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Estudante aprovada na UFPA denuncia racismo de banca de heteroidentificação

A estudante Clara Costa foi aprovada no vestibular da Universidade Federal do Pará (UFPA) no curso de sistemas de informação através da política de cotas para pretos, pardos e indígenas (PPI), na qual ela se identificou como parda. Porém, para sua surpresa, a jovem teve a habilitação indeferida sem justificativa.

“Fui aprovada dentro do sistema de cotas PPI (pretos, pardos e indígenas) e escola, pois sou oriunda de escola pública e sim, me considero uma pessoa negra. Mas não somente me considero negra, como tenho vivências de pessoa negra. Nem preciso citar os casos de racismo que já passei porque isso tudo é doloroso demais pra relembrar. Já atuei no movimento negro e de mulheres negras e sou compreendida socialmente como mulher negra ou “parda” por várias pessoas”, disse a jovem.

Segundo a estudante, a banca de heteroidentificação, responsável pela avaliação racial, afirmou que ela é uma pessoa branca. “Sim, de acordo com a banca de heteroidentificação eu sou uma pessoa branca, já que me declarei na avaliação como uma pessoa “parda” e fui reprovada”, explicou.

Para Clara, toda essa situação tem sido estarrecedora e a desgastou na realização de um sonho, que é cursar o ensino superior em uma das instituições públicas mais prestigiadas da região norte. “Esse processo todo têm me gerado um desgaste psicológico tremendo, pois nunca tinha tido minha identificação racial invalidada, principalmente pela forma que tem ocorrido: um processo adoecedor que “seleciona” quem é negro ou não sem um tratamento minimamente humanizado das pessoas que passam por ele”, advertiu.

Imagem do resultado indeferido do processo de heteroidentificação. Imagem: Reprodução.

A jovem afirma que vai seguir lutando pela reconhecimento e para que a justiça seja feita acerca do seu caso. “Eu já fui usuária do sistemas de cotas dessa mesma universidade e me formei por ela, mas hoje vejo uma tentativa institucional de desmoralizar as cotas e que acaba usando-as como arma contra o próprio povo negro. Enfim, esse é um desabafo carregado de revolta. Entrarei com processo pra adquirir um direito meu! Mas sei que esse não é o fim e me comprometo em seguir, como já fiz anteriormente, na luta por dentro contra o racismo dessa instituição”, contou.

Em nota, a UFPA afirmou que, com o crescimento de denúncias de uso indevido de vagas afirmativas por pessoas não negras – por desconhecimento ou tentativa de fraude – a instituição passou a certificar a autodecclaração com apoio da Banca de Heteroidentificação.

Leia a nota na íntegra:

O processo de heteroidentificação complementa a autodeclaração dos candidatos que concorrem às vagas reservadas para negros(as) na UFPA. A finalidade é fazer cumprir o que manda a lei, efetivar a política afirmativa e evitar possíveis fraudes. Até 2020, a UFPA adotava a autodeclaração como único critério para reconhecer o direito de estudantes negros (as). Com o crescimento de denúncias de uso indevido dessas vagas por pessoas não negras, fosse por desconhecimento do público a que se destinam a política, fosse intencionalmente (tentativa de fraude), a instituição passou a certificar a autodeclaração com apoio da Banca de Heteroidentificação.

Pela Lei 12.711/2012, possuem direito às vagas reservadas pela cota racial: 1) as pessoas negras de cor preta; 2) as pessoas negras de cor parda; e 3) as pessoas indígenas. A UFPA enfatiza, entretanto, que as pessoas pardas que têm direito ao uso de vaga da cota PPI são aquelas vistas como negras pela sociedade e que, por isso, são discriminadas e agredidas, perdendo oportunidades sociais e/ou profissionais pelo fato de serem negras. Essa ênfase consta no Edital de abertura do Processo Seletivo, no formulário de inscrição on-line e no Edital de Convocação para Habilitação dos candidatos classificados.

Desde o PS 2021, os(as) candidatos(as) autodeclarados(as) negros(as) e classificados(as) em vagas de cotas PPI precisam se apresentar à Banca de Heteroidentificação, que avalia o(a) candidato(a) tomando por referência exclusivamente o fenótipo social do(a) estudante. O fenótipo social é um conjunto de características pelas quais as pessoas são vistas e consideradas negras (a exemplo da cor da pele, textura do cabelo, formatos do rosto, lábios e nariz) e que lhes deixam vulneráveis às discriminações e ao racismo. Não são consideradas pela banca informações de ascendência (origem dos/as candidatos/as) ou quaisquer registros (civis ou militares) ou documentos.

A ampla diversidade fenotípica das pessoas negras de cor parda as coloca desde próximo às pessoas brancas até próximo às pretas. Quanto menor a presença de traços tipicamente negroides em uma pessoa parda maior a sua permeabilidade na sociedade, que por vezes pode considerá-la como pessoa negra e noutras, como não negra, condição de alternância não vivenciadas pelas pessoas que carregam um conjunto indubitável de marcas de pessoa negra. Assim, uma pessoa que se autodeclara parda pode não ser vista como negra em uma banca de heteroidentificação. Exatamente por isso, diante de um indeferimento ao uso de vaga de cota racial, é oferecida ao candidato a possibilidade de heteroidentificação em uma segunda banca (chamada de recursal), que emitirá o parecer final a ser considerado no pleito.

A Banca de Heteroidentificação foi julgada, em 2012, pelo Supremo Tribunal Federal, sendo considerada legítima para assegurar que se atinja o objetivo da ação afirmativa de incluir pessoas negras no ensino superior. As bancas são compostas por cinco pessoas, cuja diversidade de cor e gênero busca representar a diversidade da própria sociedade local. Essa composição toma como referência as normativas de concursos públicos do Ministério do Planejamento (Portaria Normativa n. 4, de 6 de abril de 2018), uma vez que não existe normativa própria para processos seletivos de ingresso de estudantes ao ensino superior. Todos os membros das bancas também participam anteriormente de oficina sobre a temática da promoção da igualdade racial e do enfrentamento ao racismo.

Diante do exposto, a UFPA reitera seu compromisso com o combate à discriminação das pessoas negras, que resultou na exclusão sistemática dessa parcela da população do acesso a bens e direitos. A cota para pessoas negras visa contribuir para corrigir essa desigualdade, aumentando a representatividade desse grupo no seu corpo de estudantes, possibilitando a presença das pessoas negras em todos os espaços da nossa sociedade.