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Ingo Müller | A triste inércia do governo que não faz mais porque não quer

Imagine, amigo leitor, que você precisa passar uma semana fora e, por isso, contrata uma diarista para cuidar da sua casa. Você separa 300 reais do seu orçamento para pagar a ida dela duas vezes na semana, esperando que a funcionária possa dar uma geral no apartamento e manter as coisas em ordem até a sua volta, já que você tem outras obrigações e não vai poder cuidar diretamente dos afazeres domésticos.

Só que, dos dois dias que deveria ir, a diarista falta um – e não dá qualquer explicação – e, no outro, chega duas horas atrasada. Aí sobra serviço e falta ação, e como resultado a sua casa fica uma zona. Furioso você calcula, tirando as horas não trabalhadas, que em vez de receber R$ 300 a remuneração dela deve ser de acordo com o serviço executado e, fazendo uma regra de três, chega na cifra de R$ 120.

Os outros 180 que iriam ficar com ela voltam pro seu bolso, mas isso está longe de ser um bom negócio: embora o gasto tenha sido proporcional ao serviço prestado, você percebe que a economia não valeu à pena já que sua casa hoje encontra-se imunda, com comida queimada esquecida dentro do forno, uma pilha enorme de roupa suja para lavar e uma família de ratos morando na sujeira da cozinha. Como eles chegaram aí você não sabe, mas é óbvio que se a diarista tivesse trabalhado de forma diligente isso não teria acontecido.

O prejuízo e a dor de cabeça para consertar essa destruição na sua casa, no final das contas, não compensam a economia dos 180 golpes – teria sido muito melhor gastar tudo e, desta forma, garantir a manutenção da sua propriedade. Pena que, embora tivesse dinheiro disponível, a funcionária que deveria zelar pelo seu patrimônio decidiu não trabalhar direito.

Esse cenário da casa imaginária é revoltante, mas infelizmente bem real: basta a gente trocar diarista por Ibama, e aí vamos ter um exemplo concreto de como o governo Bolsonaro poderia fazer algo pelo meio-ambiente, mas propositalmente deixa de cumprir com a sua obrigação de proteger o nosso patrimônio ambiental.

Explico: de acordo com um levantamento do Observatório do Clima, uma rede que reúne 70 ongs ligadas ao meio ambiente, institutos de pesquisa e movimentos sociais, durante o ano de 2021 o Ibama gastou apenas 41% do orçamento líquido previsto em ações de fiscalização. O órgão tinha 219 milhões de reais disponíveis para financiar ações de proteção e monitoramento, mas efetivamente gastou apenas 88.

Foto: Getty Images

Coincidentemente, o ano de 2021 teve recorde de desmatamento. Segundo o monitoramento feito pelo Imazon através dos satélites do Sad, só a Amazônia perdeu uma área de 10 mil quilômetros quadrados – isso é 29% ao registrado no ano anterior, e equivale a metade do estado de Sergipe.

Apesar da motosserra ter cantado no ano passado, a quantidade de multas aplicadas por desmatamento foi a menor dos últimos 20 anos, e o número de terras embargadas – uma punição aplicada aos criminosos ambientais, que impede a comercialização de produtos das áreas em que foram desrespeitadas as leis de proteção ao meio ambiente-  caiu 70% em relação a 2018, o último ano do governo Temer.

Foto: Greenpeace

Não dá pra acreditar que isso seja só incompetência ou desinteresse. O governo federal tem um projeto claro de desmanche ambiental para “passar a boiada”, e isso inclui uma fiscalização mais frouxa, já que na cabeça do agroexplorador a natureza é apenas um empecilho no caminho do dinheiro – o fato de que todos nós fazemos parte desta natureza, infelizmente, é mero detalhe. No governo Bolsonaro, a destruição da natureza é um negócio lucrativo que segue impune.

Jair Bolsonaro e Ricardo Salles. Foto: Folha de São Paulo

Voltando para nossa metáfora, resta saber quando poderemos expulsar os ratos que tomaram conta da nossa cozinha. Talvez ano que vem já que, na gestão atual, o governo federal os convida para entrar pela porta da frente.