O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, se dirige nesta sexta-feira (1º) a outros chefes de Estado e de governo na 28ª Conferência do Clima das Nações Unidas (ONU), a COP28, em Dubai, nos Emirados Árabes, buscando se estabelecer como uma liderança climática.
Neste que deve ser o ano mais quente da história, o governo brasileiro leva um chamado para que as nações unam esforços em uma escala sem precedentes para restringir o aumento da temperatura média do planeta a 1,5°C.
A proposta faz parte da estratégia do Brasil para pavimentar o caminho até a COP30, que deve ser realizada em Belém em 2025 e já vem sendo considerada a mais importante desde a COP de 2015, que estabeleceu o Acordo de Paris. É na rodada brasileira de negociações climáticas que os países deverão apresentar novas metas de redução de gases de efeito estufa, e o sucesso disso vai depender dos resultados entregues neste ano.
Na cúpula de Dubai, que ocorre até o próximo dia 12, será realizado o primeiro balanço global do que foi feito (ou não) para conter o aquecimento global até o momento. Não só em termos de ações de mitigação, mas também de adaptação e de meios de implementação. E o diagnóstico já é bem conhecido: estamos bem atrasados. O mundo segue num trilho de aquecer quase 3ºC até o fim do século, em vez de apenas 1,5ºC, como é recomendado pela ciência.
Para que ações mais ambiciosas sejam assumidas pelos países, a palavra-chave é dinheiro. Nos últimos anos, a questão tem protagonizado uma crise de confiança nas negociações, já que os países desenvolvidos estão atrasados no cumprimento da atual meta de financiamento climático – pagar US$ 100 bilhões ao ano, de 2020 a 2025, aos países em desenvolvimento. Isso quase sempre acaba emperrando as tratativas – situação que o Brasil deseja evitar a todo custo daqui até Belém.
“Florestas Tropicais para Sempre”
Como bandeira da demanda por maior financiamento, o Brasil também levará à conferência a proposta de criação de um novo instrumento de proteção de florestas tropicais.
A iniciativa busca reunir os países detentores de florestas, cerca de 80, bastante heterogêneos entre si, em uma iniciativa por meio da qual eles mesmos apresentem às nações desenvolvidas suas necessidades financeiras para proteger os biomas. É uma tentativa de inverter a lógica dos mecanismos que atualmente existem com essa finalidade, em que os doadores estabelecem as condições, e os beneficiados apenas aceitam.
Em entrevista à Agência Pública, o embaixador André Corrêa do Lago, secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores (MRE), explicou que o instrumento levará em conta uma noção mais complexa do que são as florestas: “A floresta é mais do que o carbono. É a biodiversidade, são as populações locais, vários elementos extremamente importantes que têm que ser levados em consideração. E, sobretudo, essa variedade de circunstâncias, inclusive dentro do próprio Brasil.”
Por isso, disse Corrêa do Lago, o mecanismo, que foi debatido com os demais países, não será baseado apenas em desmatamento evitado e nas emissões de carbono associadas a ele que deixaram de ocorrer. A medição acontecerá por hectare protegido, segundo o embaixador.
Está previsto para esta sexta-feira (1) o lançamento, pelos ministérios do Meio Ambiente e Mudança do Clima, da Fazenda e das Relações Exteriores, da iniciativa que está sendo chamada de “Florestas Tropicais para Sempre: pagamento por floresta tropical conservada”, em Dubai. Representantes de outros países com florestas também devem comparecer.
Embora o instrumento não deva operar sob a estrutura da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (a UNFCCC, na sigla em inglês), como a meta global dos US$ 100 bilhões de dólares, é um símbolo de como “o Brasil está na origem de propostas muito diferentes, mas todas nesse esforço da busca de recursos financeiros”, destaca o secretário.
“Missão 1,5”
A sugestão brasileira de união em torno do 1,5°C, batizada como “missão 1,5”, foi incorporada, na abertura da COP em Dubai, nesta quinta (30), à discussão que será feita pelos países em torno do balanço global das ações desde Paris, chamado em inglês de Global Stocktake (ou apenas GST).
O Acordo de Paris, pelo qual 196 países se comprometeram, em 2015, a fortalecer a resposta global à mudança do clima, tem como uma de suas metas principais conter a elevação da temperatura média global num patamar “bem abaixo de 2°C” em relação aos níveis pré-Revolução Industrial, com esforços para limitá-la a 1,5°C.
Relatório lançado em 2019 pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (o IPCC, na sigla em inglês, vinculado à ONU) aponta que um aquecimento de 1,5°C, embora prejudicial, é mais seguro para a saúde humana, ecossistemas e biodiversidade em comparação ao de 2°C. Em seu sexto ciclo de análise, cujos resultados foram divulgados entre 2021 e 2023, o IPCC reforçou essas conclusões.
O governo brasileiro defende que a meta de 2°C “pode não estar mais alinhada com o objetivo final” da Convenção do Clima de estabilizar as “concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climático”. E diz que é necessário que a humanidade “dê as mãos” em torno da “missão para manter vivo o 1,5°C” e a coloque como prioridade máxima.
Isso exigirá, aponta a proposta brasileira, níveis muito mais elevados de recursos financeiros, tecnológicos, capacitação e cooperação internacional para que os países avancem na ação climática.
“O Brasil será o paladino do 1,5°C”, declarou André Corrêa do Lago na primeira coletiva de imprensa sobre a cúpula de Dubai, em 8 de novembro. O chefe da equipe brasileira de negociações climáticas afirmou que “o Brasil está absolutamente determinado a ser o país que quer liderar”, já com vistas à COP30, que será presidida pelo país. A confirmação da capital do Pará como sede da conferência deve acontecer na COP28.
Indagado sobre por que, em outras COPs, o Brasil não havia sido tão enfático em relação à meta do 1,5°C, Corrêa do Lago comentou a mudança de posição na entrevista à Pública. “No momento da negociação [do Acordo de Paris], o IPCC ainda não havia sido claro com relação a essa questão [de que meio grau a mais na temperatura significará consequências danosas] – por isso, o acordo saiu [com a meta de ficar] nitidamente abaixo de 2°C e, se possível, 1,5°C”, disse. “Hoje, o Brasil é totalmente consciente de que a sua população mais vulnerável está na linha de frente dos que serão atingidos pela evolução da mudança do clima”, complementou.
“Ao falar que é uma ‘missão 1,5’, o que a gente quer é ambição [correspondente à meta de] 1,5°C. Porque todos os outros mecanismos [previstos no Acordo de Paris] ainda estão alinhados aos 2°C”, explicou à Pública Ana Toni, secretária Nacional de Mudança do Clima do MMA.
Toni destaca que a “missão 1,5” tem base na realidade do próprio país. Como exemplo, cita a seca e a temporada de queimadas históricas que acometeram o Amazonas nos últimos meses. “Para o Brasil, que é um dos países mais vulneráveis à mudança do clima, se o planeta aquecer a 2°C, talvez veremos, em alguns biomas como o da Amazônia, processos de perdas e danos, não de adaptação. É a consciência de que precisamos mirar no 1,5°C porque é importante para o Brasil, para a agricultura brasileira, para as hidrelétricas brasileiras, para a Amazônia brasileira”, pontua.
Cintya Feitosa, assessora de Relações Internacionais do Instituto Clima e Sociedade (iCS), comentou que a proposta brasileira é “interessante” por reforçar o objetivo mais ambicioso do Acordo de Paris diante de ameaças que vem sofrendo nas próprias negociações. Na reta final da COP27, no Egito, a meta correu o risco de ficar de fora da decisão final. Após pressão de alguns países, como as pequenas ilhas, e da sociedade civil, isso acabou não acontecendo. “O que a gente tem visto é uma descrença em relação ao 1,5°C, sendo que deveríamos continuar perseguindo esse objetivo”, indica.
Aumento da ambição
A conclusão do primeiro balanço global (o GST) na COP28 marcará o fim de uma etapa essencial do Acordo de Paris: a avaliação do progresso coletivo na implementação das metas apresentadas pelos países em 2015. Como estágios desse processo, durante os últimos dois anos foram realizados levantamentos de informações e diálogos técnicos no âmbito da UNFCCC.
O resultado desse trabalho está expresso em um relatório síntese, lançado em setembro deste ano. Ele indica que, embora o Acordo de Paris tenha fomentado uma “ação climática quase universal” ao estabelecer metas e revelar a urgência de se responder ao aquecimento global, são necessárias muito mais medidas “em todas as frentes”. Uma das principais constatações do documento é a de que os atuais níveis de emissões globais de gases de efeito estufa não estão compatíveis ao objetivo de 1,5°C.
Na conferência de Dubai, os países discutirão o que fazer daqui para frente com base nos resultados desse processo. A intenção é que identifiquem oportunidades e desafios para tornar a ação climática mais efetiva.
Uma decisão ambiciosa em relação ao balanço global é considerada fundamental por especialistas, já que ela guiará a apresentação da nova rodada de metas voluntárias de redução de emissões das nações sob o Acordo de Paris, as Contribuições Nacionalmente Determinadas – ou NDCs, na sigla em inglês. Isso precisa ocorrer em 2025, até a COP30, que deve ocorrer em Belém.
Portanto, um desfecho para o balanço global que recoloque o mundo na trilha do 1,5°C é encarado como essencial para que a COP brasileira seja bem sucedida, quando é esperado que os países apresentem uma segunda rodada de NDCs com cortes de emissões de gases de efeito estufa mais elevados e abrangentes em termos de setores econômicos.
“Na nossa cabeça [está o caminho] da COP28 à COP30”, disse Ana Toni na entrevista à imprensa de 8 de novembro. “Estamos pensando não só na COP28, mas nesse processo e no papel do Brasil nesse processo.”
“Só que, antes de chegar na COP30, têm que acontecer algumas coisas na COP28 e na COP29. Na COP28, a coisa mais importante é que o Global Stocktake seja muito bem feito, escrito, pensado. Que tenha todos os elementos que sirvam para as NDCs, que vão ser revistas na COP30”, adicionou. O alinhamento da nova rodada de NDCs à meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C será “o sucesso da COP30”, ressaltou Toni à Pública.
De acordo com ela, a “missão 1,5” idealizada pelo Brasil entra nessa história para propor um “caminho mais rápido” dentro do balanço global. “A submissão que o Brasil fez é para ver se, dentro do Global Stocktake, vão querer criar um mecanismo de fast track ou não”, disse.
Para viabilizar essa aceleração, conforme a proposta brasileira, mais do que metas nacionais compatíveis ao 1,5°C, é necessária a sua implementação. E a chave para isso é o financiamento, no sentido clássico definido pelos acordos climáticos internacionais: dinheiro concedido pelos países desenvolvidos aos em desenvolvimento.
Nas negociações climáticas, o financiamento vem representando o principal ponto de embate entre as nações. Enquanto o grupo desenvolvido cobra do mundo em desenvolvimento políticas mais avançadas de redução de emissões – o que a linguagem técnica chama de “mitigação” –, os últimos demandam que, antes, os primeiros “mostrem o dinheiro”.
Isso porque a atual meta de financiamento climático está sendo cumprida com muito atraso pelos países ricos. Em 2009, na COP15, na Dinamarca, eles se comprometeram a prover 100 bilhões de dólares por ano, a partir de 2020 e até 2025, aos pobres. No entanto, segundo o mais recente relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), lançado em novembro, em 2021 (o último ano analisado), esse valor foi de apenas 89,6 mil milhões de dólares.
“Com base em dados preliminares e ainda não verificados à disposição da OCDE até à data, parece provável que o objetivo já tenha sido alcançado em 2022”, informou a entidade em um comunicado à imprensa. Ou seja: se a afirmação se confirmar na análise do ano que vem, os países ricos terão demorado dois anos a mais para colocar em prática o compromisso feito em 2009.
Num contexto em que os 100 bilhões de dólares anuais já são insuficientes para que as nações em desenvolvimento enfrentem a mudança do clima – até 2025, a OCDE prevê que eles necessitarão de cerca de 1 bilhão de dólares anuais para investimentos climáticos, sendo que esse valor aumentará para cerca de 2,4 bilhões de dólares por ano entre 2026 e 2030 –, a morosidade no cumprimento da promessa provoca uma crise de desconfiança em relação aos ricos.
Na COP29, que ainda não tem sede para acontecer no fim de 2024, será definida uma nova meta global de financiamento climático sob o Acordo de Paris. Segundo os representantes do governo brasileiro ouvidos pela reportagem, ela também é considerada central para que a COP de Belém atinja seus objetivos.
“Todos temos consciência de que não vamos poder acelerar e ter NDCs mais ambiciosas em Belém se os recursos financeiros não vierem de maneira muito mais clara, transparente e efetiva”, afirmou Corrêa do Lago à Pública. O embaixador vem dizendo que o Brasil quer ser o “destravador de negociações difíceis”, e a questão do financiamento é um “ponto absolutamente central” para a construção desse papel.
Não está claro como se daria, na prática, essa atuação do Brasil. Cintya Feitosa pontua, no entanto, que seria importante que o país conseguisse criar “um espaço mais amigável e confortável para a discussão daqui até a COP30, respondendo ao Global Stocktake”, na intenção de desarmar a polarização entre ricos e pobres que muitas vezes trava as negociações.
Em reunião do MRE com organizações da sociedade civil sobre a COP28 em 25 de outubro, o diplomata Túlio Andrade, chefe da Divisão de Negociação Climática do ministério, explicou um pouco mais sobre esse processo.
“Recuperar a confiança entre as partes vai ser uma das principais missões do Brasil, nesse contexto em que a gente precisa de união de um lado e comprometimento com o multilateralismo do outro. E, terceiro, um sentido de missão da comunidade internacional em torno do 1,5°C, para que não só haja um comprometimento em mitigação e adaptação, mas haja também um sentido de que, se o objetivo é 1,5°C, a gente não pode ter limitações de recursos para a gente cumprir esse objetivo”, declarou.
por Ana Beatriz Anjos, Giovana Girardi, da Agência Pública