Em meio às transformações tecnológicas e à ascensão da economia de plataformas, os motoristas de aplicativo se destacam como profissionais fundamentais para a dinâmica urbana contemporânea. No entanto, por trás da conveniência proporcionada aos usuários, existe uma realidade complexa marcada por desafios enfrentados diariamente por esses trabalhadores.
Motoristas e motoboys que trabalham por meio de aplicativo recebem valores menores por hora – e trabalham, em média, mais horas por semana – do que colegas que atuam fora das plataformas. As informações são parte de dados divulgados da última pesquisa, realizada em 2023, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Percalços como tarifas e remuneração, falta de segurança, excesso de jornada e condições de trabalho são alguns dos pontos levantados pelos profissionais da área. O BT conversou com dois motoristas de aplicativo que contaram sobre suas vivências e experiências do cotidiano na capital paraense. Para preservar as fontes, os personagens não serão identificados.
O motorista 1 tem 38 anos, é casado e pai de família, iniciou na profissão em 2019, totalizando até hoje mais de 23 mil corridas nas plataformas Uber e 99. Ao BT, o profissional revelou que ingressou para área por falta de oportunidades no mercado de trabalho e viu nas plataformas a possibilidade de renda imediata. Entre os desafios enfrentados, ele ressaltou a dificuldade em realizar corridas com valores satisfatórios, em razão da baixa tarifa em Belém, e a falta de suporte das plataformas para garantir a segurança e integridade física dos motoristas.
“Para batermos as nossas metas é preciso passar o dia inteiro na rua. Eu, por exemplo, saio 5h30 da manhã e só chego 19h da noite, então para fazer o dinheiro render é de 10 a 12 horas online. Além disso, as plataformas não oferecem o suporte que a gente precisa, nós somos o lado mais fraco nesse jogo, somos só uma engrenagem nesse grande maquinário. Precisamos de suporte contra acidente, roubo e assédio. Eu já me envolvi em acidente, com passageiro a bordo, e não recebi nenhum tipo de suporte, a responsabilidade foi toda minha”, explana.
Outro ponto reivindicado pela categoria é a falta de regularização da profissão. Muitos enxergam o trabalho como uma opção temporária ou uma alternativa de renda emergencial, o que impacta na qualidade do serviço oferecido e na percepção da importância desses profissionais para a sociedade. O motorista 2 tem 28 anos, trabalha na área há 6 anos e tem o total de 18 mil viagens pela Uber. O profissional alega a ausência de benefícios aos cadastrados na plataforma, não havendo cursos de capacitação ou descontos em planos de saúde.
“A rotina de trabalho é muito exaustiva, para podermos ter um bom lucro, às vezes, é preciso trabalhar sem parar ou virar a madrugada na rua, com isso nossa saúde fica debilitada. Não temos um plano de saúde ou descontos, sendo que o nosso maior predicado é o nosso corpo. Não temos cursos profissionalizantes, nem benefícios liberados para todos, independentemente de número de viagens ou classificação de motoristas”, conta.
Os profissionais apontam a falta de transparência nos ganhos, na qual não há um valor fixo por hora trabalhada ou porcentagens reduzidas, o que não compensa no valor médio gasto em gasolina, aluguel e manutenções do automóvel.
“Ganhamos quanto a plataforma acha que nós devemos ganhar, e muitas vezes saímos no prejuízo pois a viagem custou menos do que deveria custar. Deveríamos receber um valor fixo por hora trabalhada ou porcentagens reduzidas. Meu carro é alugado, pago R$2590,36 por mês, e gasto em torno de R$2400,00 a R$3200,00 com gasolina, o que é equivalente a 80% do meu lucro. Não compensa, porém, é o que eu tenho como emprego, o índice de desemprego é muito grande, de certa forma acabamos virando dependente de um emprego sem direito algum. Acho que todos esses anos como motorista de aplicativo eu não sei o que é passar natal com a minha família ou ano novo”, conta o motorista 2.
O BT entrou em contato com as duas principais plataformas de mobilidade urbana: Uber e 99 Brasil, solicitando esclarecimentos acerca do suporte fornecido a todos os motoristas cadastrados nas empresas. Em nota, a Uber afirmou que “não foi possível verificar quaisquer alegações relatadas“, alegando que seria necessário informar o cadastro dos motoristas mencionados na matéria – o que recusamos para preservar a identidade dos mesmos.
Entretanto, o pedido de nota foi feito para questionar se a plataforma fornece algum tipo de suporte para todos os motoristas que trabalham para Uber, não somente para as fontes da matéria. Infelizmente, a nota da empresa não respondeu o questionamento em momento algum.
Confira na íntegra a nota da Uber:
“Não foi possível verificar quaisquer alegações relatadas pelo BT Mais porque, até o momento, não foi fornecida à empresa nenhuma informação para checar se os motoristas mencionados são cadastrados no aplicativo da Uber.
De toda forma, sabemos que popularmente usa-se o nome “Uber” como sinônimo para toda a categoria de aplicativos de mobilidade, bem como sinônimo da atividade de quem utiliza os apps para gerar renda. Por isso é fundamental verificar os dados para saber se algum caso tem ou não relação com o aplicativo“.
Até o fechamento da matéria a 99 Brasil não respondeu ao pedido de nota. O espaço segue aberto.