O Brasil vive o pior momento da crise sanitária que assola o mundo e não é diferente com o sistema de transporte urbano. Antes da pandemia, o setor já perdia cerca de 3 milhões de passageiros por dia (2017) segundo a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU). Entre 2015 e 2016 havia caído quase 5%, e em 24 anos (1994-2017), o número de passageiros é 46% menor.
Na pandemia, a crise se agravou. Com menos movimentação por conta do risco de contaminação em ambientes confinados, as empresas entraram em colapso, demitiram mais de 60 mil rodoviários no País todo e a crise não parece ter fim. No início da pandemia, a quantidade de passageiros foi cerca de 80% menor, agora estabilizou-se em 40% menos que no ano de 2019. Atualmente, com o risco sanitário, as prefeituras incluindo a de Belém, veem-se entre a cruz e a espada. Ao longo do texto explicaremos. Mas quais as razões da falência do transporte público?
Com modelo tarifário defasado no Brasil, as empresas praticamente transferem todo o custeio pro usuário. Ué, mas isso não seria o óbvio? Vamos começar pelos casos de sucesso: Os países que são referência onde o transporte público é digno, barato, eficiente e bastante utilizado, são subsidiados pesadamente pelo estado. Os 5 melhores metrôs do mundo são de empresas estatais (Paris, Moscou, Copenhagen Londres e Nova York). Em outros locais, o sistema de transporte público é misto, mas sempre subsidiado pelos governos nacionais. No Brasil, há apenas algumas exceções como por exemplo São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, onde uma pequena parte do custeio é feito pelos governos estaduais, sendo o da capital paulista o maior custeio estatal (20%) em território nacional, principalmente pelo uso de transporte por trilhos, cujo custo é maior. Há apenas 5 anos o transporte público é um direito social no Brasil, no mundo ocidental, isso é coisa do século passado. Em alguns países o subsídio ultrapassa 70% do custo total da passagem.
Outro ponto crucial é que a gestão dos sistemas ficou extremamente defasada, com uma frota de manutenção precária, gestão de pessoas atrasada e pouco investimento em equipamentos melhores, como por exemplo, implementação de ar-condicionado e carros mais confortáveis para atrair passageiros pro sistema, e que de quebra, melhoraria as condições de trabalho dos rodoviários que circulam em temperaturas que beiram à de uma chaminé vulcânica, principalmente em Belém, além de fazer milhares de trocas de marchas em um dia de trabalho – Já deveriam estar há muito tempo trabalhando em carros de mudança automática. As condições de rodagem desses carros, com buracos e imperfeições no piso, também contribui para uma rápida depreciação desses ativos.
Os transportes também tiveram aumentos maiores que os custos dos insumos dos outros modais de transporte, como carros e motocicletas. Estes dados do gráfico abaixo vão até 2018. Desde 2016, a Petrobrás mudou a política de reajuste baseando-se no câmbio e no preço do Barril, e o resultado é que, só nos primeiros dois meses e meio de 2021, o Diesel – combustível utilizado na frota do transporte público do País, aumentou cerca de 40%. Outro ponto foram os incentivos grandes para o setor automotivo, enquanto os sistemas públicos não tiveram a atenção devida.
Há também as questões de ordem política e econômica, onde empresas e conglomerados subornam agentes públicos (que também se deixam subornar) para subverter normas, penalidades e expandir seus negócios em troca de financiamento de campanhas eleitorais, entre outras vantagens. Vide o caso do Rei dos ônibus no Rio, que possui linhas e rotas espalhadas no Brasil inteiro.
Em meio ao já instalado caos, a Covid-19 aterrizou no mundo. As receitas das empresas despencaram. E é aí que o pior dos problemas começa: o modelo econômico do sistema de transportes. Com as receitas em queda, a primeira medida é demitir rodoviários e suspender a rodagem de parte da frota. Porque? Porque o sistema é desenhado pra gerar lucro. Se um carro roda vazio, medida imperativa para evitar a contaminação do coronavírus, ele não gera retorno financeiro pro empresário que explora o sistema rodoviário das cidades. A situação ainda se agrava porque como o sistema é explorado por uma dúzia de empresas cujos interesses se concentram nos sindicatos patronais, o poder de barganha fica ainda maior.
Um dos cenários que poderiam salvar o transporte público em Belém, seria o avanço das licitações. Tal advento poderia atrair empresas com maior expertise para gerir seus ativos na capital e região metropolitana, garantindo carros novos, conforto e um sistema totalmente informatizado de gerenciamento da frota e de todo o sistema. Entretanto, com o sistema nacional inteiro colapsado, é praticamente inútil fazer licitações agora. O NTU afirma que o setor amarga prejuízos na ordem de R$ 11,7 bilhões, e hoje mesmo prevaleceu o veto do Presidente da República na (PL) 3364/20 que visava ajudar sistemas de transporte público na ordem de R$ 4 bilhões de reais, só em cidades com mais de 200 mil habitantes. Não houve um movimento sequer do Governo Federal para avançar sobre a importantíssima pauta dos transportes urbanos, e agora a tendência é piorar.
Ainda voltando na questão da licitação, qual empresa de transportes em um cenário com perda de renda do segmento da população que mais utiliza os transportes públicos e crise do setor de transportes, poderia ingressar em um movimento de expansão de negócios em um momento de incertezas políticas, sanitárias e econômicas, e sem nenhum apoio do ente maior da federação que é o Governo Federal?
Com poucas e quase falidas empresas ainda atuando nas cidades brasileiras, sem apoio, a tendência é o transporte público fique cada vez mais precário. Sem uma mudança no modelo de financiamento e custeio, os transportes tendem a precarizar ainda mais. Com o Governo atual, não há perspectivas de melhores dias, infelizmente. E seguimos aglomerando por necessidade e sem alternativas nos coletivos do Brasil.
Fontes consultadas:
– Website NTU
– FINANCIAMENTO EXTRATARIFÁRIO DA OPERAÇÃO DOS SERVIÇOS DE TRANSPORTE PÚBLICO URBANO NO BRASIL, 2019, Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho (Doutorando em Economia – UnB)
e Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).