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Como um homem enquadrado na lei Maria da Penha se elegeu para a presidência do CRF-PA

No dia internacional de combate a violência contra a mulher, CRF-PA tem na presidência agressor de uma das mais queridas jornalistas do Pará.

Como agressores de mulheres se elegem, vicejam, são socialmente queridos e ainda são apoiados por outras mulheres pra cumprir suas ambições? Não tem mistério. É só seguir a cartilha de Patrick Luis, presidente recentemente eleito ao Conselho Regional de Farmácia, enquadrado na Lei Maria da Penha por violência doméstica contra uma das jornalistas mais relevantes do estado, Nara Bandeira, apresentadora do SBT Pará

Mas antes de dar o passo a passo da receita de Patrick, vamos a um raciocínio rápido e lógico.  

Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2020, 17 milhões de mulheres foram vítimas de alguma forma de violência no Brasil. Então a pergunta mais sensata é, será que há 17 milhões de homens presos por agressão à mulheres ocupando celas no sistema penitenciário brasileiro? 

Não.

17 milhões de mulheres foram agredidas em 2020, mas a população carcerária no Brasil, não chega hoje a 700 mil pessoas. Foto: foto: Mario Tama/Getty Images)

Em todo o país, 687.546 pessoas estão presas, enquanto o sistema penitenciário nacional tem 440.530 vagas em presídios. A conta não fecha. Tem muito mais mulher apanhando neste país do que gente sendo presa pela prática que fere a Lei n. 11.340, sancionada em 7 de agosto de 2006, que passou a ser chamada Lei Maria da Penha.   

Em uma pesquisa realizada pelo Ipea sobre tolerância social à violência contra as mulheres (2014), 89% dos entrevistados acham que “roupa suja deve ser lavada em casa”. Ou seja, o que predomina é a política do “em briga de marido e mulher, não se mete a colher”. 

Mas aí você pode dizer que de lá pra cá, 2014, época da pesquisa supracitada, isso já mudou, afinal um caso como o do DJ Ivis, preso por agressão da ex-mulher Pâmella Holanda, teve ampla repercussão nacional.

Caso DJ Ivis foi uma das maiores repercussões de violência domestica do país

Não precisamos ir muito longe pra perceber que essa tese não se sustenta, basta rever as imagens das agressões. Há um homem ali e ele presencia tudo.

Charles Barbosa de Oliveira, funcionário do DJ Ivis, não move uma palha pra evitar a violência. Em depoimento Charles disse que presenciou outras brigas, chegou a chamar a polícia e não deu em nada. 

Isso é o que chamamos de tolerância social. E é por isso que tantas mulheres morrem no Brasil vítimas de violência doméstica. Antes de serem atiradas do décimo andar de um prédio como o caso da Tatiane Spitzner, no Paraná, em 2018, seguramente muita gente soube que Tatiane apanhava do marido. Mas… “sou amigo do cara, o cara é gente boa.. vou deixar quieto”. 

Há uma ordem social de tradição patriarcal que consente um padrão de violência contra as mulheres, designando ao homem o papel “ativo” e viril na relação, então perder a paciência de vez em quando e dar uns “tabefes” na mulher,  tá tudo certo, e ninguém vai “se meter na intimidade do casal”. 

A comoção social é só uma reação viral em cadeia, tipo, “se todo mundo tá se revoltando, vou me revoltar também e fazer textão nas redes sociais”. Mas se o vizinho tá batendo na esposa, eu aumento o volume do futebol pra não ouvir a baixaria. 

Essa tolerância social é criminosa.   

Agora voltemos ao novo presidente do Conselho Regional de Farmácia do Pará.

O processo não é sigiloso. Depois da repercussão em inúmeros veículos de comunicação e após ter sido questionada, Nara foi a público se posicionar em postagem no Instagram do Belém Trânsito.

Nara Bandeira responde em publicação na denuncia no Instagram do BT

Em alguns comentários, Nara Bandeira foi desacreditada por pessoas que diziam “conhecer” Patrick, “conheço ele, e é um cara legal”. Então a filha de Nara, Clara, 19 anos, também veio a público declarar os horrores que mãe e filha passaram juntas. “Quero esclarecer que este homem é meu pai mas que tenho vergonha disso”, disse a jovem. 

Comentário de Clara Bandeira, filha de Nara, na postagem do Belém Trânsito no Instagram

Mesmo com depoimentos públicos, Patrick ainda disseminou uma versão de que o processo havia sido arquivado. Sim, o inquérito policial foi arquivado, não por falta de provas, mas por excesso de burocracia e trâmites dos quais a vítima não deu conta de acompanhar.

No entanto, a medida protetiva a favor da Nara continua vigente, inclusive, na decisão da juíza, há trechos que merecem ser destacados. “O direito de uma vida sem violência e com harmonia, solidariedade, respeito e dignidade… as medidas protetivas devem ser mantidas, eis que visam a garantia da incolumidade física e psíquica da vítima”, diz a magistrada.

Patrick então atribui a repercussão do caso aos seus adversários políticos e chama de  “campanha difamatória”, como se interesses outros pudessem tirar dele a autoria das suas ações. Neste áudio Patrick chama seus adversários de “bandidos”, e ainda desafia quem o acusa, “que faça publicamente, sem medo”. 

Áudio enviado por Patrick em grupos de whatsapp de apoio a sua chapa

Pois eu venho publicamente falar. E venho a público falar porque sei da verdade há anos, já que eu e Nara somos colegas de trabalho e temos muitos amigos em comum. Meus amigos não são mentirosos, presenciaram violências. São jornalistas e pessoas muito éticas e sérias. Nara não é mentirosa, é uma das mais amadas, queridas e grandes profissionais deste estado e sua palavra precisa ser respeitada, como de toda mulher que denuncia uma violência.   

Patrick procurou veículos de comunicação coagindo jornalistas para que retirassem as matérias do ar, como fez com Franssinete Florenzano, tradicional jornalista do estado.

Matéria no site Uruatapera denunciando a coação de Patrick

Patrick também procurou o Belém Trânsito com uma estratégia emocional manipuladora, usando os filhos, ou mesmo o inquérito policial arquivado para nos convencer a apagar a matéria. 

Patrick procurou o Belém Trânsito através do direct exigindo que a notícia fosse deletada

Não passarão! Não pela minha editoria.  

Gostaria que Patrick me desmentisse, sabendo que eu sei da verdade, sabendo que tenho amigos que presenciaram a sua fúria violenta contra uma mulher.  Eu não vou me calar pra deixar um agressor de mulheres confortável, muito menos no dia de hoje.    

Depois que Patrick foi eleito, recebi uma mensagem no inbox do instagram, de uma farmacêutica de Goiânia, iniciando uma campanha contra a posse de Patrick no CRF-PA. Em seguida ela voltou atrás, alegando estar sofrendo ameaças.

 

Não tem receita de bolo. Patrick ganhou a presidência do CRF-PA sem fazer muito esforço, e ainda por cima arregimentando mulheres, já que a maioria das farmacêuticas do estado são do sexo feminino. Patrick ganhou a cadeira da presidência sendo apoiado por outras mulheres. 

Como Patrick, milhões de outros homens no Brasil, mesmo que tenham espancado uma mulher algumas muitas vezes na vida, vicejam.  Seguramente, esse título desonra a história de milhares de mulheres como eu, Nara Bandeira e Maria da Penha, que inclusive é farmacêutica, porque todas nós sobrevivemos aos horrores da violência doméstica.

Com lágrimas nos olhos termino essa matéria, lembrando de todas as violências que sofri e pensando nas milhares de mulheres que estão apanhando agora e que serão obrigadas a verem seus agressores vicejando no mundo: 

Não vamos desistir de nós mesmas. Somos muito maiores do que as feridas que nos fizeram.