Com informações do Globo*
Mais de 600 objetos indígenas que estão armazenados de forma irregular na França, de acordo com autoridades brasileiras. As peças, muitas delas raras e únicas, deverão voltar ao país após terem permanecido por 15 anos no Museu de História Natural de Lille.
O conjunto foi inicialmente emprestado pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), mas deveria ter retornado em 2009. A demora deu início a uma disputa de mais de uma década. A batalha só foi vencida graças à insistência de técnicos do Museu do Índio, além da intervenção do Ministério Público Federal (MPF) e do Itamaraty.
“É um acervo único. São 611 objetos, de 39 povos, a maioria do Brasil Central. Pela data de produção, há indícios de que eles não sejam mais fabricados por estes povos. É um patrimônio cultural do Brasil”, afirma o coordenador de Patrimônio Cultural do Museu do Índio, Bruno Oliveira Aroni.
A coleção tem valor inestimável por guardar parte da memória de povos brasileiros originários, hoje no centro do debate sobre preservação ambiental e enfrentamento das mudanças climáticas.
O processo de recuperação do acervo foi protelado pelos franceses por muitos anos, e marcado pelo trabalho de vários anos por parte de servidores do museu e da Funai para que as peças retornassem ao Brasil.
O trâmite deve ser finalizado este ano: no último mês, o museu brasileiro contratou uma empresa para fazer o transporte.
As autoridades francesas discordaram ou impuseram dificuldades à devolução por pelo menos nove anos. De acordo com o MPF, o dinheiro do transporte sairá dos cofres do Brasil, ao contrário do que previa o contrato, já que os europeus se recusaram a pagar. Esse, contudo, foi o único meio de pôr fim à discórdia.
Trajeto dos objetos
A princípio, o museu francês queria comprar o acervo que pertencia a uma empresa sediada em São Paulo. No entanto, a saída dos objetos para a França não foi liberada pela Funai, já que a legislação impede que peças com partes de animais silvestres, presentes em muitos adornos, sejam levadas do país.
A solução foi a aquisição, pelo Museu de Lille, e a imediata doação ao Museu do Índio. Em troca, a instituição brasileira autorizaria o empréstimo por cinco anos, renováveis por outros cinco.
De 2004 a 2009, o Museu de Lille expôs os bens, mas não enviou nenhum comunicado ao Museu do Índio com interesse na renovação. Após isso, em 2010, começaram as trocas de ofício com pedidos de devolução. Na época, o então diretor do Museu do Índio começou o plano de retorno, mas o Museu de Lille protelava. “Acreditamos que essa coleção faz parte do patrimônio da cidade de Lille. A finalidade é valorizar a cultura brasileira junto ao público de Lille e ao público francês em geral, respeitando a integridade do patrimônio brasileiro cultural e natural”, responderam os franceses em 2011.
Devidos os problemas, em 2013, a Funai admitiu renovar o empréstimo por três anos, mas os franceses responderam que só poderiam assinar o contrato no ano seguinte, o que não ocorreu. Em 2016, quando a tentativa de reaver o acervo já tinha seis anos, uma servidora do órgão registrou o problema em documento. “Depreende-se uma negativa velada ao retorno das peças etnográficas, uma vez que, em todos os momentos, observa-se que o Museu de Lille não se manifesta acerca da finalização do empréstimo”, pontuou.
Em 2015, o MPF entrou no caso. Segundo o procurador Sergio Suiama, não há dúvidas de que os itens ficaram de forma irregular na França durante este período. “O que é mais triste é que esse material não está nem exposto. Nesse tipo de caso, é comum que os países europeus aleguem que os países de origem não teriam como cuidar, que o patrimônio poderia ser destruído. Mas isso é uma falácia. Temos que lutar para que fiquem bem armazenados aqui. E está tudo certo com a reforma no Museu do Índio”, afirmou Suiama.
o processo de convencimento aos franceses iniciou em 2017, quando os franceses disseram que estavam à disposição para devolver os objetos, “com as despesas a cargo das autoridades brasileiras”.
Em 2019, o lado brasileiro decidiu ceder e arcar com os custos de mais de um milhão de reais, além das necessárias reformas realizadas no Museu do Índio, em Botafogo, no Rio de Janeiro, para receber o acervo.
O museu investiu em reservas técnicas climatizadas e adaptou uma de suas salas. O espaço, que está fechado desde 2016, deve reabrir para visitação de forma gradual no segundo semestre deste ano.