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‘Guarda Municipal não tem poder de polícia’, diz advogado sobre caso envolvendo artistas de rap

Na última semana, artistas de rap denunciaram terem sido agredidos e recebido um tratamento desproporcional em uma abordagem realizada por Guardas Municipais de Belém, na Praça Santuário de Nazaré. O caso repercutiu nas redes sociais e levantou algumas dúvidas sobre excessos e o uso de drogas em espaço público. O BT+ conversou com o advogado Marcelo de Oliveira, cadastrado na Ordem dos Advogados do Brasil, secção Pará.

A ABORDAGEM DOS GUARDAS

Marcelo é especialista em Ciências Criminais, direito processual penal e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/PA. Para ele, o rapaz não deveria ter sido detido, nem passado por todo o constrangimento que foi submetido na ocasião. “Não existe mais a figura do desacato, desacato não é mais crime. Além disso, um novo entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) é que Guarda Municipal não tem poder de polícia. Guarda Municipal só tem a atribuição de defender o patrimônio público, eles não podem agir como polícia, e eles agiram, então isso está errado”, explicou o advogado ao BT.

O fato do jovem ter se exaltado durante a abordagem dos guardas não significa que houve um desacato comprovado. Desacato é uma postura de desrespeito e menosprezo que nega a autoridade de uma pessoa. Em relação ao fato, a falha dos guardas, caso comprovada por investigação insturada, gera punição. No momento, os servidores envolvidos estão afastados. A prisão de cidadãos por crimes de desacato, de desobediência ou de resistência exige que a polícia comprove a prática de condutas previstas pelo Código Penal, delimitado no artigo art. 9º da Lei de abuso de autoridade, que pode levar a detenção, de um a quatro anos e multa.

Em 2022, a sexta turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reforçou o entendimento do Supremo Tribunal Federal, de que a guarda municipal, por não estar entre os órgãos de segurança pública previstos pela Constituição Federal, não pode exercer atribuições das polícias civil e militar. Para o colegiado, a sua atuação deve se limitar à proteção de bens, serviços e instalações do município, exatamente como prevê a Constituição Federal de 1998. Somente em situações absolutamente excepcionais a guarda pode realizar a abordagem de pessoas e a busca pessoal, quando a ação se mostrar diretamente relacionada à finalidade da corporação.

A Constituição Federal de 1988 prevê que a atuação da Guarda Municipal, excluído do rol de órgãos da Segurança Pública, no artigo 144, observa que Guardas municipais respondem apenas, administrativamente, aos prefeitos e às suas corregedorias internas.

CONSUMO DE DROGAS

Segundo a nota de posicionamento da Guarda Municipal de Belém enviada ao BT+, a abordagem dos guardas foi feita depois de “uma denúncia de um cidadão que relatou a existência de um grupo de pessoas consumindo drogas no interior do espaço público, e que, ao verificar a situação agiram estritamente no cumprimento de suas atribuições”.

Advogado Marcelo Rodrigo Coriolano de Oliveira, Especialista em Ciências Criminais e Direito Processual Penal, Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/PA. Imagem: Arquivo Pessoal.

De acordo com Oliveira, não se leva mais em consideração a quantidade de drogas que se é apreendida em abordagens policiais. “A diferença é tratada no artigo 28° e o 33° da Lei 11.343 de 2006, que versa sobre o usuário e o traficante de drogas. A lei estabelece critério para definir se aquela pessoa que está portando aquela droga, se é para o uso pessoal, aí ele é usuário, artigo 28°. Ou se ele está com aquela droga para comércio, que se enquadra no artigo 33°, que é traficância. A quantidade não importa mais para a legislação atual”, contou.

Segundo o advogado, a lei de 2006 determina e analisa o contexto da apreensão, independente da quantidade que se for apreendida. “A quantidade por si só não define se aquela droga é para uso pessoal ou traficância. A quantidade é levada em consideração, mas as características da apreensão pesam mais. Onde foi, se a pessoa estava com dinheiro na mão, dinheiro trocado. Os instrumentos achados, se estava com apetrechos de uso, como dixavador, seda, isqueiro. Ou tinha apetrechos de traficância, como balança, empacotadores, enfim. Então é todo o contexto geral que vai dizer se a pessoa estava com a droga para uso pessoal ou se era para comércio ou distribuição, sendo ou não autuada em flagrante pelo crime. Ou se vai ser direcionada para a delegacia somente para assinar o Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), no caso de uso. Já o tráfico, a pena é totalmente diferente, que pode chegar, a depender do caso, de 5 a 15 anos de prisão mais multa”, explicou.

No episódio da Praça Santuário, o rapaz vítima da abordagem foi encaminhado para a Seccional de São Brás, onde o caso foi registrado como desacato e o jovem assinou um TCO e foi liberado.

Dessa forma, uso pessoal e tráfico possuem características de análise e punição bem distintas de fato, e são previstas sob nuances divergentes. “Desde 2006, podemos dizer com propriedade que o usuário de droga não é preso no Brasil. O artigo 28 nem se quer cabe prisão. Na verdade, quando uma pessoa é flagrada portando droga para uso pessoal, como no caso do rapaz aqui na Praça, ela tem que ser sim direcionada para a delegacia, onde é lavrado um procedimento específico para esse tipo de crime, que é o TCO. A pessoa só assina esse termo e volta para a casa na mesma hora. Esse TCO vai ser distribuído para um juizado especial criminal, que é juízo competente para processar e julgar esse tipo de pleito, que é um crime de menor potencial ofensivo. Um processo criminal apura esse crime, mas na sentença final, o juíz nunca vai decretar a pena de prisão para aquela pessoa, que é prevista no artigo 28, que é advertência, prestação de serviço à comunidade ou medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Veja que não há a possibilidade do usuário de drogas ser preso, mas ele precisa ser levado à delegacia”, detalhou Marcelo.

Específicamente no caso do artista de rap vítima da abordagem dos guardas municipais, Segundo o advogado criminalista, os agentes praticaram abuso de poder, quando não poderiam pois juridicamente, existe o entendimento do STF de que guarda municipal não pode agir como polícia. “O problema foi todo o constragimento que o rapaz teve e tudo o que ele passou na ida, porque eu vi e estava lá na hora que aconteceu”, ponderou.

O BT entrou em contato com a Polícia Civil sobre o caso, que disse em nota, que a pessoa teve o caso registrado como desacato e que a PC segue com diligências para coletar mais informações sobre o caso.

O BT também entrou em contato com a Guarda Municipal de Belém, que voltou a dizer que recebeu a denúncia de que o jovem estava vendendo, e que ao realizar a abordagem, descobiram o consumo, mas até o momento, a guarda não deu mais informações sobre o caso.

O BT também entrou em contato com o Sindicato dos Guardas Municipais de Belém (SIGBEM). “Thiago Gomes e Marcos Antônio são maiores de idade e ambos confessaram diante de autoridade policial, a posse de maconha e a prática de ofensas verbais contra a guarnição, o que configurou desacato. Os dois foram autados pela autoridade policial por desacato, disse ao BT Carlos Henrique, diretor jurídico da Sigbem.

O BT entrou em contato com Thiago Gomes, que foi detido pelos guardas, mas no momento ele disse que vai seguir as orientações do seu advogado e preferiu não falar sobre o caso.