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Change.org indica petição bolsonarista a usuários e ganha dinheiro com “turbinada”

Apoiadores podem ter investido R$ 140 mil para mostrar petição em oposição à Carta pela Democracia a mais pessoas

Foto: Reprodução.

Via Agência Pública, por Laura Scofield.

Assim que alguém assina uma petição no site Change.org, é oferecida uma opção para auxiliar ainda mais a causa escolhida: “turbinar” o manifesto. Por meio da ferramenta, as pessoas podem pagar para que o texto que acabaram de assinar seja indicado a pessoas que assinaram outras petições, mesmo que de temas completamente diferentes. “A turbinada nos permite promover a petição na plataforma da Change.org e através de e-mail”, explica o site da empresa. 

Até o dia 4 de agosto, mais de 7 mil pessoas já haviam “turbinado” o “Manifesto à Nação Brasileira – Defesa das Liberdades”, nome da carta criada em 28 de julho pelo grupo Advogados de Direita Brasil (ADBR) em oposição à Carta pela Democracia, de ex-alunos da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e que será lida publicamente hoje. 

De acordo com o site da Change.org, o impacto do gasto pode ser medido em números: “as pessoas que promoveram com alguma quantia permitiram que esta petição recolhesse 26.629 assinaturas adicionais”.

Reprodução da “turbinada” no “Manifesto à Nação Brasileira” no site Change.org. Foto: Reprodução.

Procurada pela Agência Pública, a plataforma não informou quanto recebeu, no total, com o valor doado pelos signatários, alegando “uma questão de privacidade do próprio usuário”. 

Porém, após assinar uma petição, a Change indica que o usuário contribua financeiramente com R$ 20 para aumentar o alcance da causa. Caso todas as pessoas que turbinaram o manifesto bolsonarista tenham contribuído com o valor indicado, a plataforma pode ter ganhado pelo menos R$ 140 mil reais. 

Para convencer as pessoas a doarem, a Change mostra exemplos de outros usuários que investiram na divulgação de determinada petição. No site, é possível ver 15 exemplos de “turbinadas” ao manifesto bolsonarista, que totalizam R$ 869. Destas, o valor mais alto investido por uma pessoa só foi R$ 263 e a média de doações é R$ 58. “Sua contribuição pode ajudar a Change.org a alcançar novos apoiadores potenciais em questão de horas”, diz a rede.

Change pode ter arrecado pelo menos R$ 140 mil reais com doações; nomes e fotos dos doadores foram tarjados. Foto: Reprodução.

No dia 4 de agosto, a reportagem fez um teste e assinou um manifesto pedindo o aumento da fiscalização em hotéis para cães. Como resultado, recebeu como indicação da Change o manifesto bolsonarista. O mesmo aconteceu no dia 10 de agosto, depois que a reportagem assinou outra petição, que pede que o Instagram diminua a sugestão de vídeos. Nos dois casos a primeira recomendação da plataforma foi o abaixo-assinado dos Advogados de Direita do Brasil.

Change indica manifesto bolsonarista a usuários que assinam petições em seu site. Foto: Reprodução.

Manifesto dá apoio a Bolsonaro e critica STF

Lançado em 28 de julho, o manifesto bolsonarista e a Carta pela Democracia estão alternando no ranking do maior número de assinaturas. No dia em que esta reportagem foi publicada, o texto da USP tem 874.714 assinaturas, enquanto o do ADBR soma 845.818.  A Agência Pública já mostrou que robôs, influenciadores e blogs governistas ajudaram a bombar a petição nas redes.

O manifesto foi assinado e divulgado também por nomes de peso do grupo, como as deputadas Carla Zambelli (PL-SP) e Bia Kicis (PL-DF). O texto afirma que existe a tentativa de imposição de uma “ditadura do pensamento único” e critica o Supremo Tribunal Federal, porém sem mencionar a corte nominalmente. 

“Testemunhamos a instauração de inquéritos ilegais e inconstitucionais com o simples objetivo de criminalizar a opinião contrária, pelo órgão que deveria zelar pelos direitos fundamentais da população, mas que seguem abolindo nossas liberdades individuais e garantias fundamentais”, escreve a carta. 

O texto se diz “em apoio ao Presidente do Brasil Jair Messias Bolsonaro” e ataca quem identifica seus apoiadores como “incentivadores de atos antidemocráticos e de divulgadores de fake news“. 

“Os milhões de cidadãos brasileiros, incluindo o Presidente da República Federativa do Brasil, o Exmo. Sr. Jair Messias Bolsonaro, em suas liberdades individuais buscam posicionar-se perante a sociedade com opiniões acerca de temas importantes para nação, no entanto, sofrem ataques infundados por pessoas que não respeitam opiniões diferentes das suas”.

De acordo com entrevista do presidente do grupo, Paulo Maffioletti, à Gazeta do Povo, o ADBR foi fundado como um grupo a favor do atual presidente da República e levava “pró-Bolsonaro” no nome. O nome teria sido trocado para incluir advogados conservadores e de direita, “mesmo que não morram de amores por Bolsonaro”. 

O parágrafo com essas informações foi excluído da reportagem após a publicação, mas ainda está registrado no arquivo da web.

A intenção do Manifesto pela Liberdade é ser lido no dia 7 de setembro, data para a qual Jair Bolsonaro convocou atos no Brasil inteiro, incluindo um em Copacabana, no Rio de Janeiro, onde deve comparecer.

Carta da USP teve 15 mil nomes barrados, segundo organizadores

Nas redes sociais, a advogada Gessica Almeida, uma das responsáveis pelo manifesto bolsonarista, afirmou que o gerenciamento de assinaturas no texto do ADBR é feito a partir do controle de IPs (números únicos que identificam os computadores conectados à internet). Dessa forma, não seria possível que uma mesma pessoa assinasse diversas vezes o manifesto, o que garantiria a segurança e validade do mesmo.

Gessica Almeida, uma das responsáveis pelo manifesto bolsonarista. Foto: Reprodução.

A lista completa de assinantes da petição bolsonarista não é pública, ao contrário do que dizem seus organizadores. 

Em retorno à Pública, a Change.org não detalhou como funciona o sistema de monitoramento anti-fraudes. A plataforma afirmou que uma das medidas de segurança é “identificar casos de repetição em massa de IP de um mesmo usuário nas assinaturas de uma petição”, mas não revelou o que é considerado repetição em massa. 

De acordo com a empresa, “nenhum comportamento fraudulento foi identificado no presente manifesto”. “Enquanto plataforma facilitadora de mobilizações, reconhecemos o nosso papel e estamos atentos à segurança da rede diante do contexto atual do Brasil, especialmente nessas eleições”, acrescentou. A empresa não confirmou os valores recebidos e ressaltou que “a Change.org é uma organização sem fins lucrativos”.

A segurança dos abaixo-assinados da plataforma é feita por “uma equipe de engenheiros” que se localiza nos Estados Unidos e em outros países do mundo. A Change disse que conta com “sistemas automatizados e equipes dedicadas a bloquear e remover assinaturas em duplicidade ou fraudulentas”, o que combina “detecção de bot em tempo real, verificação de e-mail e reconhecimento de padrão pós-processamento”, mas não respondeu quantas pessoas seriam responsáveis pela fiscalização do Manifesto pela Liberdade. Confira na íntegra.

O advogado Paulo Faria, também integrante do ADBR, criticou a Carta pela Democracia em um tuíte: “A tal ‘Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito’ está hospedada em PLATAFORMA PRÓPRIA, ONDE QUEM CONTROLA SÃO OS PRÓPRIOS AUTORES. Até em CARTA ABERTA a esquerdalha faz algo nebuloso. O nosso manifesto é PÚBLICO e AUDITÁVEL. Cai quem quer”. 

A reportagem pediu à Change e ao ADBR acesso à lista completa de assinaturas, mas a empresa afirmou que não pode compartilhar o documento por conta da Lei Geral de Proteção de Dados, e o grupo de advogados não retornou. 

Os mantenedores do site da Carta pela Democracia também foram ouvidos pela Pública sobre suas medidas de segurança. 

De acordo com Miguel Matos, do veículo jurídico Migalhas, responsável pelo site, existe uma equipe de seis pessoas que realiza a checagem e validação das assinaturas. Segundo ele, mais de 15 mil nomes já foram barrados pelas medidas, que incluem a necessidade de preencher um CPF válido, a checagem dos assinantes quando o número sobe muito rápido, a avaliação dos nomes e a análise das inscrições feitas por um mesmo IP. 

Dessa forma, a partir de duas assinaturas feitas por um mesmo IP, os nomes seriam enviados para análise da equipe. Matos também afirmou que teriam sido criados filtros para impedir a inclusão de nomes que declarem posicionamento político ou tenham duplo sentido.

Além disso, a lista completa dos assinantes do manifesto da USP pode ser consultada na plataforma e nomes duvidosos podem ser enviados aos organizadores para checagem.

Texto: apublica.org.