O mestre artesão de Icoaraci, região metropolitana de Belém, é da terceira geração de ceramistas da família, e segundo a filha, o pai Marivaldo Sena da Costa, começou o ofício brincando na infância e não largou mais.
Anos aperfeiçoando a arte na modelagem do barro, o paraense começou a ter reconhecimento nacional e internacional, não à toa, o mestre participará, de 30 de agosto a 3 de setembro, da feira e exposição de artesanato com várias características dessa arte oriundas de todo o Brasil. Serão mais de 200 obras de mestres e mestras, de 20 artistas e coletivos, e acontece em São Paulo.
O público que comparecer ao evento, terá a oportunidade de, além de prestigiar a arte e a cultura do artesanato originário de várias regiões do Brasil,e participar de rodas de conversas, conhecer mais sobre a trajetória dos mestres e mestras artesãos, poderão adquirir as obras únicas e assistir a documentários exclusivos.
O mestre artesão paraense é, de acordo com a família, certificado e autorizado pelo Museu Paraense Emílio Goeldi a replicar peças autênticas do segmento arqueológico pertencentes ao acervo da instituição.
Como reconhecimento e homenagem à dedicação e amor do paraense ao artesanato,a organização do evento produziu um documentário sobre a trajetória de Marivaldo e a cultura do artesanato paraense, que será exibido durante todo o evento.
A TRAJETÓRIA DO ARTESÃO PARAENSE
Marivaldo Costa trabalha com peças dois tipos de peças cerâmicas: as tradicionais da região, chamadas de cerâmica de Icoaraci ou Paracuri, e as cerâmicas do segmento arqueológico, peças que replicam da forma mais fiel artefatos arqueológicas encontradas na região amazônica e salvaguardadas por instituições museais. As peças de Marivaldo se destacam pela beleza e pelo alto nível técnico de execução, tornando-o um mestre artesão de referência nesse segmento. O artista paraense tem domínio sobre os traços tapajônicos e marajoaras.
Foi no final da década de 1990 que Marivaldo conheceu, de forma mais profunda, a cerâmica arqueológica. Sua pesquisa teve início através de livros e começou a produção dessas peças a partir da observação das obras de Mestre Raimundo Cardoso e de fotografias. Devido à sua grande habilidade técnica, em 2016 foi convidado a fazer parte do projeto “Replicando o Passado” do realizado pelo Museu Paraense Emílio Goeldi.
A cerâmica marajoara foi produzida pelos povos que viveram na região do Marajó, no Pará, entre os anos de 350 e 1400 AD. As peças são utilitárias, estatuetas e urnas funerárias, utilizadas para enterrar os restos de um ou mais indivíduos semi-cremados. As cerâmicas marajoaras caracterizam-se pelo uso de engobe, desenhos estilizados e figurativos, com elementos humanos e de animais. As tangas eram usadas por mulheres como tapa sexo e, com formato convexo, eram modeladas de forma a acompanhar a anatomia de sua portadora. As peças marajoaras mais conhecidas são as urnas de estilo Joanes Pintado, que foram produzidas entre 700 e 1100 d.C. e possuem pintura vermelha e preta sobre o engobe branco. Esses vasos apresentam forma híbrida, meio humano e meio ave, e trazem ao centro do bojo referências ao do útero, carregando forte simbolismo sobre o ciclo da vida.
A cultura tapajônica floresceu às margens do rio Tapajós, na localidade que hoje se encontra a cidade de Santarém – PA, entre os séculos VIII e IX. Formada por um complexo de povos que falavam pelo menos 3 línguas, possuíam um sofisticado modelo agrícola, intensa atividade comercial e um poderoso exército. Ocuparam a região até o século XVIII, quando sofreram um colapso populacional causado pelo extermínio colonial e foram considerados extintos. Seus descendentes, no entanto, continuam na região. A cerâmica produzida por esses povos, também conhecida como santarena, é uma das mais antigas da Amazônia e, também, a mais complexa.
Entre as peças mais conhecidas estão os vasos de cariátides, que recebem esse nome por causa das três figuras humanas que sustentam uma vasilha em suas cabeças. A bacia superior é ornamentada com figuras antropomorfas ou zoomorfas (cabeças de urubus).
Os vasos de gargalo, igualmente complexos e conhecidos, possuem 4 partes bem demarcadas: o gargalo e logo abaixo um pequeno bojo; o bojo central que pode ter formas humanas ou de animais ou ser ornamentado com “asas” alongadas para os lados, geralmente em 4, com estilizações de cabeças de pássaros ou jacarés; e por fim, a base.
FORTE PRODUÇÃO DE CERÂMICA EM ICOARACI
A produção cerâmica é uma tradição que existe no bairro de Paracuri, onde vive Marivaldo, desde o início do século XX. Na região, faziam tijolos, telhas, peças utilitárias, alguidares, filtros e vasos de plantas com o objetivo de abastecer a capital. Na década de 1960, um artesão conhecido como Mestre Cabeludo começou a fazer desenhos em suas peças e sua inovação foi se espalhando, dando origem à cerâmica de Icoaraci, também chamada de Paracuri. Esse tipo de cerâmica, produzido em sua maioria em tornos, é uma interpretação contemporânea das características das peças arqueológicas encontradas na região e em outras partes da Amazônia. Extremamente criativos e habilidosos, os artesãos estão constantemente renovando a tradição, criando novos grafismos, desenhos e estilos.
Com relação às peças propriamente arqueológicas, Mestre Raimundo Cardoso foi o primeiro a ter acesso aos artefatos salvaguardados pelo Museu Paraense Emílio Goeldi. O mestre começou a replicar as peças na década de 1980. Depois do Mestre Cardoso, nenhum artesão havia tido acesso tão qualificado às peças arqueológicas, o que revela a importância histórica e cultural do projeto “Replicando o Passado”.
SUCESSO
De acordo com a filha Vanessa, as obras de Marivaldo são as mais procuradas no espaço e praticamente tudo já foi vendido ao público visitante.
“Primeiro dia de evento e as obras dele estão praticamente esgotadas. 25 peças do segmento arqueológico. A mais emblemática é a Urna Funerária Marajoara e foi a primeira a ser vendida. Foram 90 dias somente para produzir a Urna. Além das vendas das obras expostas na feira, os clientes já estão realizando pedidos para produção”, comemora a filha do artesão paraense.