Em um dos dias mais importantes do ano, o BT precisava conhecer – e mostrar – o que é ser uma “mãe atípica”. O termo pode causar estranhamento, mas, representa o que é ser mãe de uma pessoa autista, com deficiência, ou síndrome rara. A palavra “atípica” não se refere somente à condição dos filhos, mas, busca chamar atenção para a sobrecarga que estas mães enfrentam diariamente nos cuidados com a cria, em uma sociedade que não está apta a acolhê-las ou oferecer suporte a elas.
A maioria das mães atípicas no Brasil cuida sozinha de seus filhos. A pergunta que fica é: quem cuida de quem cuida? Além da dificuldade para obter um diagnóstico – seja na rede pública ou privada de saúde – existe o abandono dos pais das crianças com deficiência. Dados de 2012 do Instituto Baresi, mostraram que, no Brasil, 78% dos pais abandonaram as mães de crianças com deficiência e doenças raras antes de os filhos completarem cinco anos de idade.
Conversamos com três mães de crianças autistas, que contaram um pouco de suas histórias emocionantes, mas nem um pouco fáceis, na maternidade atípica.
Em comum elas têm a força – característica de toda a mãe, leoa por seus filhos. Mas, aqui a dose é redobrada. Sol, Flávia e Raphaella lidam diariamente com as necessidades de uma criança autista e enfrentam o preconceito social e a falta de inclusão em todas as esferas.
Sobrecarga
O cansaço dessas mulheres, decorrente da sobrecarga nos cuidados dos filhos também é uma realidade. Uma pesquisa publicada no Journal of autism and developmental disorders comparou o nível de estresse em mães de autistas com o estresse crônico apresentado por soldados combatentes.
Esse estudo norte-americano avaliou que as mães de crianças com autismo passavam duas horas a mais por dia do que as mães de crianças neurotípicas nos cuidados com os filhos. Além disso, elas também eram mais interrompidas durante o trabalho.
Com isso, os resultados demonstram que essas mulheres também têm:
- Duas vezes mais probabilidade de ficarem cansadas,
- Três vezes mais chances de passarem por um evento estressante.
Sol, mãe do Henry, conhece bem essa realidade. “Ser uma mãe atípica requer muito esforço e dedicação, nem todos os dias são fáceis. Enfrentamos algumas dificuldades sobre a fala dos nossos filhos, entender eles o que querem, porque estão chorando. Aprendi a me excluir para incluir meu filho”, revela.
O diagnóstico de TEA veio quando Henry, agora com 5 anos, tinha 4. Depois do laudo, outra batalha iniciou para Sol. “Não foi fácil lidar com o diagnóstico de TEA, déficit de atenção e transtorno na linguagem. (Assim como) não foi fácil ir atrás de um laudo médico (…), conseguir tratamento,com fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, neuropediatra”.
Para Flávia, mãe do Benício, o cansaço surge também de lidar com o preconceito. “Uma mãe atípica enfrenta pessoas dizendo que seu filho não tem cara de autista, que autista é uma pessoa com “deficiência”, que o autismo do filho é leve demais (é leve pra quem? Por que nem pra mãe e nem pra criança é)”.
Benício, de 2 anos e 9 meses, ainda está sob investigação médica.
Raphaella, mãe do João, explica como é exaustiva a falta de informação da sociedade. “Queremos que nossos filhos sejam incluídos em todos os lugares, e receber críticas e olhares tortos de pessoas que não fazem ideia de como é a convivência atípica é muito frustrante. Precisamos de mais empatia e compreensão”.
O diagnóstico de TEA de João foi confirmado aos 2 anos de idade. “Idealizamos uma criança perfeita quando está no nosso ventre, e receber um diagnóstico de um filho autista quebra essa expectativa. Com o tempo percebemos que o amor é o mesmo, apesar de ser mais difícil”, contou Raphaella.
Transformações
A vida depois do diagnóstico de TEA é outra. As mães tornam-se a fusão de um poço de amor e um verdadeiro soldado em combate.
“Transformei as dificuldades em um caminho limpo para poder passar por ali com meu filho, pois sabia que ele precisava muito de mim e que eu precisava ser uma mãe melhor pra ele. Com ele aprendi a ser uma pessoa melhor. Ser mãe do Henry é incrível, ele é extraordinário, uma criança inteligente e carinhosa”, revelou Sol.
Flávia também celebra as transformações com a chegada de Benício. “Hoje me sinto realizada, uma mulher transformada em todos os sentidos. Meu filho me salvou de tantas coisas, de ansiedade a uma depressão, ele foi e é minha salvação todos os dias, por ele dou a minha vida, meu esforço, tudo. Dedico meu tempo somente a ele, o tempo todo. E não me arrependo de nada”.
Raphaella conta como João “abriu uma luz no fim do túnel” para ela. “Me tornei uma mulher mais empática e mais compreensiva sobre as questões sociais. Comecei a perceber as lutas das minorias com outros olhos, já que, pelo meu filho, conquistei um lugar de fala na luta pelos direitos das pessoas com deficiência. Voltei a estudar, estou cursando psicologia, ano que vem já me formo e quero trabalhar no tratamento de crianças com autismo, além de fazer o acolhimento dos pais após o diagnóstico. Ou seja, minha vida deu uma reviravolta”.
Feliz dia das Mães