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No 1º Dia dos Povos Indígenas, entenda porque é errado chamar de ‘índio’

Até 2022, o dia 19 de abril marcava o "Dia do Índio", termo considerado genérico e preconceituoso, além de não considerar a diversidade das etnias.

O dia 19 de abril de 2023 marca no Brasil o primeiro “Dia dos Povos Índigenas”, deixando para trás o “Dia do Índio”, como a data era conhecida até o ano passado. A mudança foi oficializada em junho de 2022, pois a palavra “índio” é considerada problemática por ser um termo genérico e não considerar a diversidade dos povos indígenas.

A professora e doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) Márcia Mura, defende que a alteração era necessária para refletir as ideias e lutas das diversas sociedades indígenas.

Márcia Mura, doutora em História Social pela USP e integrante do povo Mura, de Rondônia. — Foto: Arquivo pessoal

“Índio é um termo genérico, que não considera as especificidades que existem entre os povos indígenas, como as especificidades linguísticas, culturais e mesmo a especificidade de tempo de contato com a sociedade não indígena”, argumenta Márcia Mura.

Em entrevista ao G1, a professora diz que o termo índio reproduz a visão do colonizador que remete à ideia eurocêntrica de que os indígenas são atrasados e iguais, desconsiderando as diferenças linguísticas e culturais. Enquanto “indígena” significa “natural do lugar em que vive”. O termo exprime que cada povo, de onde quer que seja, é único.

O escritor indígena, doutor em educação pela Universidade de São Paulo e pós-doutor em Linguística pela Universidade Federal de São Carlos Daniel Munduruku, pertencente ao povo indígena de mesmo nome, que está situado em regiões do Pará, Amazonas e Mato Grosso também acredita que a palavra “índio” “esconde toda a diversidade dos povos indígenas”.

Daniel Munduruku, escritor indígena, doutor em educação pela USP e pós-doutor em Linguística pela UFSC — Foto: Divulgação

“A palavra ‘indígena’ diz muito mais a nosso respeito do que a palavra ‘índio’. Indígena quer dizer originário, aquele que está ali antes dos outros”, explicou o autor em entrevista à BBC News Brasil.

A mestra em Linguística Aplicada pela PUC-SP Maria Vitória Berlink defende que o movimento de adoção ao termo “indígena” é significante porque representa a exposição das individualidades dos povos.

“Os colonizadores portugueses e espanhóis, principalmente, usavam a palavra ‘índio’ para qualquer povo originário que encontravam pelo território. É um termo raso, que não considera qualquer traço individual destes povos. O que estes mesmos povos tentam fazer agora é tomar para si o direito de se definirem e de mostrar que são mais do que o termo exprime”, explica.

Para além da nomenclatura, Márcia Mura ressalta a necessidade de respeitar a identidade cultural individual de cada povo e tratar as etnias pelo nome.

“Quando dizemos que não somos índios, queremos dizer que somos Mura, Uruéu-Au-Au, Guarasugwe, todos habitantes do território Pindorama, que é como os Tupinambá chamam o que os colonizadores deram o nome de Brasil, mas diferentes”.

“É preciso lembrar que muitos povos sofreram tentativa de apagamento desde a chegada dos colonizadores. Tentaram apagar nossas línguas, nossas culturas e nossas memórias, e deixaram para nós este termo cheio de estereótipos”, lamenta.

Márcia Mura defende o uso do termo “indígenas”, e argumenta que o termo abrange a exposição das individualidades dos povos — Foto: Reprodução

Márcia Mura defende também que a data é um dia de reivindicação e não de comemoração.

“Não temos o que comemorar, porque ainda precisamos reivindicar e pautar nossas lutas. Lutamos todos os dias pelo nosso território, pela nossa cultura e pelo direito de viver como vivemos, quando existe uma sociedade que está nos matando pouco a pouco”.

“Estamos perdendo nossas terras para estradas, hidrelétricas, termelétricas, pastos e para a mineração ilegal. Não podemos comemorar enquanto tentamos sobreviver”, diz a professora.

Ela defende também que a floresta não é o único lugar de onde os indígenas resistem.

“Estamos em diferentes contextos. No interior da floresta, nas margens dos rios e dos lagos, mas também na cidade, em contexto urbano, além do território demarcado oficialmente como território indígena”.

Márcia Mura enfatiza o direito de demarcação dos territórios dos povos indígenas. Lembra também que todo território nacional é indígena e que o cuidado com a terra é de responsabilidade de todos.

Os povos cuidam da floresta e dos rios, mas os não indígenas também precisam cuidar. Eles também vão ser afetados se faltar chuva, se os biomas forem destruídos. Todos os biomas são importantes e são ligados aos outros. Tudo está interligado e nós estamos ligados a este ambiente.

Com informações G1*