A mineração a qualquer custo e o risco de se chegar a um ponto de não retorno como consequência da exploração sem controle dos recursos naturais foram questões abordadas no seminário “Mineração no Pará: efeitos socioeconômicos e ambientais e alternativas à maldição dos recursos”, realizado nesta sexta-feira (20), no auditório do Instituto de Ciências Jurídicas (ICJ) da Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém. Promovido pelo Sindicato dos Servidores do Fisco Estadual do Pará (Sindifisco-PA), em parceria com a UFPA, o evento também marcou o lançamento do livro “A Mineração – Dinâmicas Socioeconômicas no Pará e Alternativas para Contrapor à Maldição dos Recursos”, de autoria da professora e pesquisadora Maria Amélia Enríquez, da Universidade Federal do Pará (UFPA), doutora em Desenvolvimento Sustentável, e co autoria do economista e mestrando Lucas Ferraz, também da UFPA.
O evento amplificou as discussões sobre a exploração mineral no Pará. Na palestra de abertura, a professora Maria Amélia Enríquez destacou que falta robustez no debate público e acadêmico sobre a indústria extrativista mineral, lacuna que seu livro pretende preencher. “Um setor que representa um terço do PIB (Produto Interno Bruto) do Pará – hoje, 30% do PIB do Pará vêm da mineração – é muita coisa. São mais de quatro décadas de mineração e qual é o rebatimento na dinâmica socioeconômica?”, indagou.
Segundo Maria Amélia, há exemplos no exterior de boas práticas no setor. “De modo concreto, temos que avançar na agregação de valor. Essas empresas e suas terceirizadas têm um poder de compra muito grande. Esses países e regiões exigem que bens e serviços sejam do local. O Estado tem que criar condições, estímulos, para que empresas se multipliquem. Isso é uma forma de gerar emprego e diversificar a economia, fortalecendo os fornecedores dessas cadeias. É o que os países todos fazem”, informou a professora.
O presidente do Sindifisco, Charles Alcântara, destacou que a mineração está em absoluto descompasso com a realidade socioeconômica do Pará e defendeu uma coalizão de interesses, sob a ótica da governança pública, para discutir o papel do setor no desenvolvimento do Estado. “Não é possível discutir o desenvolvimento no Estado do Pará sem discutir o papel da mineração. Não é possível deixar a mineração, que já representa quase 30% do PIB do Pará, ao sabor do livre jogo do mercado, como tem sido nos últimos anos”, assinalou.
O presidente do Sindifisco apontou a tributação como instrumento impulsionador do desenvolvimento. “A mineração não financia o Estado, o desenvolvimento, e não financia uma saída para um novo modelo. Essa mineral dependência, essa maldição dos recursos apontada no livro, nos preocupa muito. Nós não chegamos a um ponto de não retorno, mas estamos próximos dele. Esse livro é um grande alerta para a sociedade paraense”, disse.
Lucas Ferraz, coautor da obra, disse que a maior contribuição do livro é mostrar a realidade do Estado do Pará. “É uma situação dual: de um lado um Estado com grande dinamismo na atividade mineral, mas com indicadores socioeconômicos que demonstram um estado de subdesenvolvimento”, observou.
O secretário de Estado da Fazenda, René Sousa Júnior, participou da mesa de abertura do seminário e elogiou a iniciativa. “É muito importante que a academia, junto com os entes governamentais e o sindicato, se debrucem sobre o tema. É inegável que o setor mineral tem importância enorme para o Estado. Nós não devemos demonizar a mineração. Mas é necessário que a exploração mineral seja sustentável. Que ela dê frutos para a população”, afirmou.
Segundo o secretário, a mineração do Pará contribui, hoje, com quase 30% do saldo da balança comercial do país. Os benefícios que ficam para a população, no entanto, observou, não acompanham o saldo da balança e a lucratividade das empresas. O desafio do governo é corrigir o descompasso entre exploração de minérios e desenvolvimento social. “Nós somos premiados por ter uma das maiores províncias minerais do mundo. Não podemos exaurir a nossa produção mineral sem que haja um benefício para a sociedade”, asseverou.
Para o secretário, a reformulação da política tributária do setor mineral, com o fim da desoneração, pode ser uma alternativa para a correção das distorções. “É um dogma que não se tributa a exportação, um pensamento liberal. Não é isso que deve ser olhado. Nós estamos vendo nos balanços contábeis o lucro líquido da ordem de 30%, lucros inimagináveis em qualquer lugar do mundo. Uma pequena tributação da exportação não atrapalharia a competitividade das nossas empresas e poderia contribuir para o financiamento de políticas públicas”, disse.
Na abertura oficial do evento, o pró-reitor de Extensão da UFPA, Nelson de Souza Júnior, destacou que o modelo econômico em vigor chegou a um ponto de esgotamento. “Chegamos ao fim do ciclo de apropriação e exploração da natureza com suas consequências”, disse. Segundo ele, é necessário entender a natureza “como um grande sujeito de direitos”.
Nelson Júnior informou que o tema central da 76ª reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), “Ciência para uma sociedade sustentável e inclusiva: por um novo contrato social com a natureza”, propõe um alinhamento da academia com a nova ordem mundial de “contraposição à exploração de recursos da natureza pela ótica do capitalismo”. A reunião da SBPC será em junho de 2024, na UFPA.
O painel de abertura do evento teve a participação dos professores Armando Lírio, diretor do Instituto de Ciências Sociais e Aplicadas (ICSA) da UFPA; Patrícia Cichovski, diretora do Programa de Pós-graduação em Direito e Desenvolvimento na Amazônia (PPGDDA); Luana Tomás, do Instituto de Ciências Jurídicas (ICJ); e Lauro Freitas Júnior, do Ministério Público do Pará (MPPA).