Alguns dos familiares de vítimas do incêndio na Boate Kiss, tragédia que aconteceu há 10 anos em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, planeja processar a Netflix pelo lançamento da série ficcional “Todo Dia a Mesma Noite”, que retrata o acontecimento. O incêndio na casa noturna matou 242 pessoas e deixou outras 636 feridas aconteceu em 27 de janeiro de 2013.
Um grupo formado por cerca de 40 famílias de vítimas contratou a advogada Juliane Muller Korbm para representá-las contra a Netflix.
Segundo o portal de notícias CNN, as famílias se queixam da exploração comercial da tragédia pelo streaming, “que sequer teve a sensibilidade de informá-los que uma série dramática seria produzida”.
A produção, é baseada no livro de mesmo nome escrito pela da jornalista Daniela Arbex, e mistura realidade com ficção.
“Muitos pais não tiveram estrutura para entrar no ginásio com todos aqueles corpos e reconhecer os filhos, muitos nunca tiveram estrutura até hoje para ver as imagens dos corpos e essa cena é passada no trailer da série”, disse a advogada das famílias.
“O pedido para a Netflix é de algumas adequações de exposição, especialmente do trailer, e que a série não seja só explorada comercialmente. Precisamos tratar da responsabilidade social sobre a dor desses pais. A que custo uma plataforma de streaming pode lucrar em cima de uma tragédia como essa?”, declarou.
Antes da formalização de uma representação judicial, o grupo de familiares orientado pela advogada pretende dialogar com a gigante do Streaming.
Segundo a advogada, os familiares não solicitaram nenhum tipo de indenização para a Netflix.
ASSOCIAÇÃO DE VÍTIMAS DISCORDA DO PROCESSO CONTA A NETFLIX:
O grupo que forma a Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de SM (AVTSM) informou que não tem relação com o caso. Por meio de uma nota, divulgada no último domingo, a Associação comunicou que se sente sim representada pela série produzida pela Netflix.
VEJA A NOTA DA ASSOCIAÇÃO:
“Perante a divulgação em inúmeros veículos da imprensa acerca de um processo contra a empresa Netflix em função da série “Todo o dia a mesma noite”, a Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da tragédia de Santa Maria esclarece através dessa nota que estávamos sim cientes que a produção estava sendo realizada com base nos personagens do livro “Todo dia a mesma noite: a história não contada da Boate Kiss”, de Daniela Arbex, e sente-se representada por ela bem como pelo livro da autora.
A produção não retrata de forma individual os 242 jovens assassinados, mas sim um recorte das quatro famílias de pais que foram processados. Todos familiares de vítimas e sobreviventes retratados por personagens da obra estavam cientes e em concordância. Além disso, reiteramos que não estamos movendo nenhum processo contra as produções, nem pretendemos, por acreditarmos na potência das produções na luta por justiça e a luta por memória.
Acreditamos, acima de tudo, que tragédias como a que vivenciamos precisam ser contadas através de todas as formas. Recontar essa história significa denunciar as inúmeras negligências e tentativas de silenciamento que encontramos pelo caminho, além de auxiliar na prevenção para que esse tipo de tragédia não aconteça com mais nenhuma família, algo que temos como propósito desde o 1º dia de nossa fundação.
Mostrar o que aconteceu na Kiss faz com que a morte de nossos filhos e filhas, irmãos e irmãs, pais e mães, amigos e amigas não tenha sido em vão. Mostrar a morosidade, a burocracia e como é o sistema judiciário brasileiro serve como denúncia e como protesto. É preciso falar, debate, produzir materiais sobre o que aconteceu naquela trágica noite de 27 de janeiro de 2013, pois só assim conseguiremos que as pessoas entendam o que a ganância, a negligência e a omissão são capazes de fazer. Em Santa Maria, esses fatores mataram 242 jovens e deixaram 636 com marcas físicas e psicológicas.
Entendemos que rever a tragédia, principalmente nos dois primeiros episódios pode mobilizar os sentimentos, as lembranças e dimensionar a impunidade em sua ferocidade, e, com isso, a associação se disponibiliza a acolher e a promover ações para comporem o movimento por justiça.
Por fim, esclarecemos que desde o dia 27 de janeiro de 2013, nós sofremos com a perda irremediável de nossos filhos, irmãos e amigos, sabemos o quanto isso nos dói. Não há nenhum valor sendo pago a nós com a produção, e o que ganhamos é a crença no fortalecimento na luta por justiça e pela memória. Para que não se repita”, diz a nota.