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Cupuaçu foi criado por populações indígenas há 5 mil anos, revela pesquisa da USP

Cupuaçu surgiu com domesticação de fruto por indígenas

O cupuaçu é um fruto típico da Floresta Amazônica. Seu nome deriva das palavras em tupi kupu, que significa “que parece com cacau”, e uasu, que é “grande”. Componente da culinária brasileira e popular por todo o País, acreditava-se que o cupuaçu era uma espécie nativa – ou seja, que ela ocorria de forma natural nos locais onde se distribui. Mas pesquisadores do Instituto de Biociências (IB) da USP descobriram que o fruto, na verdade, é uma espécie domesticada pelas populações indígenas do médio-alto Rio Negro, há mais de 5 mil anos.

Rio Negro. Populações indígenas deram origem ao cupuaçu. Foto: Beto Ricardo, 1996.
Rio Negro, logo abaixo de São Gabriel da Cachoeira. Foto: Beto Ricardo, 1996.

Espécies domesticadas são aquelas originadas por meio de uma seleção artificial pela ação humana. Por meio de uma análise genômica, os pesquisadores conseguiram rastrear as origens do cupuaçu e concluíram que o fruto é uma variante domesticada do cupuí, um integrante da família do cacau e natural do bioma amazônico. “Do cupuí para o cupuaçu ocorreu uma mudança física pelo meio de plantar. O progenitor do cupuaçu tinha uma polpa não muito volumosa, e o fruto em si era menor”, explica Matheus Colli-Silva, doutor em botânica pelo IB, ao Jornal da USP.

Cupuí, progenitor do cupuaçu. Foto: Reprodução
Cupuí, progenitor do cupuaçu. Foto: Reprodução

A descoberta revela que os povos indígenas da região perceberam o potencial da polpa do cupuí, selecionaram os frutos que eram maiores e cruzaram esses entre si. “Se se começa a fazer esse retrocruzamento com atributo de interesse, que nesse caso é um fruto maior, você vai, ao longo das gerações, desenvolvendo esses indivíduos.” O retrocruzamento acontece quando existe o cruzamento entre um descendente com qualquer um de seus progenitores. O método viabiliza a transferência de genes – o que explica o aumento de tamanho dos frutos com o tempo. 

Cupuaçu foi criado por povos indígenas há 5 mil anos. Foto: Christopher Hind/CiXeL/English Wikipedia via Wikimedia Commons
Cupuaçu foi criado por povos indígenas há 5 mil anos. Foto: Christopher Hind/CiXeL/English Wikipedia via Wikimedia Commons

Os resultados da pesquisa foram divulgados no artigo Domestication of the Amazonian fruit tree cupuaçu may have stretched over the past 8000 years, publicado na revista Communications Earth & Environment. 

Cupuaçu: domesticação de plantas

A domesticação de espécies é comumente associada a animais. O exemplo mais famoso é o cachorro, um descendente dos lobos que passou por esse processo mais de 12 mil anos atrás. Contudo, o procedimento também é utilizado em vegetais, seja para o aprimoramento genético de monoculturas pela indústria agrícola, seja feito de forma não planejada pelos humanos. De qualquer forma, existe uma seleção artificial de características a serem destacadas.

Populações indígenas domesticaram cupuí, que originou cupuaçu
Trocano em frente à maloca tukano de Pari-Cachoeira, no Rio Tiquié. Foto: Koch-Grünberg, 1904

As suspeitas por trás da origem do cupuaçu se originaram a partir de uma expedição realizada pelo pesquisador na região amazônica, mais precisamente em localidades do Pará, Amazonas e Acre. “A princípio, nós não tínhamos pensado nessa pergunta. Porém, o simples fato de estarmos estudando a natureza nos levou a ir para o campo e perceber que o cupuaçu não estava presente em lugares de mata fechada, mas sim sempre próximo às civilizações”, explica ele. A partir daí foi realizada uma coleta de cupuaçus e cupuís, posteriormente levados ao laboratório e analisados por meio do sequenciamento de DNA.

Depois disso, os resultados das duas espécies foram colocados lado a lado para o apontamento de suas semelhanças. Ademais, dados arqueológicos e antropológicos sobre a história dos povos indígenas na Amazônia também foram trazidos para a discussão, contribuindo nas conclusões alcançadas pela pesquisa. “Nós conseguimos mostrar, com base nesses dados genômicos contrastados com os da arqueologia e da antropologia, que esse processo provavelmente teve início entre 5 e 8 mil anos atrás por povos indígenas que viviam na região do médio-alto Rio Negro.”

Em equilíbrio com a natureza

A ligação entre as populações indígenas e o processo de origem do cupuaçu reforça a importância da relação desses povos com a biodiversidade da região e o seu papel no ecossistema amazônico. “A Amazônia é um bioma que foi ocupado e modificado por povos indígenas. Mas, diferente do que temos hoje com as pressões antrópicas [ações humanas] e o desmatamento, essas alterações sentidas há milênios atrás foram feitas de modo sustentável”, pondera o pesquisador. 

O processo de domesticação do cupuaçu ocorreu no final do Holoceno – era geológica marcada pela estabilização meteorológica após o último processo de glaciação da Terra. De acordo com evidências arqueológicas, foi nesse período que os povos da Amazônia passaram a aprimorar técnicas dentro da agrobiodiversidade – procedimentos de manejo de terra que, além de se mostrarem vantajosos produtivamente, também colaboravam para a conservação da floresta.

Os cientistas observam que as comunidades indígenas tinham uma alimentação diversificada, englobando o cultivo de palmeiras, leguminosas e outras árvores frutíferas. “Essa descoberta mostra como os povos indígenas sempre cuidaram da natureza e a extensão de seus conhecimentos sobre a flora. Além disso, deixa claro que coisas que nós cientistas aprendemos nos últimos 500 anos já eram conhecidas há milênios por outros povos.”

 Mata fechada na Amazônia peruana. Foto: Flickr (CC)/Joseph King
 Mata fechada na Amazônia. Foto: Flickr (CC)/Joseph King

Colli-Silva ainda diz que o campo de estudos multidisciplinares explorado pela pesquisa pode ser acessado sob diferentes perspectivas. “O próximo passo é olharmos para as espécies brasileiras de diferentes biomas e aplicarmos o mesmo método para estudá-las. Esse é um campo amplo que está ligado a outras áreas do conhecimento além da biologia, como a história e a agronomia”, coloca. Ele destaca a importância de pesquisas que explorem a flora brasileira para seu uso econômico de maneira sustentável. 

Fonte: USP