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“A comunidade ribeirinha de Barcarena não tem mais onde pescar”, diz advogado ambientalista

Foto: Akira Onuma / O Liberal

O podcast e videocast “Amazônia no Ar” entrevistou o advogado ambientalista Ismael Moraes para falar sobre a condenação da Norsk Hydro em 50 milhões pela Justiça Estadual do Pará, por danos morais e coletivos aos associados da Cainquiama – associação de ribeirinhos de Barcarena.

Na conversa, o advogado afirmou que o valor não é o mais importante da decisão judicial. “A sentença é muito mais do que os 50 milhões. Ela obriga a Hydro a converter a matriz energética dele de combustíveis fósseis, que é altamente contaminante, para gás natural. E ela assinou uma resolução com o estado do Pará se obrigando a fazer isso até 2019. Foi nesse ano, quando passou o prazo, que nós ajuizamos a ação para obrigá-la a cumprir”, contou.

De acordo com a decisão judicial, em caso de não cumprimento por parte da empresa, a mesma terá que devolver R$ 7,5 bilhões que recebeu de incentivos fiscais.

HYDRO EM BARCARENA

Porto de Vila do Conde, em Barcarena. Foto: Hydro/João Ramid.
Porto de Vila do Conde. Foto: Hydro/João Ramid.

Ao ser questionado se a Hydro traz melhorias para a população de Barcarena, Ismael Moraes rechaça a ideia. “Empregados paraenses são dos cargos mais subalternos que tem na Hydro. Fora isso, qual é o retorno? Ela tem isenção, então não paga imposto, então o que ela está deixando aqui? Contaminação”, afirmou.

O advogado ainda defendeu a forma de viver das comunidades ribeirinhas e afirmou que a chegada das mineradoras só fez dificultar a sobrevivência dos mesmos. “As empresas chegam com um discurso de trazer riquezas e trabalho, mas as pessoas que vivem na forma tradicional ribeirinha, quilombola, ou indígena na Amazônia, vivem com alta qualidade de vida quando não há interferência externa. As pessoas comem muito bem, coletam frutos, elas pescam, caçam. Mas atualmente, em Barcarena, toda a comunidade ribeirinha não tem mais onde pescar porque a Hydro despeja uma quantidade de bilhões de litros de soda cáustica no rio Pará”, diz.

Ismael falou sobre as instituições públicas do estado e afirmou que ninguém age para combater as más práticas da empresa. “As autoridades públicas que podem fazer alguma coisa não agem. E quando as próprias lideranças de movimentos populares se corromperam, isso se transformou no que estamos vendo. Não é só o bolsonarismo que veio e atacou as instituições do país. As nossas instituições estão sendo corroídas á muito tempo”, lamentou.

E seguiu: “o problema começa nas campanhas eleitorais, em que as mineradoras financiam políticos, conquistam uma grande bancada no Congresso, depois se tornam parceiros dos governos e aí elas se tornam impunes. Só mesmo o Judiciário que pode impor uma obrigação como esta [a multa]. Porque as outras autoridades não tem independência para tratar das mineradoras.”, diz.

O advogado ainda chamou de criminosa toda a ação da Hydro no Pará. “De toda a delinquência que a Hydro foi flagrada em 2018, com galerias inteiras despejando afluentes contaminantes nos rios, ela não responde a nenhum processo criminal. Isso é uma vergonha! É a total impunidade. Se uma pessoa derruba uma árvore sem licença, a pessoa vai até presa. A Hydro devastou toda uma reserva ecológica que era para proteger as comunidades, retirou as árvores, retirou o solo, fez buracos enormes e colocou lá as bacias de rejeito. É completamente ilegal e criminosa a a instalação da Hydro onde ela está lá em Barcarena”, disse.

Por fim, ao ser perguntado se não tem medo de retaliações por ‘bater de frente’ com grandes conglomerados, Ismael afirmou que tem sim. “Medo a gente tem, o que a gente não pode ser é covarde. O medo faz parte da natureza humana.”, disse.

O QUE DIZ A HYDRO?

O BT Amazônia entrou em contato com a HYDRO para questionar sobre a decisão judicial e sobre a atuação da empresa no estado. Confira a nota na íntegra:

A Justiça brasileira de primeira instância em Belém, no Estado do Pará, proferiu decisão sobre o caso ICMS/GNL movido pela Cainquiama contra Albras, Alunorte, Hydro Paragominas e Norsk Hydro Brasil. Este é um dos cinco processos em andamento de casos que a associação Cainquiama moveu contra a Hydro no Brasil.

A decisão de primeira instância determina que as empresas paguem R$ 50 milhões de danos morais à Cainquiama por suposto atraso na implementação do projeto de troca de matriz energética da Alunorte. A decisão judicial também inclui a obrigação de demonstrar que o projeto de troca de matriz energética está sendo implementado na Alunorte.

A Hydro confirma que o projeto de troca de matriz energética está sendo implementado na Alunorte e nega as acusações previstas na decisão judicial, que será objeto de recurso pela Hydro.

O acordo de ICMS de longo prazo, pactuado em 2015 com o Estado do Pará, incluiu o compromisso de implementar um projeto de troca de matriz energética na refinaria de alumina Alunorte. O projeto envolve a substituição do óleo pelo gás natural no processo de refino e exigiu um número significativo de investimentos, alguns dos quais não dependeram da Hydro para se concretizar.

Entre outras coisas, o compromisso de troca de matriz energética estava condicionado à construção de um terminal de gás no estado do Pará pela Gás do Pará. A Alunorte está implementando com sucesso o projeto de troca de matriz energética e iniciou o consumo de gás no primeiro trimestre de 2024, assim que o terminal foi construído e o gás foi disponibilizado pela primeira vez pelo fornecedor de gás.

As empresas da Hydro no Brasil detêm todas as autorizações e licenças necessárias para operar e, ao implementar o projeto de troca de combustível, a Alunorte fortalecerá sua atual posição de liderança como um dos produtores mundiais de alumina de baixo carbono. Além disso, ao trazer gás para o Estado do Pará, o projeto de troca de matriz energética atuará como um facilitador para um maior desenvolvimento da infraestrutura de gás na região.”

O BT também solicitou um posicionamento da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará acerca das afirmações do advogado Ismael Moraes. Até o momento não tivemos retorno, o espaço segue aberto.

CONFIRA A ENTREVISTA NA ÍNTEGRA:

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