Quando vazou a informação da compra de 35 mil comprimidos contra disfunção erétil pelas Forças Armadas eu resisti ao máximo a esta oportunidade de fazer piada. Primeiro porque evito o humor óbvio, e segundo porque, como jornalista, costumo apurar com cuidado tudo que publico – seja informação séria ou gozação. Por isso, sabia que o medicamento para disfunção erétil também tem utilidade para outros tratamentos – como a Hipertensão Arterial Pulmonar que, batata, foi usada pelo ministério da defesa para justificar a compra da Sildenafila, que é vendida com o nome comercial de Viagra.
Só que a dosagem do remédio usada para tratar a HAP é diferente da presente no azulzinho comprado pelas FFA: enquanto a hipertensão arterial pulmonar prevê a prescrição de 20mg de Sildenafila, os comprimidos adquiridos para a Marinha e Aeronáutica são de 25mg e 50mg. Quando vi esta diferença da dose em relação a posologia pra hipertensão eu já ia começar a escrever sobre o assunto mas, cauteloso como sou, pensei que os militares pudessem aderir a prática comum de fracionar remédios de forma manual… seria implicância minha, então, pegar no pé das forças armadas e seu viagra, considerando que em tantos lares brasileiros se cortam comprimidos com faquinha?
Pelo sim e pelo não, novamente deixei o caso quieto – tudo em nome da prudência, o chamado “benefício da dúvida”. Eis que surge mais um fato curioso sobre a lista de compra dos militares brasileiros: segundo o portal da transparência, as forças armadas gastaram três milhões e meio de reais comprando próteses penianas, com tamanhos de até 25 centímetros, para os hospitais militares do país.
Aí não dá mais pra defender. É óbvio que existe um problema com as forças armadas, ou, se preferirem, uma certa disfunção, já que os gastos nestes tratamentos que fazem sucesso no quartel, somados a outros luxos, evidenciam um distúrbio nas compras militares.
O Brasil tem um dos maiores orçamentos da defesa do mundo: estamos no top 15 mundial de gastos militares, conforme dados do Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI). Gastamos mais que Turquia, Espanha, Holanda, Polônia e Irã numa lista em que extensão territorial não indica, necessariamente, gasto elevado – dos países que lideram a lista, apenas Rússia, Canadá, China e EUA são maiores que o Brasil. Israel, que não tem uma Amazônia pra defender e de uma ponta a outra não comporta a disputa de uma maratona, gasta dois bilhões de dólares a mais que o Brasil.
Pra vocês terem uma noção, o Brasil sozinho é responsável por 1% dos gastos militares mundiais – ainda assim, nossas forças armadas são mal equipadas: o país só tem munição para uma hora de guerra, as nossas fronteiras são uma avenida e, até quando a o objetivo é exibir força, o exército precisa recorrer a tanques velhos e peidorrentos cuja demonstração vexatória broxou até o maior entusiasta do militarismo. Será que o viagra é pra dar uma animada nesse pessoal?
Segundo o Portal da Transparência, o orçamento da defesa para 2022 é de mais de 85 bilhões de reais. Deste total, já foram gastos R$ 16,42 bi, mas a menor parte disso foi voltada para a defesa: menos de 400 milhões foram repartidos entre defesa aérea, naval e terrestre. O restante (16 bilhões) foi para áreas não associadas à defesa, como a administração geral, que torrou 14 bilhões de reais desde o começo do ano – 45% disto só no pagamento de aposentadorias e reservas remuneradas. O gasto com o pessoal da ativa é apenas 2% maior, mas curiosamente quando a gente fala em reforma da previdência os cortes jamais chegam na caserna, já que o contribuinte precisa bancar até pensão pra filha solteira de militar – a chamada “bolsa dondoca”.
O que quero pontuar é que esse orçamento avantajado do exército não está se traduzindo na proteção dos interesses nacionais, mas na manutenção dos privilégios de uma casta de oficiais cuja cabeça parece ter obsessão com a ditadura, quando mandavam e desmandavam no país. Esses privilégios devem ser questionados – sejam as aposentadorias, pensões, a rede de hospitais militares e a justiça militar, que existe mesmo em tempos de paz, e deixam claro que há uma casta diferenciada nos quartéis.
É por isso que um país que responde por 1% do total de gastos militares do mundo tem tantos problemas de segurança – a prioridade, infelizmente, não é servir ao povo: é servir picanha, camarão, leite condensado e, agora, até viagra. Depois dessa, o mínimo que se espera é que os militares deem duro pelo país.