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Arábia Saudita entregou joias ao governo Bolsonaro para Brasil entrar em grupo exportador de petróleo, diz site

O governo Bolsonaro discutiu a produção da Petrobras e a entrada na Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) com a Arábia Saudita sob o pretexto de tratar de energias “limpas”, indicam documentos obtidos pela Agência Pública e fontes no Itamaraty.

A viagem encabeçada pelo ex-ministro de Minas e Energia de Jair Bolsonaro (PL), o almirante Bento Albuquerque, em outubro de 2021, tinha como justificativa o lançamento da “Iniciativa Arábia Saudita Verde”, mas, de acordo com a apuração, nos bastidores se tratou da produção de petróleo e do lobby dos sauditas para reforçar o cartel da OPEP. Foi a segunda vez que o convite para o Brasil se juntar ao grupo foi feito diretamente ao primeiro escalão do governo Bolsonaro.

Foi dessa viagem que a comitiva voltou com as joias milionárias que seriam entregues como presente a Bolsonaro e à então primeira-dama Michelle, em vez de serem incorporadas ao acervo do Estado brasileiro, como revelou o Estadão. Após o escândalo, Albuquerque chegou a afirmar que escreveu ao governo saudita informando que a joia seria incorporada ao acervo nacional. Contudo, em resposta a um pedido de Acesso à Informação feito pela Pública, o Ministério de Minas e Energia afirmou que não encontrou nenhum registro da tal carta. Segundo fontes ouvidas pela reportagem, a estratégia saudita era uma “operação sedução” que, além dos presentes, também envolveu promessas de investimentos no Brasil.

A OPEP

A OPEP é o cartel de países produtores de petróleo fundado em 1960 inicialmente com Arábia Saudita, Irã, Iraque, Kuwait e Venezuela. Atualmente, a organização tem mais de 10 membros, além de países alinhados, mas que não são membros, como a Rússia, que integra a chamada OPEP+, uma espécie de segundo escalão do bloco. O Brasil foi convidado para fazer parte deste escalão, criado para ampliar o poder político do grupo, que atua para determinar o preço do barril pelo mundo. Na OPEP+, os países não precisariam adotar as mesmas medidas determinadas pelo grupo a membros, nem mesmo sobre as cotas de produção. Para os sauditas, a lógica é simples: quanto maior o número de produtores dentro do cartel, melhor para sua posição de força.

“EVENTO VERDE”

Nos dias 23 e 24 de outubro de 2021, o almirante Albuquerque visitou a Arábia Saudita como representante do governo Bolsonaro para um evento de lançamento da “Iniciativa Arábia Saudita Verde”. Com o tema “Uma nova era de ação: oásis vivo”, o objetivo, de acordo com o convite enviado ao Estado brasileiro, era “promover uma ação ambiental ambiciosa”, com a promessa de o país alcançar 50% de fontes renováveis de energia até 2030 e de plantar 10 bilhões de árvores nas próximas décadas.

O evento, que reuniu também o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, e o enviado especial para questões climáticas dos EUA, John Kerry, trazia como justificativa o cenário de emergência climática vivido pelo mundo. Mas as palavras escolhidas foram cuidadosas e não faziam em nenhum momento menção à necessidade de redução do uso de combustíveis fósseis – cuja queima é a principal fonte de emissões do gases que provocam o efeito estufa.

AS TRATIVAS

Um dia antes do início do evento, Bento Albuquerque e o ministro de Energia saudita, o príncipe Abdulaziz bin Salman bin Abdulaziz Al Saud, tiveram uma reunião bilateral seguida de almoço de trabalho oferecido pelo anfitrião.

Num telegrama diplomático enviado pelo embaixador do Brasil na Arábia Saudita, Marcello Della Nina, e obtido pela Pública via Lei de Acesso à Informação, o diplomata relata que a conversa foi marcada por uma ofensiva por parte do saudita para convencer Bolsonaro a aderir ao projeto de expansão da OPEP.  Além do embaixador brasileiro e do príncipe Abdulaziz, estiveram presentes o governador da Arábia Saudita na OPEP, Adeeb Al-Aama, além de membros do Ministério das Relações Exteriores do Brasil e assessores do país árabe.

A PROPOSTA

A proposta para o Brasil integrar à OPEP já havia sido feita a Bolsonaro antes, segundo o próprio príncipe saudita, que relembrou que o tema já fora discutido “no mais alto nível” quando o ex-presidente visitou a Arábia Saudita em 2019. O saudita argumentou, em seguida, que a ideia do grupo não é controlar a oferta global nem “conformar cartel”, mas “discutir o gerenciamento da oferta, estabilizar o suprimento e evitar a destruição de riqueza nos países produtores”. Segundo ele, a OPEP “aprendeu com os eventos do passado”, quando tentou controlar a demanda e causou dois choques do petróleo em 1973 e 1979.

Depois, o governador da Arábia Saudita na OPEP fez uma apresentação detalhada a respeito do convite ao Brasil, dizendo que do ponto de vista jurídico, o estatuto da OPEP+ pouco difere daquele do Fórum Internacional de Energia (IEF, na sigla em inglês).E reiterou que os compromissos são voluntários e o Brasil não seria obrigado a reduzir sua produção.

O então chefe da Assessoria Especial de Relações Internacionais do Ministério das Relações Exteriores brasileiro, Christian Vargas, que acompanhou Albuquerque na viagem, perguntou se haveria problemas no fato de a Petrobras ser de capital aberto. Segundo o príncipe, não seria “necessário maior grau de participação governamental do que o já existente no Brasil” para participar das decisões da OPEP+.

Como encaminhamento, Albuquerque pediu uma comunicação oficial a respeito do convite ao Brasil e se comprometeu a submeter o assunto à consideração de Bolsonaro.

Quando Bolsonaro esteve em Riad, em 2019, seu governo anunciou que os sauditas indicaram que o fundo soberano do país árabe iria investir US$ 10 bilhões no Brasil.

RECUSA E ACORDO

Apesar de o esforço dos sauditas não ter revertido em adesão imediata do Brasil à OPEP, os árabes receberam de Albuquerque apoio sobre a continuidade de exploração de petróleo – o que vai na contramão da recomendação que o mundo reduza pela metade suas emissões de gás carbônico até 2030.

Poucas semanas depois, Albuquerque participou da Conferência do Clima das Nações Unidas realizada em Glasgow, Escócia. O encontro tinha como premissa estabelecer os caminhos para o cumprimento do Acordo de Paris, estabelecido em Paris com o objetivo de conter o aumento da temperatura do planeta. Neste âmbito, porém, Albuquerque se concentrou em falar das vantagens brasileiras em termos de energias renováveis. Lá repetiu o mantra de que o Brasil é o país, “entre as grandes economias, com a matriz energética mais limpa do mundo”. O almirante não mencionou os os planos para o petróleo, que podem sujar a matriz.

De acordo com a Agência Pública, que ouviu fontes do Itamary, o Brasil não teria vantagem obtidas ao entrar para a OPEP. “De acordo com três fontes diferentes do Itamaraty ouvidas pela Pública, nos últimos anos a Arábia Saudita aumentou a pressão para o Brasil fazer parte da OPEP+. Essa ofensiva diplomática teria se intensificado durante o governo de Bolsonaro”.

Além disso, a busca dos árabes para a entrada do Brasil na OPEP+ coincide com um possível convite para que os sauditas sejam incorporados ao grupo dos Brics, formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

Ainda segundo as fontes do Itamaray, por outro lado, a participação de outros países emergentes na Opep serviria a uma estratégia de redefinição da geopolítica mundial. Dentro do governo brasileiro, há uma percepção clara de que o país assumirá cada vez mais o papel de exportador de petróleo, principalmente diante do pré-sal.

Outro fator é a geopolíticas, há ainda dúvidas sobre os benefícios econômicos para o Brasil. O país, apesar de ser exportador, não teria interesse em limitar as exportações de petróleo para atender aos objetivos da OPEP. A avaliação é que a alta no preço do combustível não ajudaria tanto o Brasil como ajuda os sauditas, venezuelanos ou iranianos.

*Com informações de Carta Capital e Agência Pública.