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Depoimentos exclusivos e a linha do tempo da briga familiar de R$ 165 milhões em dívidas; entenda o caso Hiléia

Fábrica Hiléia

Com três fábricas, cinco filiais e mais de 100 produtos em sua linha, a Fábrica Hiléia é uma sociedade entre três famílias: a família Melo, a família Araújo e a família Gabriel (sim, do ex-governador do Pará, Almir Gabriel). A gestão do negócio sempre esteve dividida entre os sócios e, até 2012, a Hiléia mantinha-se como a maior da região norte no segmento. 

Naquele ano (2012), o sócio Silvio Ubirajara de Oliveira Gabriel faleceu e, a partir de então, uma enorme briga familiar que corre na Justiça colocou a empresa na dramática situação atual: uma das fábricas fechadas, diversos funcionários demitidos e uma dívida de, aproximadamente, R$ 165 milhões de reais. 

Mas para entender essa história melhor, vamos conhecer um pouco mais os personagens centrais.

Briga na Hiléia envolve dívida milionária.
Hiléia.

Hélio Melo Filho, herdeiro do sócio fundador Hélio Melo, o empresário tem mais de 15 empresas em seu nome como a Village Incorporação e Administração de Negócio LTDA, Melo & Melo S/C LTDA, Fundição Melo LTDA, entre outras. Enquanto diretor Comercial, ele é acusado de pegar empréstimos da Hiléia e nunca retornar o valor para a empresa.

Sérgio de Oliveira Gabriel, filho de Maria Perpétua e irmão de Silvio Gabriel – todos da família do ex-governador do Pará Almir Gabriel. Ele é diretor industrial da Hiléia e é acusado por outros herdeiros da família de ter transferido as ações da mãe para si mesmo de forma ilegal.

Odilardo Ramos de Araújo Jr., o representante da família Araújo era o diretor financeiro da empresa até afastamento por meio de decisão da Justiça em junho de 2022 após decisão judicial.

A BRIGA JUDICIAL

De acordo com documentação que o BT teve acesso, a disputa interna na empresa já vem se arrastando há algum tempo. Os sócios Hélio Melo e Sérgio Gabriel entraram com ação para destituir Odilardo Araújo Jr do cargo de diretor financeiro sob acusação de desvio de dinheiro da empresa. Entretanto, após apuração da Polícia Judiciária e do Ministério Público, ficou constatado que nenhum recurso da Hiléia foi utilizado por Odilardo para ganhos pessoais.

Mesmo assim, na área cível, a decisão foi pelo afastamento de Odilardo da direção financeira da Hiléia em junho de 2022. Fato este que levou a defesa dele a protocolar uma ‘Exceção de Suspeição’ – que é quando uma das partes se vê prejudicada/impossibilitada de fazer seu trabalho em determinado processo e suspeita da falta de imparcialidade do ente judiciário no caso. O magistrado, neste caso, está sob investigação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

ESTELIONATO E FRAUDE

As acusações contra Hélio Melo Filho são diversas. Ele teria praticado apropriação indébita, lavagem de dinheiro, estelionato e outras fraudes após a morte do pai, Hélio de Moura Melo.

Uma das acusações mais graves é a de que Hélio Melo Filho responde como representante do espólio do pai quando o mesmo já nem existe desde 2011.

Outra grave acusação é a de que o diretor Comercial teria recebido notas fiscais ‘frias’. Ele teria dito a empresa que repassaria o valor a distribuidora de trigo, o que foi feito, mas a carga de trigo nunca foi entregue à Hiléia e o dinheiro teria sumido após a negociação.

Além disso, de acordo com cheques datados em dezembro de 2018 e março de 2019, Hélio teria pegado valores emprestados da Hiléia sem nunca ter devolvido o dinheiro. Entre os documentos obtidos pelo BT, existe uma nota promissória com valor de R$ 20 mil, outra com valor de R$ 17.268,85. Veja:

Nota promissória da Hiléia com valor acima de R$ 17 mil.
Nota promissória da Hiléia com valor de R$ 20 mil.

Após o afastamento do diretor financeiro, os valores que saíam da Hiléia passaram a ser mais constantes e com valores maiores, mas existem movimentações que chamam mais atenção. É o caso de diversos cheques nos valores de R$ 100 mil, R$ 50 mil, R$ 40 mil, R$ 30 mil, todos da Hiléia para Hélio Melo Filho entre julho e novembro de 2023. O curioso? Todos estes valores teriam sido sacados na lotérica de Roberto Melo, irmão de Hélio Melo Filho.

Agora, quando o assunto é Sérgio de Oliveira Gabriel, a acusação é de que ele teria induzido a mãe, Maria Perpétua de Oliveira Gabriel, a doar as próprias ações para ele, o que deu a Sérgio direito a voto na empresa. Tudo isso teria sido feito à revelia dos demais herdeiros da matriarca.

Foi após conseguir o direito de voto que Sérgio, junto de Hélio Melo, entrou na Justiça para afastar o diretor financeiro Odilardo Jr.

Em conversa com o BT, um membro da família Gabriel, que não quis ser identificado, falou sobre a empresa. “Quem conhece a Hiléia sabe do crescimento exponencial que teve, e hoje ver as coisas desse jeito é triste. Que fique claro, ninguém quer destruir a imagem da Hiléia, muito pelo contrário, é questão de orgulho salvar a empresa, não é só dinheiro”, disse.

Ele comentou ainda sobre as ações de Sérgio Gabriel. “Em 2012, o Sérgio Gabriel passou de forma ilegal as ações da mãe dele, ultrapassando o percentual de 50% que ele poderia ter, isso tudo sem o conhecimento dos acionistas da família. Em 2015, a empresa passou a não dar mais lucro, as contas começaram a não ser pagas em dia, com problemas com fornecedores e compromissos comerciais”, afirmou.

Sobre as disputas entre Hélio e Sérgio contra Odilardo, um dos membros da família Gabriel afirmou nunca ter acreditado na versão dos atuais diretores. “Eles propuseram uma auditoria para tentar provar as supostas fraudes do Odilardo, no entanto, essa auditoria nunca foi apresentada. Em outro momento, o Odilardo fez uma operação dentro da empresa sobre uma nota para a compra de trigo, a nota foi emitida, porém o material físico nunca apareceu na empresa, eles aplicavam notas frias”, disse.

HILÉIA

Nesta segunda-feira, 18, uma Assembleia Geral extraordinária foi marcada para tentar novamente levar a discussão a situação atual da empresa e as ações de Hélio Melo e Sérgio Gabriel. Entretanto, o que se viu foi muita confusão. 

De acordo com informações obtidas pelo BT e vídeos enviados com exclusividade, diversos sócios tiveram dificuldade em acessar o prédio da empresa porque foram barrados na entrada.

Depois da publicação do BT, os sócios teriam sido liberados para entrar na fábrica, mas alguns foram hostilizados e proibidos de tentar filmar qualquer ação. 

Depois de muita confusão, a AGE não aconteceu. Isto porque foi exigido que Hélio de Moura Melo Filho apresentasse o documento do juízo que o colocava como representante do espólio do pai, Hélio de Moura Melo – que, de acordo com ações na Justiça, já não existe mais desde 2011, o que tornaria a participação inválida. 

Como o documento não foi apresentado, Hélio de Moura Melo Filho teria se retirado do local juntamente com alguns sócios. Sendo assim, o quórum não foi atingido e uma nova data para a AGE foi marcada: sexta-feira, dia 29 de março.

DEPOIMENTOS

O BT conversou com quatro ex-funcionários do Grupo Hiléia que falaram sobre a situação da empresa. Dois deles trabalharam lá por décadas. “Seu Silvio Gabriel foi uma excelente pessoa, sempre procurou ser muito justo com os funcionários. Depois que ele morreu, muitas coisas mudaram. Seu Silvio sempre circulava pela fábrica, falava com os funcionários. Quando entrou o substituto dele, o Sérgio Gabriel, viram essa diferença. Ele não tinha tanto interesse pelos funcionários, pela produção em todos os setores”, afirmou uma testemunha.

Outra testemunha, ao ser perguntada sobre as mudança na diretoria da empresa, afirmou: “os diretores trouxeram essas brigas deles para os funcionários, não tinha mais harmonia. Era briga por poder. Quando o Silvio estava lá, até a programação da produção ele compartilhava com as pessoas que devia. Quando ele faleceu, já começaram a produzir de qualquer forma, aumentavam muito os estoques, não tinha mais grade de produção e isso trouxe muito prejuízo”, contou.

O afastamento do diretor financeiro, Odilardo Jr, também trouxe mudanças à empresa, de acordo com outra testemunha. Até mesmo perseguições teriam acontecido. “Com a saída dele, a disputa aumentou. Funcionários foram perseguidos porque seu Sérgio e seu Hélio não admitiam que os empregados tivessem nenhum tipo de contato com seu Odilardo. Se eles descobrissem que tinha qualquer tipo de contato, eles demitiam a pessoa. Mais de 30 pessoas foram demitidas nessa situação”, revelou. De acordo com a testemunha, até mesmo para quem era demitido as perseguições continuavam. “A pessoa demitida não conseguia outro emprego porque eles ligavam para clientes e fornecedores e falavam mal dos funcionários porque tinham contato com seu Odilardo”, contou.

De acordo com as testemunhas, as disputas entre os diretores chegou até os funcionários. “Seu Hélio e seu Sérgio queriam que as pessoas ‘tomassem as dores’ deles. Ou você estava com eles, ou estava fora da empresa. E aí quem ficava em silêncio, omisso, ou de repente mostrava algum tipo de apoio ao seu Odilardo era perseguido, era demitido, ameaçado. Eles falavam coisas como “se soubermos de algum repasse de informação para o Odilardo, a pessoa será demitida”. Era assim que acontecia”, contou.

Sobre o cenário atual da Hiléia, uma das testemunhas afirmou se tratar de um quadro preocupante. “O cenário é bem crítico. A empresa está sendo executada, tem muitos fornecedores cobrando, ela não está produzindo quase nada, foi despejada do prédio em Belém por não pagar o aluguel. Enfim, a situação é bem preocupante mesmo”, afirmou.

O QUE DIZEM OS CITADOS?

Em nota, a Hiléia afirmou que o ex-diretor financeiro, Odilardo Araújo, e o filho dele, Jaime Fonseca Araújo, teriam criado outra empresa concorrente de fabricação de massas e biscoito, o que seria uma violação do estatuto da Hiléia. Confira a nota na íntegra:

O BT também solicitou um posicionamento para Hélio Melo Filho e Sérgio de Oliveira Gabriel, mas não teve retorno até o fechamento desta matéria. O espaço segue aberto.