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Ingo Müller | O ócio revolucionário

Depois de dois anos eu resolvi tirar férias. E por férias entendam não apenas ficar sem bater ponto no período que a legislação trabalhista (ainda) nos permite, mas adotar por 30 dias uma postura notadamente improdutiva. Só quero dormir, viajar, curtir meus games e a minha filha.

Nos últimos meses eu tive uma produção bem intensa: além do meu emprego diurno, escrevi colunas semanais para o BT+ (não raro publicando mais de uma por semana), abracei diversos projetos pessoais e ontem mesmo terminei um livro pro mercado internacional, que irei lançar em breve nas plataformas digitais. Mas agora chega: vou me dedicar a não fazer nada pelos próximos dias, porque até o meu lazer estava sendo regido por escala – tipo “se eu ler X páginas hoje consigo terminar este livro até sexta-feira para assistir ao novo episódio da série no fim de semana”.

É um absurdo que a gente se acostume a esta realidade de tratar tudo da vida como demanda urgente, mas o capitalismo foi extremamente eficiente em naturalizar a exaustão física e mental na mesma medida que culpabiliza a nossa felicidade. Tudo que não é ligado ao trabalho, qualificação e geração de renda parece ser um desperdício de tempo quando, na verdade, é a gente simplesmente tirando tempo para nós mesmos.

Em uma sociedade que tem na exploração de mão de obra um meio de geração da riqueza e o acúmulo de capital se transforma em uma métrica aceitável de sucesso, parar de produzir é um ato revolucionário. O descanso, mais que necessário, é libertador.

Essa reflexão me faz lembrar uma anedota sobre como se deu a colonização do Brasil pelos seus invasores. Quando os portugueses chegaram encontraram um indígena sábio deitado em uma rede, se embalando, de papo pro ar. Sem entender nada, os homens perguntaram por que ele não estava trabalhando, e o indígena explicou que já tinha comida e água suficientes para o dia. “Mas ainda é cedo! Você pode trabalhar mais, até o anoitecer, fazer mais coisas!”, questionaram.

“Pra quê?”, perguntou o indígena. “Pra ter mais comida e mais água para o futuro!”, responderam. “Pra quê?”, inquiriu o homem na rede. “Pra então poder se aposentar!”, disseram. “O que é se aposentar?”, quis saber o indígena. “É poder ficar sem fazer nada quando você for velho!”, explicaram. “Bem, eu já estou sem fazer nada agora…”, concluiu o sábio, que rolou na rede e começou a roncar.

Então é isso, meus amigos. Mesmo que Paulo Guedes queira vocês fora dos aeroportos, impedidos de fazer churrasco e sem razões celebrar a vida lembrem-se que vocês não são definidos pelo que fazem no horário comercial. Pelo contrário, a essência do humano é o que ele faz pra si próprio – não o que ele faz pro patrão. Essa deveria ser a nossa verdadeira geração de riqueza. Agora com a sua licença, vou ali tirar um cochilo milionário.

Nos vemos em junho!