O artista paraense Thiago Gomes, conhecido como TH-G (@thgzin), lançou recentemente a música e o videoclipe “Eu não sou bandido“, em parceria com o também rapper paraense Mytcho (@the_mytcho). A música, que está disponível nas plataformas digitais, foi inspirada pelo caso de truculência policial que TH-G sofreu em janeiro deste ano em Belém.
O clipe, que também aborda a mesma situação, retrata entre outras coisas, o momento da abordagem violenta contra o artista no meio de uma praça de Belém. O POPLIST conversou com Th-G sobre o lançamento e sobre o caso de truculência policial. Confira agora.
Na primeira semana de maio, o artista lançou a faixa “Eu Não Sou Bandido”, com a participação de Mytcho, como forma de expressar sua indignação contra a violência injustificada.
A faixa está disponível no Spotify e é uma denúncia e um relato do ocorrido com o rapper, desde o momento da abordagem até as ameaças e perseguições que ele e seu amigo enfrentaram após o incidente. Composta por TH-G e Mytcho, a produção musical ficou a cargo de Erickdi, e a direção do videoclipe foi realizada por Nunesphoto, com direção de fotografia de Neomax Produção.
Ouça:
A abordagem policial ocorreu quando TH-G e seu amigo estavam fazendo freestyle na praça Basílica Santuário de Nossa Senhora de Nazaré, na capital paraense. Durante a abordagem, o rapper foi jogado ao chão e teve um joelho pressionando seu pescoço, enquanto seu amigo tentava intervir e acabou sendo detido com o uso de spray de pimenta.
O momento de dor, desespero, raiva, angústia e revolta vivenciado pelo rapper foi o que mais o motivou a criar a música. Desde criança, TH-G já demonstrava talento para a escrita e rimas, o que o levou a participar de várias batalhas de rap na capital paraense.
Em entrevista ao POPLIST, TH-G compartilhou detalhes sobre a criação e sobre o lançamento do videoclipe, revelando que foi um processo conturbado. Eles enfrentaram ameaças e críticas constantes, além do medo de sair de casa após o ocorrido. No entanto, apesar das dificuldades, o rapper se sente gratificado pela grande aceitação do público do rap nacional.
“O processo criativo pra gente conseguir trazer essa obra pra realidade foi algo totalmente conturbado, por que a gente estava lidando com ameaças, com pessoas criticando, e levando muito hate da oposição e de pessoas que tentavam encontrar uma justificativa pra algo que não tinha justificativa.”, disse o artista.
“Mas a gente conseguiu trazer pra realidade da melhor forma, apesar da dificuldades, apesar das pedras no caminho. E é muito gratificante hoje ver que tá tendo uma aceitação muito grande por parte do público” do rap nacional”, afirmou.
O rapper explicou que o videoclipe é um relato dos acontecimentos e não um simples desabafo. Ele quer transmitir sua experiência real, baseada em fatos, desde a abordagem até as consequências posteriores, como ameaças e perseguições:
“Eu relatei tudo que aconteceu comigo desde o início da abordagem, depois da abordagem, no banco de trás da viatura, dentro da delegacia e semanas depois. As ameaças, as perseguições, é um relato de uma vivência real.”, contou.
Ao ser questionado sobre o episódio, TH-G relatou que o que aconteceu com ele e seu amigo é algo comum que ocorre diariamente em várias periferias do Brasil. Ele descreveu a abordagem truculenta da guarda municipal, com agressões físicas, uso de spray de pimenta e tratamento desumano.
“O que aconteceu comigo e com Markinho, acontece todos os dias em diversas periferias, de diversos estados do Brasil, não importa a região. A opressão policial é muito real. O que aconteceu com a gente não foi um caso isolado, a gente foi abordado de forma truculenta pela a guarda municipal, fomos agredidos, algemados, colocaram o joelho no nosso pescoço, espirraram spray de pimenta na gente, me torturaram no banco de trás da viatura, agrediram dentro da própria delegacia, algemaram a gente de novo. O único momento que tiraram a algema da gente foi pra assinar os documentos.”, contou.
“Eu e o Markinhos somos dois artistas, então, não vemos sentido, nunca conseguimos uma justificativa pra isso que a gente passou.”, relatou.
Após o ocorrido, TH-G conta que esperava ser acolhido pela cena do hip-hop, e isso se concretizou. Ele tinha plena confiança de que o movimento cultural abraçaria sua causa: “Desde quando eu era moleque, que eu conheci o rap, o hip-hop, e vi que esse movimento cultural, que é tão grande no mundo inteiro, sempre lutou contra coisas desse tipo. A opressão policial, o sistema, o governo, o descanso com a sociedade, com a periferia, a luta antirracista. Eu tinha total ciência de que o movimento iria me abraçar, de que eu poderia encontrar refúgio!”, relatou.
Quanto aos próximos planos, TH-G pretende trazer ainda mais representatividade para o Pará e a região Norte do Brasil. Está planejando lançar um EP, participar de batalhas de rap em diferentes estados, e assim, contribuir para que mais pessoas conheçam a cultura e a história da região nortista: “Eu quero que o Norte deixe de ser invisível, por que pro restante do país, pra todos esses outros estados e principalmente pro eixo do hip hop que é São Paulo/Rio de Janeiro, poucas pessoas tem noção do que seja o Pará, ou do que seja a região Norte. Trazer um pouco mais da lírica paraense, trazer sim um EP, quem sabe um álbum futuramente, tem música nova encaminhada. A Amazônia, e é isso que eu tô almejando no momento. Então meu plano é esse, trazer representatividade pra gente através de uma causa, através da mensagem”, finalizou.
O VIDEOCLIPE:
O POPLIST conversou também com diretor do clipe, Maycon Nunes (@nunesphoto), que falou sobre o processo de criação audiovisual. Maycon compartilhou detalhes sobre a produção do clipe e como ele se identificou com a mensagem transmitida pela música.
Ao ser questionado sobre como surgiu o processo de criação do clipe e como foi dirigir tudo para trazer a obra ao público, Maycon explicou que THG e Mytcho o procuraram depois do caso de abordagem truculenta da Guarda Municipal. Ele contou que ficou impressionado com a letra da música, que considerou fantástica, forte, contundente e visceral. O diretor destacou a importância de transmitir algo que seja autêntico e que realmente toque as pessoas, e sentiu que os artistas conseguiram fazer isso em sua música. Maycon também mencionou sua afinidade com a cena do Rap e seu desejo de transmitir uma mensagem com valor e significado através do audiovisual: “Eu li a letra da música achei extremamente fantástica, forte, contundente, visceral. Algo que realmente me identifiquei. Os meninos cantaram e relataram algo que tocou muita gente, aquilo repercutiu nacionalmente.”, contou o diretor.
“Eu gosto daquilo que é raiz, sabe? de passar uma ideia. De pegar o audiovisual e casar com a letra e expressão do artista, pra passar algo que tenha uma mensagem, um valor. Então pra mim foi um desafio”, afirmou Maycon que já produziu clipes de outros artistas de rap como Pelé do Manifesto e Bruno B.O.
Maycon , participou da obra fazendo a direção de cena, roteiro, montagem e edição. Sobre a produção de conduziu o clipe ele afirmou: “Foi uma somatória de vários talentos, de pessoas dedicadas em fazer o seu melhor”.
Quanto ao tempo de planejamento e gravação do clipe, Maycon revelou que foram semanas, quase um mês, desde a primeira reunião com THG e Mytcho até a finalização do projeto. Durante esse período, eles se conheceram melhor, apresentaram ideias e referências e desenvolveram o roteiro com base na letra da música e nas experiências vividas pelos artistas.
Ao assistir ao clipe, é perceptível a presença de várias referências de peso e uma riqueza de detalhes, como a televisão exibindo a notícia do caso de George Floyd e a cena de TH-G sentado em frente ao espelho. Quando questionado se isso foi uma forma de externalizar o que vem acontecendo na sociedade, Maycon explicou que eles buscaram trabalhar com uma abordagem crua para expressar a realidade, aproveitando os recursos disponíveis. A citação de George Floyd foi intencionalmente inserida no início do clipe por meio de uma voz sutil em inglês, utilizando uma frase pronunciada pelo próprio George Floyd em uma cena divulgada na internet: “Quando eu li a letra da música dele [TH-G] e eu vi a cena do que aconteceu, vi que foi a mesma coisa com o Georg Floyd, que foi de colocar o joelho no pescoço dele, aquela coisa toda, eu pensei na hora: CARA ISSO AQUI TEM QUE TER UMA REFERÊNCIA DE TUDO QUE A GENTE QUER FALAR. Realmente, muita coisa do que tem ali foi pensado no mínimos detalhes.”, relatou.
“Se você ver o clipe logo no início tem uma voz bem sutil em inglês, quando aparece ali o crédito com o nome do clipe, aquela voz é do próprio George Floyd, eu peguei a cena que foi divulgada na internet com todo mundo, não quis colocar a cena em si porque claro, foi muito forte. Mas eu peguei a frase dele falando com os policiais. Então esse trecho abre o clipe e depois vem a voz da avó do Thiago, da mãe dele.”, explicou.
“Tudo que tá em cena ali foi exatamente pensado. Tanto que quando a gente foi colocar o THG deitado no chão pra relembrar a cena que aconteceu com ele lá no Can, que colocaram o joelho no pescoço dele, que é a mesma cena do George Floyd, a gente usou um equipamento que estabiliza a câmera e fomos aproximando perto do rosto e a virada de câmera foi feita no pós produção na edição pra dá essa sensação de desconforto, de que o mundo virou de cabeça pra baixo.”
Em uma das cenas, em que o THG entra em casa e fica olhando pela fresta da grade, foi inspirada no Malcom X, em uma foto clássica dele, sendo proposital mesmo, então tudo ali foi muito bem amarrado”, explicou.
Maycon destacou a importância da equipe, incluindo o diretor de fotografia NeoMax, seu assistente Victor Ares e Rodrigo Kley, que contribuíram com ideias e talento para o sucesso do clipe. Cada cena e detalhe foram cuidadosamente pensados e amarrados, desde as referências visuais até a interpretação dos artistas. O diretor enfatizou sua preferência por uma abordagem mais natural, que permita.
Nunes também revelou que bebeu de diferentes referências musicais e visuais para criar o clipe. Ele reconhece a presença marcante do cult drill, um estilo musical forte no Rio de Janeiro e que vem ganhando espaço também no rap paraense. O drill se destaca por sua contundência e por abordar temas protestantes e agressivos. Além disso, Maycon menciona a presença de elementos do trap, que entrou no cenário mais recentemente, complementando a essência do clipe.
Quando se trata de suas influências, o diretor não deixa de mencionar os pioneiros do rap brasileiro. Ele busca inspiração nos ancestrais, nos artistas que estavam presentes desde o início desse movimento. Entre suas maiores referências no rap estão Racionais Mc’s, Dexter, Facção Central, Eduardo Tadeu e MV Bill.
Além disso, Maycon revela que tem bebido muito da cena atual do rap e do drill, destacando artistas como Marechal, um MC muito forte do Rio de Janeiro, e Nocivo Shomon de São Paulo. Ele também menciona Rashid e outros artistas que têm uma conexão com as raízes do rap.
Mesmo reconhecendo que o mercado musical pode nos direcionar para outras vertentes, Maycon afirma que suas produções e peças sempre se baseiam em suas referências. Embora esse seja seu primeiro clipe de drill, ele já produziu outros clipes de rap anteriormente. E, se tudo correr bem, ele planeja ir para São Paulo em outubro com o trio Mytcho, Thg e Markinho para lançar um material que promete agitar a cena.
Maycon encerra mencionando uma frase marcante que um grande amigo lhe disse e que ele carrega consigo até hoje: “Você só é tão bom quanto a sua referência”. Isso reflete sua busca constante por se inspirar em grandes nomes e criar trabalhos de qualidade em sintonia com as influências que o moldaram.
O CASO DE TRUCULENCIA DA GUARDA MUNICIPAL:
Em janeiro deste ano, os artistas TH-G e Marcos Foroh, relataram nas redes sociais sobre como foram vítimas de abordagem violenta por parte da Guarda Municipal de Belém (GMB). Eles contam que estavam na praça Santuário, bairro de Nazaré, em Belém, quando agentes se aproximaram dizendo averiguar uma denúncia de consumo de drogas no local. Mesmo negando estar portando qualquer tipo de droga, ambos foram levados até a delegacia. Em vídeos feitos por pessoas que estavam no local, é possível ver a abordagem truculenta da guarda. Th-G relata que ficou com falta de ar no momento em que um dos guardas colocou o joelho em seu pescoço, sufocando o jovem.
O caso foi filmado por pessoas que também estavam na praça no momento e ganhou repercussão nas redes sociais.
Veja:
O caso gerou repercussão nas redes e até um ato contra o ocorrido feito por movimentos sociais e artistas locais.
Veja o videoclipe: