Via Agência Pública, por Laura Scofield.
Mais de 30 pessoas ficaram por mais de cinco horas e meia ouvindo falas repletas de “juridiquês” em uma sala apertada do Senado Federal nesta terça-feira (30). O público estava engajado, e, passadas quase seis horas de debate, o presidente da sessão, o senador Eduardo Girão (Podemos-CE) teve que pôr fim à reunião.
Online, o evento foi acompanhado por cerca de 1,5 mil pessoas no canal do Senado no Youtube, e mais de 9 mil no canal Folha Política, que também transmitiu a audiência. O Folha Política já foi acusado de propagar informações falsas. No ano passado, o canal teve sua monetização temporariamente suspensa pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no âmbito do inquérito sobre ataques ao sistema eleitoral.
Criada para “debater o conflito de opiniões” sobre o Inquérito das Fake News e “a violação do devido processo legal, dos direitos e garantias individuais e o do sistema acusatório”, a audiência foi um sucesso para os governistas.
Embora visasse abordar o inquérito como um todo, o tema que prevaleceu foi a busca e apreensão sofrida por empresários que defenderam o golpe militar em um grupo privado de WhatsApp, como revelou o Metrópoles.
Entre os convidados, o advogado-geral da União, Bruno Bianco Leal, o jurista Ives Gandra e o ex-procurador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, que hoje é candidato a deputado federal pelo Paraná pelo Podemos, foram os mais elogiados nas falas dos presentes. Dos três, apenas o advogado-geral compareceu presencialmente, Dallagnol e Gandra participaram por videoconferência. O deputado federal Daniel Silveira (PL-RJ) também apareceu de surpresa e, online, fez uma fala de seis minutos.
Silveira acusou o ministro Alexandre de Moraes, que ordenou que o deputado fosse preso em fevereiro de 2021, de cometer crimes “deliberadamente e reiteradamente”. Em março deste ano, o deputado colocou uma tornozeleira eletrônica e somente pôde transitar entre o Rio de Janeiro e o Distrito Federal.
“Peço aos senhores senadores e senhoras senadoras que, independente do viés político, vocês tenham a noção do que vai acontecer com esse desdobramento do ativismo judicial aqui no Brasil. O Legislativo representa legitimamente o povo e está sendo solenemente ignorado por alguém que foi catapultado ao cargo de ministro, indicado por um presidente, e não respeita aquilo que deveria ser preconizado, as leis constitucionais que estão acima de tudo”, disse.
Alexandre de Moraes foi convidado, mas não compareceu.
As falas no Senado
Pouco depois das 10h da manhã, Girão abriu a audiência. De acordo com ele, a operação de busca e apreensão foi “uma violência contra empreendedores que geram riquezas para o Brasil”. “A gente tinha que dar prêmios [aos empreendedores], aí a gente faz um negócio desse e tira a rede social, tira a voz? É como se a gente colocasse uma mordaça [neles]”.
O senador também indicou se preocupar com as possíveis consequências da ordem de Moraes para a campanha de Jair Bolsonaro: “Não pode pegar um dos maiores mobilizadores de um candidato, um dos empresários, e tirar a palavra dele”.
Já Bruno Bianco Leal fez uma fala de mais de meia hora sobre os argumentos jurídicos que a Advocacia-Geral da União — e ele, pessoalmente — utilizam para questionar o inquérito. “Eu sou contra a difusão de notícias falsas, terminantemente contra, seja qualquer que seja o autor da divulgação, pequeno, médio ou grande. No grupo [de WhatsApp] ou em uma grande rede de TV. Mas o combate às fake news não me parece que seja algo, hoje, criminal”, acrescentou.
O ministro elogiou Girão por sua suposta “imparcialidade” ao conduzir a audiência.
Depois, o jurista Ives Gandra argumentou que o que os empresários fizeram não representa “risco algum”. “Não posso imaginar os oito empresários comprando tanques, aviões, que entrassem pelas fronteiras do Brasil para poder aí realmente colocar uma grave ameaça à democracia”.
Depois de Gandra, Deltan Dallagnol disse que o inquérito da “mordarça” é “assustador” e “atacou as forças ligadas ao Presidente da República num processo ilegal, sem provas”. Ele lembrou de sua experiência na Lava Jato como exemplo de condução legal de um processo de investigação, omitindo os desdobramentos que levaram à anulação de condenações por suspeição do então juiz Sérgio Moro. “A ausência de uma base fática ou jurídica aponta que o objetivo das medidas na verdade não é investigar crimes, e é sim coibir a manifestação política de sete de setembro com base em uma representação feita pelo PT e pelo PSOL”.
Além dos citados, também participaram do evento o advogado e jurista, Valmir Pontes; o Procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo, César Dario Mariano da Silva (online); e o Procurador de Justiça do Mato Grosso do Sul, Sérgio Fernando Raimundo Harfouche. Todos criticaram o inquérito e a decisão de Moraes. A audiência foi promovida pela Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor e contou com a presença de oito senadores membros, entre titulares e suplentes, e outros cinco não membros.
Outra audiência de mesmo teor acontece hoje (31) na Câmara, na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado.
Os posts nas redes
Nas redes sociais, parlamentares e influenciadores bolsonaristas usaram a chance para engajar sua base. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), além das deputadas Carla Zambelli (PL-SP) e Bia Kicis (PL-DF) foram os parlamentares que mais engajaram a audiência em número de retuítes.
Eduardo foi o campeão: chegou a 8.977 retuítes em duas publicações que continham os termos “empresários” e “STF” entre os dias 22 e 30 de agosto. Seus posts foram curtidos por mais de 35 mil pessoas e comentados por mais de 1,6 mil. O filho do presidente foi seguido por Zambelli, que alcançou 4.994 retuítes e 2,3 mil curtidas.
O maior número de tuítes sobre o tema foi registrado no dia 23, quando ocorreu a busca e apreensão: 3.546 publicações foram feitas no Twitter sobre o tema. Depois, o número diminuiu, chegando ao mínimo no dia 27, quando foram feitos apenas 261 tuítes. Entretanto, no dia 29, houve um aumento e o Twitter registrou 1.027 publicações sobre os empresários.
Segundo uma análise da consultoria Palver, essa movimentação é “atípica”. A consultoria avalia que a diminuição é natural, mas a retomada e a tendência de alta pode indicar uma intenção da campanha em usar o tema.
No Telegram, ao menos 523 postagens com os termos “empresários” e “STF” foram feitas em canais e grupos bolsonaristas entre 23 e 30 de agosto. “Moraes fez mais buscas/apreensões hoje! Mandou a PF a casa (sic) de empresários apoiadores de Bolsonaro que criticaram, em grupo de WhatsApp, a atuação de ministros do STF [Supremo Tribunal Federal]. Marquem minhas palavras: até as eleições, ou Bolsonaro ou Moraes sai de cena; os dois no mesmo campo não dá”, dizia o texto mais encaminhado. A mensagem foi encaminhada ao menos 57 vezes e chegou a 11.434 visualizações. A tendência de diminuição e crescimento das citações identificada no Twitter se repetiu no Telegram, mas em menor escala.
As citações diretas ao ministro Alexandre de Moraes também aumentaram, tendo chegado ao maior número desde o ano passado. O nome do ministro registrou seu ápice em citações no Telegram entre os dias 21 e 27 de agosto, tendo aparecido 545 vezes nos grupos. Na semana anterior havia aparecido 229 vezes.
Já em grupos de WhatsApp bolsonaristas, nos dias 24 e 27 de agosto, imagens que criticaram a decisão de Moraes ficaram entre as com mais interações, de acordo com o Monitor de WhatsApp do projeto Eleições Sem Fake, da Universidade Federal de Minas Gerais.
Na rede, sobrou até para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e seu partido. No dia 28, as três imagens com mais interações do dia pediam boicote ao parlamentar por não pautar o impeachment de Alexandre de Moraes. Os três conteúdos chegaram juntos a 95 compartilhamentos em 47 grupos, por 51 usuários.
Texto: apublica.org.