A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) encontrou indícios de ligação entre os atos de 8 de janeiro e o garimpo ilegal. O Congresso em Foco teve acesso a um relatório de 2 de março de 2023 que revela que uma análise de maquinário identificado na prática de garimpo ilegal em área de proteção ambiental no Pará permitiu rastrear redes de empresas e empresários envolvidos não só com atividades ambientais ilegais, mas também com o financiamento de manifestações antidemocráticas em virtude do resultado das eleições presidenciais do ano passado.
De acordo com o documento, os empresários Roberto Katsuda e Enric Lauriano estão diretamente associados ao garimpo ilegal no estado. Também têm vínculos com políticos e com uma rede de apoiadores da prática ilícita e do ex-presidente Jair Bolsonaro na região.
Katsuda é apontado como diretor de uma das principais associações garimpeiras do Tapajós, a Cooperativa Mista de Mineradores do Alto Tapajós, a Cooperalto, localizada no sudoeste paraense, que integra uma comissão a favor do garimpo. A Cooperalto é uma das principais associações de garimpeiros do eixo Itaituba-Jacareacanga no estado.
A associação, segundo o relatório, esteve com várias autoridades políticas para impulsionar o Projeto de Lei 191/2020, que cria condições para liberar o garimpo em terras indígenas.
“Roberto Katsuda também seria responsável pelo financiamento de cooperativas garimpeiras na região. Segundo ele, seria a Hyundai quem financiaria os maquinários agrícolas em ltaituba. Em 2018, o montante financiado foi em torno de R$ 220 milhões”, afirma a relatora da CPMI dos Atos Golpistas, Eliziane Gama (PSD-MA), em seu requerimento ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que demanda um Relatório de Inteligência Financeira (RIF) da Cooperativa Mista de mineradores do Alto Tapajós, ligada ao empresário.
Já Enric Lauriano é acusado de financiar manifestações no Pará e na capital federal para contestar o resultado das eleições de 2022 e de estar presente nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.
Enric Lauriano é filho de Onício Lauriano, pecuarista com fazendas em pelo ao menos três municípios do Sul do Pará, investigado por desmatamento ilegal em áreas de proteção ambiental. O documento classifica Enric como um dos principais articuladores do PL 191/20, que libera a exploração de mineração em terra indígena, e consultor da Associação Nacional do Ouro (Anoro), responsável por fazer lobby a favor do garimpo em Brasília.
“[Enric] Como membro do acampamento em frente ao quartel-general em Brasília e também atuou ativamente na divulgação da rede de financiamento do movimento extremista a partir de Marabá/PA, na qual foi utilizada uma empresa interposta para arrecadação de fundos: R. P. Cunha Informática, de propriedade de Ricardo Pereira Cunha, esse também proprietário de empresa de mineração Mineração Carajás Limitada”, diz a relatora Eliziane Gama em requerimento ao Coaf, que também pede um Relatório de Inteligência Financeira (RIF) sobre Enric.
João Marcos Amaral, diretor executivo da ANORO, afirmou que a Associação não conhece Enric Lauriano, que ele nunca prestou nenhum serviço e que jamais teve qualquer relacionamento com a instituição. Amaral reforçou que a “Anoro não representa nenhuma empresa de garimpeiros e que a Associação representa apenas empresas que negociam ouro ativo financeiro, DTVMs [Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários], que são instituições financeiras com funcionamento autorizado pelo Banco Central”.
Oito retroescavadeiras
Por meio de oito retroescavadeiras utilizadas em atividades ilegais dentro de terras indígenas Kayapó e Trincheira Bacajá, sudoeste do Pará, a Abin identificou que três delas tinham como última proprietária a empresa BMC Máquinas e Equipamentos Pesados, Engenharia e Locações Limitada (CNPJ 14.168.536/0001-25). Outras quatro retroescavadeiras chegaram a pertencer à mesma empresa, mas foram revendidas.
“Atualmente, a BMC conta com 22 filiais no Brasil, três delas em municípios paraenses com prática disseminada de ilícitos ambientais: Itaituba, Vitória do Xingu e Marabá”, relata o documento.
A filial da BMC em Itaituba, principal ponto logístico para o garimpo na bacia do rio Tapajós, apresenta o mesmo endereço (rua Antão Ferreira do Vale, 3564, Bela Vista, Pará) da empresa BMG Comércio de Máquinas Eirelli (CNPJ 26.001.755/0007-90), de propriedade de Roberto Carlos Katsuda.
O endereço físico não é ocupado nem pela BMC e nem pela BMG, mas sim pela P. Ribeiro Silva Comércio Eirelli, cujo nome de fantasia é Ideal Peças e Motores (CNPJ 23.379.227/0001-95).
Pró-garimpo, pró-Bolsonaro e pró-golpe
Roberto Katsuda é apontado como financiador da estrutura lobista pró-garimpo do vereador Wescley Silva Aguiar, conhecido como Wescley Tomáz. Ambos compõem uma comissão a favor do garimpo com Fernando Brandão, dono do maior escritório de advocacia de Itaituba, e Guilherme Aggens, engenheiro florestal da Geoconsult.
“Desde 2018, o grupo já realizou diversas reuniões com parlamentares e ministros em Brasília, inclusive com a participação do ex-presidente Jair Bolsonaro, para liberação do garimpo em unidades de conservação e terras indígenas. Por influência dessa comissão foi proposto o projeto de lei 191/2020, que visa regulamentar o garimpo em áreas de proteção ambiental”, acrescenta o relatório.
Já a Ideal Peças e Motores tem como proprietária Patrícia Ribeiro Silva. Junto com Katsuda, Patrícia é diretora da Cooperalto com Vilelu Inácio de Oliveira, classificado como articulador da descriminalização da atividade garimpeira e apoiador de ações que bloqueiam rodovias.
Outro citado no documento da Abin é Ricardo Pereira Cunha, proprietário da RP Cunha Informática (CNPJ 07.104.231/0001-94) e da Mineração Carajás Ltda (CNPJ 09288166/0001-20). Cunha, segundo o documento da Abin, organizou financiamentos e ações golpistas por meio do PIX da primeira empresa em Marabá e em Brasília. Cunha, Enric e Onício integram o grupo Direita Xinguara, reconhecido por fazer campanhas a favor de Bolsonaro na região.
“Essas conexões evidenciam o vínculo entre a prática de ilícitos ambientais e atuação de grupos extremistas contrários à eleição para a presidência da república em 2022. Além de permitir identificar redes de práticas delituosas, abrangendo diversas atividades, atores e verbas oriundas da exploração ilegal de recursos naturais”, finaliza o relatório.
O Congresso em Foco entrou em contato com os nomes e empresas citados. Individualmente, todos os citados foram procurados por telefone ou e-mail por meio das empresas que representam. Entretanto, alguns nomes não foram localizados. O espaço está aberto para todos os mencionados que queiram se manifestar ([email protected]).
Fonte: Congresso em Foco