Recentemente, vídeos na internet têm mostrado atores e atrizes interpretando médicos em produções roteirizadas, promovendo produtos sem registro na Anvisa e prometendo resultados milagrosos. Esses conteúdos, que frequentemente não avisam os espectadores de que são encenações, têm gerado preocupação e denúncias no Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp).
“Práticas como esta são extremamente perigosas, podendo ser consideradas um crime, de modo que as pessoas envolvidas podem responder, inclusive, por falsidade ideológica, uma vez que utilizam nomes de médicos verdadeiros para venderem medicamentos, suplementos, entre outros”, afirmou Angelo Vattimo, presidente do Cremesp.
Atores Alegam Desconhecimento
Fernanda Padilha e Sidnei Oliveira, dois dos profissionais envolvidos nessas gravações, relataram que se apresentaram como especialistas em vídeos, mas alegam ter interpretado personagens fictícios criados para fins publicitários. Os vídeos já foram exibidos e comentados no perfil do personal trainer Guga Figueiredo, que investiga a procedência de anúncios na internet.
Um dos vídeos analisados por Guga era uma entrevista no suposto programa “Saúde em Foco”, onde o “endocrinologista renomado” Ricardo Bruno discutia sobre uma bactéria que “acumula gordura corporal enquanto você dorme” e promovia o produto Night Slim. A gravação, com infográficos, filmagem de estúdio e depoimentos fictícios, foi posteriormente identificada como uma fraude, utilizando o nome e CRM do verdadeiro médico Ricardo Vasconcellos Bruno, um ginecologista do Rio de Janeiro, que denunciou o caso à polícia.
Denúncias e Repercussão
Sidnei Oliveira, o ator que interpretou Ricardo Bruno, afirmou que foi “contratado como ator para interpretar um personagem simples” e que não sabia do uso indevido de sua imagem para vender produtos. Ele informou que não participa mais das gravações e que suas cenas estão sendo retiradas dos vídeos.
Fernanda Padilha, que interpretou a apresentadora Vanessa Amorim e outras personagens médicas em diferentes vídeos, defendeu-se dizendo que “os vídeos distorcem sua índole e trabalho” e que ela apenas cumpriu contratos com empresas para as quais prestou serviços como atriz.
Reclamações de Consumidores
No site Reclame Aqui, consumidores relataram que, após assistir aos vídeos e comprar os produtos promovidos pelos falsos médicos, não receberam a mercadoria. Uma usuária contou que assistiu a um vídeo de Ricardo Bruno, que se apresentou como endocrinologista e professor da USP, e decidiu comprar o Night Slim. Ela entrou em contato com o suporte ao cliente no dia seguinte para cancelar a compra, preocupada com a veracidade das informações.
Respostas das Empresas Envolvidas
José Detzel, representante do Night Slim, afirmou que “Fernanda não representou nenhum papel de médica” e direcionou a reportagem ao advogado da empresa, sem fornecer contato. O advogado da VisiControl, outro produto promovido por Fernanda Padilha, declarou que o vídeo contava com avisos legais informando que se tratava de uma história fictícia e que o produto foi descontinuado.
Ações dos Órgãos Reguladores
A Anvisa declarou que não há nenhum medicamento registrado com o nome Night Slim e que somente medicamentos autorizados podem alegar propriedades terapêuticas. O Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) afirmou que o uso de testemunhais falsos é proibido e que suplementos alimentares não podem prometer cura ou benefícios diretos à saúde. O Conar também relatou um aumento em apelos irregulares no segmento durante a pandemia e que diversos processos já foram instaurados para verificar irregularidades.
Medidas do Cremesp
O Cremesp informou que as publicações investigadas não indicavam que os participantes eram atores, e oficiou o Ministério Público e a Polícia Civil para apurar os casos. O conselho reforçou a importância do uso do Guia Médico, disponível em seu site, que permite verificar a autenticidade dos profissionais de saúde.
“Recentemente, fui contratada por algumas empresas de suplementos vitamínicos para interpretar personagens fictícias em seus vídeos publicitários. Há aproximadamente três semanas, enviaram-me um vídeo produzido por um influencer que atribuía a mim responsabilidades que são das empresas contratantes, além de distorcer o meu trabalho e minha índole.
Por exemplo, o vídeo me acusa de “vender medicamentos falsos”, induzindo a audiência à ideia errada de que a responsabilidade pelos produtos é minha e de que existiu uma intenção minha de “vender medicamentos falsos”. Primeiramente, nunca fiz um vídeo publicitário para medicamento. Todos são suplementos nutricionais. Todo material publicitário foi gravado para a venda de suplementos alimentares e não de remédios.
Em nenhum momento foi gravado por mim algum conteúdo prometendo tratamento terapêutico ou até mesmo cura de doenças. Todos os contratos me eximem de toda e qualquer responsabilidade com relação à concepção do produto, sua validação perante órgãos pertinentes, conteúdo do roteiro, qualquer garantia expressa explícita ou implícita relacionada ao produto, além de qualquer ação legal decorrente do projeto. Além disso, as empresas têm a responsabilidade de informar expressamente que sou uma atriz interpretando uma personagem fictícia.
Os vídeos do influencer criaram uma falsa narrativa sobre meu trabalho e minha índole. Pessoas começaram a entrar na minha rede social para me xingar e difamar de forma extremamente agressiva. Esses vídeos foram compartilhados em grupos do WhatsApp pelo Brasil todo indiscriminadamente, me afetando pessoalmente. Foi então que comecei a fazer vídeos na tentativa de esclarecer sobre o trabalho do ator e sobre o que aconteceu comigo. Além de tudo isso, descobri sofrendo na pele que esse meio apresenta um problema sério que afeta principalmente a nós, atores, já que estamos expostos. Indivíduos que não possuem o direito da nossa imagem usam uma IA para fazer uma sincronização de lábio, mudam o texto completamente ou aproveitam parte do texto gravado e fazem o que querem com a nossa imagem, utilizando-a indevidamente.
Ontem fui informada de que 3 vídeos contendo minha imagem manipulada estavam circulando na rede. Antes de ontem, foram 4. Eu recorro aos contratantes que detêm a guarda da minha imagem para que solicitem a retirada do ar. Infelizmente, não tenho controle sobre isso porque as propagandas não chegam a mim. Assim que fui informada que alguns vídeos não tinham a legenda informando expressamente de que sou uma atriz e que as personagens são fictícias, solicitei aos meus contratantes, os quais não haviam colocado tais legendas, que retirassem os vídeos do ar imediatamente“, disse Fernanda Padilha ao g1.
*Feito com informações de G1.