Desta vez Ciro Gomes (PDT) vomitou sem disfarçar as evidências, uma parte sua que nós já conhecíamos, mas fizemos questão de ignorar todo esse tempo: a misoginia narcisista que habita o homem branco que não suporta ser contrariado.
Os ataques à Dilma não deveriam nos causar surpresa. Já estava tudo bem debaixo do nosso nariz e você vai concordar comigo. Mas antes de reconhecer os fatos, vamos aos golpes mais recentes.
Em entrevista ao Estadão Podcast, na última quarta-feira (13), o ex-ministro do governo do PT disse que “Lula teria conspirado em favor do impeachment de Dilma”. Logo, a ex-presidenta não concordou com essa tese e reagiu no Twitter. “Ciro Gomes está tentando de todas as formas reagir à sua baixa aprovação popular. Mais uma vez mente de maneira descarada, mergulhando no fundo do poço”, afirmou Dilma.
Aí veio a tréplica que escancara o sexismo na sua reação desproporcional . “Na vida nunca menti. Mas errei algumas vezes. Uma delas quando lutei contra o impeachment de uma das pessoas mais incompetentes, inapetentes e presunçosas que já passaram pela presidência”.
Hoje ele tornou a chamar a Dilma de incompetente em um vídeo postado no instagram.
Pois bem. A narrativa da “presunção” de Dilma nós já conhecemos e tivemos muito mais facilidade de aceitá-la como fato, do que a misoginia de Ciro, neste caso muito mais evidente. Seria ela uma mulher insuportável, um título atribuído, não por acaso, à quase toda mulher que ocupa um cargo de liderança.
Dilma falou sobre isso em 2016 durante sessão de julgamento de seu impeachment no Senado. “Fui descrita como uma mulher dura, e sempre disse que era uma mulher dura no meio de homens meiguíssimos. Eu nunca vi ninguém acusar um homem de ser duro, e a gente sabe que eles são”.
Sim. Inclusive exemplo mesmo de meiguice seria o próprio Ciro, não é mesmo?
Uma mulher liderando muito provavelmente será chamada de presunçosa, arrogante, histérica, louca. Já o homem liderando, é natural que ele seja duro, e isso jamais fará dele um político odiado, vide Ciro com sua voz de veludo bradando quando contrariado.
Mas vamos além da dureza. Na época, a ex-presidenta precisou lidar com questionamentos sobre o seu estado de saúde mental, como acusações de que ela estaria tomando remédio e precisava ser “interditada”. No fim das contas, a loucura é o destino de toda mulher que ascende ao topo, já que essa narrativa sempre cola na hora de derrubar o tapete.
Atacar a sanidade mental da mulher é praxe, mas a capacidade intelectual também. A sociedade brasileira tem no modelo de “mulher ideal” aquela figura que não ultrapassa os limites do ambiente doméstico. Sendo assim, quando a mulher ousa não se conformar com esse papel de subserviência, ela é desqualificada em suas funções intelectuais. E é isso que Ciro Gomes faz frequentemente, e nós sabemos disso, todavia, fizemos vistas grossas.
Ciro está hoje colado com Marina Silva, como sua única alternativa restante no ensejo de construir uma “terceira via progressista”. Mas longe da atuação com o propósito único da eleição de 2022, a verdade é que ele nunca dispensou estratégias de esvaziamento da capacidade intelectual de Marina quando ela era sua adversária. E esse é o primeiro tópico das oito vezes que Ciro foi machista e a gente ignorou:
- Em entrevista para o “É Notícia”, com Kennedy Alencar, em 2013, Ciro faz uma fala sobre Marina, que naquela época era sua adversária política, esvaziando a capacidade intelectual da ambientalista, chamando-a de “oca” e “vazia”. O ativismo ambiental é inclusive batizado com outro nome, parafraseando o filósofo Lobão (sim, o cantor), com o título de clorofilocracia.
- Continuou chamando Marina de rasa quando lhe foi conveniente, só que desta vez de uma maneira bem velada, mas não menos sexista. A forma mais polida que os homens têm de nos chamar de burras, sendo passivo-agressivos, é destituindo-nos de nossas habilidades e competências técnicas que tão duramente lutamos pra conquistar.
Ele, o homem salvador e benevolente que “conduz” a ingênua Marina Silva pela mão, citou nesta entrevista o seu desdém pela preocupação da colega ministra na época, que versava sobre a importância do estudo da ictiofauna no projeto de transposição do Rio São Francisco.
O que ele chama de “suruba de peixes” com escárnio e deboche, é uma das partes mais importantes de uma obra com impactos ambientais. Segundo o pesquisador da UFPA Luciano Montage, professor e especialista em ecologia de peixes, este tipo de estudo é essencial para a sobrevivência de diversas espécies e conservação da biodiversidade. Do mesmo modo que também é indispensável para a economia, a sobrevivência de espécies da região que abastecem o mercado pesqueiro local.
- Agora Ciro Gomes diz que ninguém deixa Marina falar, mas por que será que ele leva tão a sério hoje as pautas clorofilocráticas? Seria o clorofilocrático de Taubaté visando aliança para 2022?
- Ciro sempre soube como desrespeitar a fala de uma mulher. Em 2019, no 1o Congresso Nacional dos Policiais Antifascismo, dividindo a mesa com a deputada federal Maria do Rosário (PT), ele perde a calma querendo dizer que não está sendo desrespeitoso, mesmo que essa não seja uma coisa que ele tem que decidir, e sim a própria mulher precisa dizer se se sentiu desrespeitada.
- Mas Ciro não aceita muito ser questionado, ele se aborrece como todo bom machista. Nessa entrevista para o Metrópole, por exemplo, a primeira estratégia que ele lança mão, é desqualificar a fala da mulher, até que ela apresente provas daquilo que fala.
Essa estratégia sim, toda mulher que precisou dar print nas conversas do marido pra provar uma traição, já conhece.
Mas razoável mesmo num país onde 294.440 mulheres tiveram medidas protetivas excedidas em 2020, seria Ciro reforçar que sua fala machista, misógina, sexista, independente do ano que foi dita, precisa ser combatida. Mas fazer isso de forma humilde é muito difícil pra um homem que sempre ocupou lugares de poder.
- Na época da piada, corrida presidencial de 2002, ele não aturava mais ser questionado sobre o papel da atriz Patrícia Pillar (então esposa de Ciro) na sua campanha. Claro que isso fere o narcísico lugar de poder masculino. Então, questionado novamente sobre isso recentemente, ele dá sua aula sobre como não ser machista. E logo em seguida, não perde a oportunidade de mostrar como é ser machista cortando a jornalista.
“Mas também não humilhe” no dicionário do homem clássico significa “não me questione”.
- Aliás, cortar a fala de uma jornalista é algo que Ciro não se intimida em fazer. E assim foi feito na campanha de 2018, em sabatina no painel promovido pelo Estadão. Na ocasião, vejam só, ele inclusive defendia a inocência de Lula. E Eliane Cantanhêde ao fazer perguntas naturais de uma sabatina, foi atropelada pelo caminhão sem freio.
- Pra finalizar, o ex-ministro de integração diz “quando não era modinha ser feminista, eu já era”. O “Homem Feministo”, aquele que fez pela mulher, mais do que elas e o movimento feminista fez a história inteira.
Aquele que tem mãe, irmã e avó, por isso não pode ser machista. Ciro foi sexista diversas vezes e continua sendo toda vez que ameaça “meter bala” como fez com Moro, validando sua superioridade através da violência, a típica performance do masculino clássico.
Ciro foi sim misógino com Dilma, mas isso não é uma novidade. Ciro sempre foi cabra macho vociferando quando contrariado. Dilma por muito menos é “presunçosa e incompetente”. Prevalece sempre a covardia do homem que ataca quando se sente ameaçado.
Nada novo sob o Sol do mundo falocêntrico. Precisamos estar atentas!