se você tem um documento rasurado, ele não vale de nada”, explica Brasil.

FALTA DE QUÓRUM: SEM TIME NÃO TEM JOGO

Quórum é o número exigido de vereadores presentes para que uma sessão possa acontecer. Segundo fontes exclusivas do BT, tem se tornado mais frequente dentro de Casa, não haver votação por falta de quórum, e como as listas de presença são inconclusivas, não conseguimos confirmar o número de vereadores em casa sessão.

 

Entre todas as atribuições de um Vereador, está a de propor e aprovar leis de interesse da população e da administração municipal. Para isso, o mínimo esperado, é que os vereadores, que foram escolhidos pela população, cumpram o seu dever de estar presente nas sessões da Câmara que, por determinação, tratam de assuntos do interesse público. 

Somado a isso, o salário de um vereador na capital paraense é de R$ 15.031,76 (quinze mil e trinta e um reais e setenta e seis centavos). Esse valor é só do salário, não contamos aqui com os benefícios como ticket alimentação, por exemplo, e nem a folha de pagamento dos assessores.

O cenário fica ainda mais alarmante quando colocamos a conta na ponta do lápis. Em 2021, os vereadores de Belém trabalharam 78 dias no ano, somando as sessões ordinárias e extraordinárias. Isto dá apenas 21% dos dias do ano. Se colocamos essa conta somente em cima dos dias úteis de 2021, nossos vereadores trabalharam em cerca de 30% do tempo útil disponível. Isso sem falar das faltas que não conseguimos contar em função da desinformação do Portal da Transparência, né?

A Lei da Transparência (LC 131/2009) foi criada com a intenção de fazer com que entidades públicas federais, estaduais e municipais passassem a divulgar em tempo real, ou no máximo dentro de 24 horas, as informações de receitas e despesas em um site e/ou portal da transparência na internet.

Isso quer dizer que é um direito do cidadão brasileiro ter acesso às informações sobre os órgãos de administração pública, como a Câmara Municipal de Belém, por exemplo. Essas informações podem ser de natureza pessoal, coletiva e de interesse geral, além de atos e registros administrativos do próprio governo.

RESPOSTA DA CÂMARA DOS VEREADORES

Zeca Pirão, Presidente da Câmara do Vereadores de Belém. Foto: Reprodução.

Entramos em contato com presidente da Câmara dos Vereadores de Belém, Zeca Pirão (MDB). Ele afirma que o painel da câmara não está funcionando direito e que por isso à Casa lançou mão da lista escrita. Já foi solicitado um novo painel, mas para que o processo seja concluído, será necessário uma licitação. Pirão disse também que em função da COVID 19, muitas sessões foram online no ano passado, além disso o falecimento de funcionários antigos da casa trouxe prejuízos para a administração interna. O presidente disse ainda que a Casa honrou todos os projetos da prefeitura e que no ano passado esses projetos foram aprovados em caráter de urgência e que além disso os gabinetes estão sempre de portas abertas para receber a população.

RESPOSTA DO VEREADOR BIECO

Bieco, vereador de Belém. Foto: Reprodução.

Entramos em contato com o vereador Bieco (PL), ele afirma que no dia 22 de novembro estava se preparando para uma viagem a São Paulo para tratar de assuntos relacionados ao “Natal Solidário” que ele realiza todos os anos e, por isso, estava como “licenciado” na sessão. Entretanto, o vereador alega que, por um pedido do Legislativo, pelo fato dele ser vice presidente, ele voltou à Casa para presidir a sessão que tratava de temas importantes. Bieco afirmou ainda que é raro faltar às sessões e que tem muito compromisso com o seu trabalho enquanto vereador. Sobre o sistema de registro de frequência, o vereador afirmou que acredita que o presidente, Zeca Pirão, sempre vai estar atento a isso para sempre melhorar o sistema.

RESPOSTA DO GOLEIRO VINÍCIUS

Goleiro Vinícius, vereador de Belém. Foto: Reprodução.

Entramos em contato com a assessoria do vereador Goleiro Vinícius, mas até a publicação desta matéria não tivemos retorno.