/////

Que Ayahuasca é essa Porchat? Comediante narra sua experiência com medicina sagrada da Amazônia e chama de “alucinógeno” 

O programa do Porchat, na GNT, é sem nenhuma dúvida um dos melhores formatos atuais da TV brasileira. Cumpre seu papel de conteúdo de entretenimento multiplataforma que viraliza quando diverte a audiência com trechos cômicos de artistas contando suas história inusitadas. Ocorre que, em um de seus recentes programas, o apresentador, Fábio Porchat, relatou sua “onda muito louca” com uma medicina sagrada, e então me veio inevitavelmente a pergunta, “Que Ayahuasca é essa, Porchat?”  

Fábio Porchat. Foto: Reprodução.

No Brasil, o Conad retirou a ayahuasca da lista de drogas alucinógenas em meados dos anos 2000. Seu uso ritual-religioso foi regulamentado no Brasil em 2010. Então, tá tudo bem que Porchat faça boas piadas. Mas nessa piada há uma questão perigosa que envolve os riscos do uso indiscriminado das medicinas da floresta, sobretudo a Ayahuasca.

Foto: Reprodução.

A forma como o comediante narra a sua experiência com o chá, que é feito da combinação de dois vegetais, reforça a ideia equivocada de que a bebida é um alucinógeno e aprofunda nos incautos (ou na galera “da onda”) o desejo materialista de viver uma experiência “muito louca” subvertendo um vegetal sagrado.

Essa busca pelo uso recreativo da Ayahuasca cresceu de tal modo no sul e sudeste, longe do centro dessa medicina, que é aqui na Amazônia, que jovens buscam a experiência da diversão através do consumo da bebida, reunindo-se em seus apartamentos, sem nenhuma instrução ritualística e nenhum respeito ao sagrado, o que além de muito perigoso, seguramente resulta em experiências que muito mais parecem a “liga muito louca” sobre a qual Porchat se refere, do que com o contato sagrado e divino,  que emana da força da floresta. 

A narração de Porchat vai ao encontro da concepção eurocêntrica de Amazônia (negócio, mercado) e ilustra bem o que ocorreu com o tabaco. Eis o Tabaco, uma outra medicina ancestral, espírito dos nossos abuelos.  Transformado em mercadoria pelo colonizador, que quando chegou na América do Sul, viu o indígena  consumindo seu cachimbo em rituais, e achou o mesmo que Porchat, “ah, isso dá liga”.  Tal era a ignorância do colonizador em compreender a natureza entremundos das medicinas da floresta, que a postura forte e atenta de um xamã sob efeito do tabaco, deu a ele (o colonizador) a brilhante a ideia de transformar aquele “troço” em produto, criando a mortífera indústria do cigarro.

Foto: Reprodução.

O homem filho do teocentrismo viriarcal, desconhece que as religiões pagãs, baseiam-se na observação da inteligência da natureza, por isso cuidam tão bem do meio ambiente. A natureza de tudo dá, a natureza tudo cura, inclusive as dores da alma. Tabaco, marijuana, psilocibina, ayahuasca, todas são medicinas, mas o homem industrializado, apartado dos seus saberes ancestrais (o que significa apartado de si mesmo), não compreende o conhecimento sagrado que habita tais medicinas e transforma tudo em mercadoria para recreação. 

Foto: Reprodução.

Ayahuasca não é alucinógeno, como diz erroneamente nosso querido Porchat. Ayahuasca é um enteógeno, e os enteógenos permeiam historicamente a vida de uma infinidade de povos. Cada comunidade significou o uso de enteógenos de acordo com o seu contexto sócio-cultural. Enteógenos são substâncias que alteram o estado de consciência, mas não centradas num movimento externo. A alteração de consciência de um enteógeno se baseia num movimento pra dentro, onde, segundo as culturas originárias, habita o verdadeiro caminho para a consciência divina. O divino habita em nós, mas é um divino livre de templos, de dogmas e de senhores com chicote em mãos.

A Amazônia é a mãe, a mulher, o celeiro da cura do mundo. Mas o homem não está preparado pra adentrar o ventre regenerador de uma mulher. O homem, esse homem falo-teocêntrico vive em fuga de si mesmo, focado no mundo exterior das distrações, tomando rivotril no café da manhã, e zolpidem 1h da madrugada.

Foto: Reprodução.

Qual a nossa relação com as medicinas ancestrais que vem  da Terra?  Será que estamos prontos para o uso transformador da Ayahuasca, que nos retira do nosso lugar de conforto e ilusões nos atirando num mergulho dentro da nossa própria lama? Ou muito em breve veremos playboyzada comprando vidrinho de ayahuasca pra tomar em festa?

Rei do Camarote. Foto: Reprodução.

Me parece que Porchat não foi ali buscando expansão de consciência, foi ali pra ter uma experiência e poder contar uma história. Pena que subverteu o uso de uma planta sagrada. A ayahuasca que o Porchat narrou é exatamente a Ayahuasca que o mundo deseja, só “pra entrar numa onda”.  

VEJA O VÍDEO DE PORCHAT:

Vídeo: GNT.