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CEO da Vale diz que empresa faz “Mineração sustentável”: o greenwashing repetido muitas vezes para parecer verdade 

Imagens: Vale/ Agência Brasil

Recentemente a Vale divulgou um vídeo no LinkedIn, onde o CEO recentemente promovido, Gustavo Pimenta, propaga a ideia de que a atuação da empresa no setor mineral seria sustentável. Em um dos trechos o executivo afirma que a mineração é importante para a transição energética e finaliza com a frase que já virou mantra no marketing da mineradora, “e mineração sustentável”. Mas será que a mineração sustentável existe? Se você souber um pouquinho da verdade sobre essa atividade, entenderá que a resposta é um taxativo “não”.  

A campanha publicitária tenta suavizar a imagem de uma das maiores mineradoras do mundo, marcada por desastres ambientais devastadores, como o rompimento das barragens em Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais. No entanto, a realidade sobre a mineração e seus impactos revela que o termo “mineração sustentável” não passa de uma tentativa bem orquestrada de greenwashing. 

O primeiro ponto fundamental é compreender que a mineração, por definição, envolve a extração de recursos naturais não renováveis. O buraco que a mineração deixa com sua exploração é irreparável. Minerais como ferro, ouro, bauxita e outros são retirados do solo em grandes quantidades, deixando cicatrizes na terra e no ecossistema. A gênese do processo de mineração exige a remoção de enormes áreas de vegetação, geralmente em regiões de grande importância ecológica, como a Amazônia. Além do desmatamento, o solo é drasticamente afetado pela atividade. Além disso, os recursos hídricos são afetados, com a contaminação por metais pesados e produtos químicos tóxicos, que impactam a biodiversidade e as comunidades locais por décadas ou até séculos.

CEO
Quebra da barragem da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG). Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Apesar das promessas de restauração ambiental feitas por mineradoras como a Vale, a verdade é que a recuperação integral de ecossistemas destruídos é impossível. Solo, fauna e flora que foram removidos para a extração mineral não retornam às condições originais. Mesmo com investimentos em reflorestamento ou reabilitação, os impactos permanentes dessa atividade desmentem veemente a campanha de “mineração sustentável”.

Outro aspecto crítico da mineração é a poluição gerada. Além da contaminação dos cursos d’água com metais pesados, como o mercúrio, usados em processos de extração, há a emissão de poeira tóxica e gases poluentes, que são as principais causas do aquecimento global. A drenagem ácida de minas, que ocorre quando rochas expostas à água e ao ar liberam ácido sulfúrico, continuam a contaminar o meio ambiente muito tempo após o fim da exploração.

Para a geógrafa Bárbara Paiva a mineração em si é insustentável por natureza, uma prática predatória de recursos naturais finitos, que geram dezenas de mazelas socioambientais.  “Essas atividades adotam práticas de sustentabilidade (social, ambiental e econômico) para se adequar às leis que obrigam empresas a adotar práticas sustentáveis, como a Política Nacional de Resíduos Sólidos e a Política Nacional do Meio Ambiente, além de que adotando essas iniciativas recebem isenção fiscal. Mas no fim das contas é tudo por dinheiro”, afirma. 

Imagem: reprodução/ Folha

A pesquisadora ainda questiona a destinação das barragens de rejeito. “Por que não solucionam o problema das barragens de rejeito, responsáveis pelo maior crime ambiental da história do Brasil? Sendo que há possibilidades de reaproveitar esse material tóxico e transformar em cimento, concreto, asfalto ou outro material de construção. Mas simplesmente não reaproveitam o lixo do rejeito, porque o custo de investimento é muito alto em transformar em algo útil, para eles simplesmente não vale a pena, e isso não é sustentabilidade”, afirma Bárbara, referindo-se a casos como Brumadinho, em 2019, e o rompimento da barragem da Vale que resultou em um dos maiores desastres ambientais do Brasil, matando 270 pessoas e despejando toneladas de lama tóxica no rio Paraopeba. 

Segundo a pesquisadora, outro ponto contraditório é a descarbonização, que segundo ela também é atividade de gênese poluidora. “E falar de descarbonização chega ser irônico, pois a indústria é a segunda maior atividade poluidora da atmosfera no país, só perde para o desmatamento. Pode sim ajudar na descarbonização com minerais que são usados por bateria elétrica. Mas a mitigação da empresa não compensa os danos provocados, não há sustentabilidade de fato na mineração, há greenwashing e muito lucro”, afirmou. 

O presidente do Instituto dos Ribeirinhos do Pará, Paulo Feitosa, defendeu que a ideia de “sustentabilidade” por parte da empresa ainda é algo distante. “O posicionamento da Vale, referente à sustentabilidade, eu acho que ainda está muito longe. Pelo fato de que, em todos os grandes empreendimentos de mineração, a Vale é a maior mineradora do mundo. Mas nessa questão de sustentabilidade, ela é a maior destruidora do meio ambiente e a maior emissora de gás carbono no mundo”, criticou.

Ele ainda criticou a fala do CEO da empresa e afirmou não acreditar. “Eu não consigo acompanhar o que está falando esse diretor da Vale, dizendo que a empresa está se tornando uma empresa sustentável. Ela pode ser sustentável economicamente, mas ambientalmente ela não se demonstra nada sustentável dentro do Brasil e eu acredito que fora também”, disse.

Impactos sociais e violações de direitos

A mineração também tem um impacto social profundo, sobretudo em áreas de atuação como a Amazônia. Comunidades indígenas, quilombolas e rurais são forçadas a se deslocar devido à expansão de projetos mineradores. Essas populações frequentemente perdem suas terras, meios de subsistência e modos de vida tradicionais. A mineração também está envolvida em conflitos ambientais e sociais. Há relatos frequentes de intimidação, de ativistas ambientais que se opõem à exploração mineral, especialmente em regiões mais remotas da extensa área Amazônica. As promessas de desenvolvimento econômico para as comunidades não se cumprem, com os lucros das operações beneficiando principalmente as grandes corporações e seus acionistas.

Imagem: Reprodução/ Internet

O advogado da APOVO – Associação das Populações organizadas Vitimas das Obras no Rio Tocantins e Adjacências, Ismael Moraes, também comentou sobre a fala do CEO da Vale. “A Vale utiliza expressões como sustentabilidade e transição energética sem explicar como apagar o passivo que deixam do passado. E ainda sem tocar no risco que causam no presente – como as barrages do Geladinho e S11, cujo rompimento, absolutamente factíveis, pode varrer bacias hidrográficas inteiras até chegar no Lago de Tucuruí e, enfim, inundar Belem. Ou como no futuro poderão descomissionar essas
monstruosidades. A única coisa de concreto para as populações locais é a certeza de que não há contrapartidas para remediar os riscos e impactos”, disse.

Greenwashing: marketing para mascarar a realidade

Empresas como a Vale utilizam estratégias de greenwashing para suavizar a percepção pública sobre seus impactos ambientais. Vídeos, campanhas publicitárias e relatórios de sustentabilidade são divulgados para destacar ações “verdes”, como projetos de reflorestamento ou compromissos com a redução de emissões de carbono. Contudo, essas iniciativas representam uma pequena fração dos danos causados pela mineração em larga escala.

A ideia de “mineração sustentável” falha em enfrentar o fato de que a extração de recursos finitos e a destruição de ecossistemas vitais são intrinsecamente insustentáveis. Embora algumas práticas possam reduzir os impactos, como o uso de tecnologias mais eficientes, a mineração em sua essência é uma atividade predatória.

O futuro da mineração e a urgência de um novo paradigma

Diante da crise climática global, a humanidade precisa urgentemente repensar seus modelos de exploração de bens naturais. A transição para uma economia circular, que priorize a reutilização de materiais e a redução de resíduos, é uma alternativa real à dependência de novas explorações minerais. A sustentabilidade verdadeira exige a preservação dos ecossistemas e o reconhecimento de que os bens da Terra não são “recursos”e não são infinitos.

Portanto, enquanto a Vale e outras empresas mineradoras continuarem promovendo o mito da “mineração sustentável”, cabe ao público e às autoridades exigir maior responsabilidade e transparência. A verdadeira sustentabilidade só será possível quando houver uma mudança estrutural na maneira como lidamos com os bens naturais, e isso não pode ocorrer com a mineração como atividade de acumulação de capital, como ela é praticada hoje.