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A realidade perversa do transporte coletivo: uma conta que não fecha

Na terceira matéria da nossa série “Transporte Coletivo: Problemas e Soluções”, vamos falar sobre os usuários dos ônibus, suas rotinas, dificuldades e a falta de suporte do Estado

Foto: Reprodução.

A pandemia de Covid-19 serviu para aumentar uma crise já existente no sistema de transporte público urbano. O número de usuários, que antes já apresentava queda, sofreu alterações ainda mais fortes com a crise sanitária. Segundo a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), antes da pandemia o setor perdeu cerca de 3 milhões de passageiros por dia (2017). Com a pandemia, a crise se agravou e os números também.

O Diretor de Operações da Setransbel, Natanael Romero, conta que, no auge da pandemia, as empresas chegaram a ficar com somente 20% dos passageiros.

“Nós tivemos o nosso último dia “normal” em 15 de março de 2019”

Natanael Romero
Diretor de Operações da Setransbel afirma que passageiros estão “desaparecendo”. Vídeo: Belém Trânsito.

A Engenheira Civil com mestrado em Transportes, Patrícia Bittencourt, afirma que um dos motivos dessa queda de passageiros é a migração dos mesmos para transportes privados.

“O empresário tem um custo maior, mas reduziu a demanda dele. Com isso, a capacidade de investir no sistema ficou limitada”

Patrícia Bittencourt
Especialista explica como a migração de passageiros afeta a tarifa. Vídeo: Belém Trânsito.

O cenário, que já era preocupante antes de uma das maiores crises sanitárias do mundo, pode ser justificado pelas dificuldades impostas aos usuários. Seja pelos horários de pico desumanos, até a falta de estrutura como paradas de ônibus de qualidade, o usuário vem sofrendo quando o assunto é mobilidade urbana.

As rotinas, muitas vezes, são ditadas pelos horários dos coletivos. Segundo a estudante Maria Rita Araújo, 20 anos, que mora em Icoaraci, o planejamento diário deve ser feito contando com todos os imprevistos na locomoção.

“Se eu tiver que chegar 8hs, tenho que sair de casa para pegar ônibus 6hs”

Maria Rita Araújo
Estudante relata rotina difícil. Áudio: via Whatsapp.

A jornalista Lorena Pantoja, 31 anos, que mora em Ananindeua, destaca que a qualidade do seu dia fica muito prejudicada pelo tempo que passa em um coletivo.

“Às vezes eu saio do trabalho às 17hs e chego em casa quase 20hs”

Lorena Pantoja.
Jornalista destaca como a rotina é desgastante. Áudio: via Whatsapp.

Com as reclamações constantes, um outro tema entra em pauta: o valor atual da tarifa. O último reajuste, que ocorreu em junho de 2019, aumentou o preço da passagem de R$ 3,30 para R$ 3,60, a meia-passagem ficou fixada no valor R$ 1,80. Sobre a questão, o publicitário Erlon Natividade, 30 anos, afirma que, com o serviço que é prestado, não considera esse um valor justo.

“Imagina pagar quase 10 reais por dia para, geralmente, ir em pé. No calor, em ônibus que dão prego”

Erlon Natividade.
Publicitário contesta o valor da tarifa. Áudio: via Whatsapp.

Sobre esse tema, a administradora, Ada Matos, 37, afirma que não é de hoje que considera o valor da passagem cara, de acordo com o serviço que é prestado.

“Eu não posso dizer que vá valer pelo que pagamos, porque não vai”

Ada Matos.
Usuária questiona falta de investimento no transporte público. Vídeo: Belém Trânsito.

Esses questionamentos mostram como o usuário se sente prejudicado quando o assunto é o retorno de um investimento no serviço de transporte público. Em contrapartida, o investimento necessário não pode ser feito uma vez que o número de passageiros apresenta queda e o “socorro” do Estado nunca chega, nem mesmo durante a pandemia.

Natanael Romero destaca que o subsídio é importante para o funcionamento pleno do sistema. Vídeo: Belém Trânsito.

GRATUIDADES E MEIA-PASSAGEM

Uma das questões levantadas por especialistas foi a meia-passagem estudantil. Para o arquiteto e urbanista Paulo Ribeiro, o grande número de gratuidades deveria ser reavaliada e alguns estudantes da rede particular de ensino, com uma situação financeira melhor, não deveriam ter a meia-passagem garantida.

“São oito ou dez categorias que não pagam passagem. Tem coisas que são completamente anacrônicas”

Paulo Ribeiro.
Especialista comenta o número de gratuidades e a meia-passagem estudantil. Vídeo: Belém Trânsito.

 A Engenheira Civil, Patrícia Bittencourt, foi além e levantou a possibilidade do Ministério da Educação (MEC) arcar com a “outra metade” da passagem estudantil.

“O nosso usuário pagante é aquela pessoa que já não tem muito poder aquisitivo e ainda tem que estar cobrindo metade da tarifa do estudante”

Patrícia Bittencourt.
Especialista fala sobre a possibilidade do MEC subsidiar a meia-passagem estudantil. Vídeo: Belém Trânsito.

O Diretor de Operações da Setransbel, Natanael Romero, afirma que, hoje, 25% dos passageiros transportados são gratuidades e destaca que a falta de subsídio afeta o sistema.

“A cada 100 passageiros, 25 não pagam pela tarifa. Não é que não paguem, mas os outros 75 estão bancando a passagem dele”

Natanael Romero
Diretor alerta para a quantidade de gratuidades e a falta de subsídios. Vídeo: Belém trânsito.

“Independente de ser estudante de escola pública ou particular, é um direito”

Erlon Natividade.

Entretanto, o questionamento acerca da meia-passagem não é bem aceito pelos usuários no geral. Mesmo para aqueles que pagam a tarifa cheia. O publicitário Erlon Natividade defendeu o direito daqueles que possuem a carteirinha estudantil.

Usuário defendo o direito à meia-passagem estudantil. Áudio: via Whatsapp.

A estudante Rafaela Carvalho, 21, destaca o esforço necessário para pagar a meia passagem, mesmo estando em uma instituição particular de ensino.

“Tem dias que eu não tenho nem os R$ 3,60 para pagar a meia, imagina R$ 7,20 todo dia”

Rafaela Carvalho.
Estudante defende que todos os alunos tem direito à meia-passagem. Áudio: via Whatsapp.

Investimento é o que os usuários mais pedem e a falta dele, junto da falta de subsídios que auxiliem nisso, é um dos motivos que acaba por afastar esses usuários do transporte público coletivo. É por isso que eles migram para transportes particulares. Entretanto, essa migração prejudica a arrecadação e faz desse um ciclo interminável. Mas isso é assunto para a nossa próxima matéria.