Em 06 de novembro de 2022, a população de Barcarena foi surpreendida com mais uma suspeita de contaminação. As margens da rodovia PA-483 um igarapé, próximo a ponte do rio Curuperé, apareceu com a cor das suas águas esbranquiçadas, apontando para a hipótese de contaminação por alguma substância não-natural. No dia anterior houve uma forte chuva na região e a população acredita que a barragem da Imerys transbordou e ocorreu o vazamento. Os moradores gravaram vídeos mostrando a situação das águas.
O instituto Evandro Chagas enviou uma equipe até o local para fazer a perícia das águas. Quase quatro meses depois, nós entramos em contato com o Instituto para saber o resultado da perícia e ficamos surpresos com a resposta. Mas antes de dar pra vocês o resultado da perícia, vamos falar um pouco sobre a atuação da Imerys no estado?
No ano passado a Imerys publicou esse vídeo no linkedin, onde o vice-presidente da mineradora fala sobre sustentabilidade. “Sustentabilidade anda de mãos dadas com proatividade! Cyril Giraud, nosso vice-presidente sênior da Performance Minerals APAC Business Area, fala de conscientização sobre as questões relacionadas à preservação da biodiversidade e à segurança na industria”, diz a chamada para o podcast.
A Imerys é uma multinacional francesa, que tem sede em Paris e é especializada na produção e processamento de minerais industriais. A empresa tem operações em 50 países e está no Brasil desde 1996, em três estados, Pará, São Paulo e Espírito Santo, beneficiando minérios de carbonato de cálcio, caulim e perlita. No Pará, a Imerys possui a maior produção de beneficiamento de Caulim do mundo, além de duas minas e um porto privado.
Esse caulim é enviado para mercados internacionais, onde vai virar papel, tintas, cerâmica, dentre outros produtos que são industrializados fora do Brasil. O principal destino é a Bélgica e o Canadá. A Imerys opera no Brasil com dois nomes: Imerys Rio Capim e Pará Pigmentos. 71% da participação na produção de caulim no Brasil é produzida pela Imerys em Barcarena, aqui na Amazônia.
Todo esse processo de beneficiamento de caulim produz uma grande quantidade de rejeitos, por isso a Imerys construiu seis barragens e também para operar parte do processo de beneficiamento. No geral, barragens são a contenção de milhares de litros de material que não tem utilidade, é o lixo da mineração, que pode ser tóxico para a vida humana e o ecossistema ambiental. Acidentes com barragens já foram registrados no mundo todo, mas o Brasil foi palco de dois entre os maiores acidentes do mundo, quando as barragens de Brumadinho (2019) e Mariana (2015) romperam em Minas Gerais.
Mas em 2007 a Imerys foi responsável por um grande acidente com barragens aqui no Pará, exterminando fauna e flora da região contaminada pela lama de rejeito de caulim, muito embora a tragédia não seja mais citada no noticiário nacional.
A unidade da Imerys de Barcarena cometeu seu primeiro crime ambiental em 2007. Uma das bacias de rejeito, a bacia 3, estourou e o ácido sulfúrico do rejeito de caulim chegou no Rio Pará. O vazamento foi de quase 300 mil metros cúbicos de caulim misturados com água de uma das bacias construídas pela empresa. Estima-se que o total da mistura que alcançou os igarapés do Curuperé e Dendê, na região, possa ter chegado a 60 mil metros cúbicos , ou seja, o equivalente a 24 piscinas olímpicas.
Igarapés e praias de Vila do Conde e do Caripi, também foram atingidos. Por meses seguidos os pescadores foram surpreendidos com peixes mortos na beira dos rios. O grande vazamento comprometeu o lençol freático, fato comprovado na época pelo Instituto Renato Chaves.
O que é o “rejeito” que se espalhou pelo meio ambiente em 2007?
O rejeito de caulim contém bário e é essa substância que é tóxica e preocupante. O bário não é encontrado livremente na Amazônia, ele aparece através da extração do caulim. A intoxicação por bário pode causar náuseas, diarréia, dor abdominal, tremores, crises convulsivas e até coma.
A coordenadora do Laboratório de Química Analítica e Ambiental (LAQUANAM), da UFPA, e Doutora em química Simone Pereira, é uma das pesquisadoras mais envolvidas com a problemática da contaminação em Barcarena. Ao BT ela explicou que em análises químicas em rios da região já foi encontrado bário 140 vezes acima do limite permitido. “Eles neutralizam o rejeito e despejam no Rio Pará. As espécies de vida aquática acabam morrendo, nada que se planta na terra vai florescer. Temos ali um ambiente carregado por bário, com PH alterado”, explica Simone.
A pesquisadora acredita que o desastre de 2007 foi uma tragédia anunciada, no entanto ela afirma que ao longo desses anos de atuação da Imerys, todo o ecossistema da região pode ter sido envenenado por bário. “Quando o caulim chega na fábrica em Barcarena, ele recebe um tratamento, uma espécie de branqueamento. Esse material passa por um tratamento químico e libera esses elementos no meio ambiente. Esses materiais começam a fazer a interação com fauna, flora, pessoas e rios. Imagina isso, esse processo diário, ao longo desses anos de atuação da Imerys em Barcarena”, apontou a pesquisadora.
Em 2021 outro acidente envolvendo a Imerys, só que agora em outra modalidade, “envenenamento pelo ar”. Era o dia sete de dezembro, um incêndio em um galpão de beneficiamento de produtos químicos da Imerys começou. A população da região relatou forte odor de produtos químicos e mais de 50 pessoas procuraram os serviços de saúde do município de Barcarena, com reações de intoxicação.
O depósito químico da Imerys utiliza uma substância chamada ditionito de sodio, que é um pó cristalino branco, com enxofre em sua composição que é usado no processo de branqueamento do caulim. Simone explicou que para o acidente ter ocorrido, o ditionito foi armazenado de forma imprópria e para apagar o incêndio, foi utilizado água, o que seria também outro procedimento impróprio para esse tipo de substância. O equívoco no protocolo de segurança para conter o incêndio criou uma espécie de “nuvem” altamente tóxica. Uma nuvem branca, com forte odor, que vinha direto da planta industrial da mineradora, tomou conta de dois populosos bairros da cidade de Barcarena. Depois desse acidente dezenas de pessoas foram atendidas no sistema público de saúde da cidade com problemas respiratórios.
A pesquisadora acredita que aquela área já deveria estar interditada, já que não oferece condições de vida segura à população. “Não deveria ter ninguém morando ali naquela região. Muitos elementos químicos tóxicos são despejados diariamente do meio ambiente já que essas empresas não tratam seus rejeitos para a retirada dos elementos. Em pesquisa de 2018 a pesquisadora encontrou níveis elevados de alumínio, chumbo, cromo, níquel etc. no cabelo de moradores, inclusive crianças. Toneladas de caulim já foram depositadas nos rios, no solo, se acumularam no sedimento dos rios e em outros ecossistemas. Os moradores da região estão sujeitos ao bário e ácido sulfúrico”, afirma a pesquisadora.
Paulo Feitosa é Presidente do Instituto dos Ribeirinhos do Pará. Paulo explica que a comunidade de moradores da Vila Industrial, fica a cerca de 300 metros da fábrica da Imerys em Vila do Conde. Feitosa afirma que desde que a Imerys se instalou na região, a população só teve prejuízos. “Quando esses grandes projetos vêm pra Barcarena, eles chegam com promessa de emprego de mão de obra, mas nós não temos nem 2% da população local empregada nesses grandes empreendimentos. A população tradicional acaba ficando sem nada”, explicou Paulo.
O ativista reivindica que a Imerys ofereça para a comunidade novas formas de sobrevivência. “Nós, como movimento social, estamos lutando para mudar esse quadro. Se eles estão mudando a nossa cultura da pesca, contaminando os rios e enchendo de navios, então eles precisam pagar por isso e desenvolver outros setores para que a gente possa viver”, afirma. Segundo pesquisadores, famílias inteiras que moram ao lado de igarapés, tiveram suas dinâmicas econômicas e sociais completamente afetadas pela atuação da multinacional no local.
Até hoje a Imerys já causou pelo menos 15 desastres ambientais em Barcarena. A última suspeita de contaminação praticada pela empresa, no dia 06 de novembro de 2022, e que assustou os moradores, foi apurada pela Instituto Evandro Chagas. No entanto, a resposta que tivemos reforça o alerta acerca da ineficiência dos mecanismos de fiscalização ou de apuração de denúncias contra o meio ambiente. O Instituto Evandro Chagas, que não é órgão fiscalizador, mas apura denúncias acionado por governo, prefeitura ou Ministério Publico, foi acionado para realizar coleta no local, “Porem, a equipe não realizou coleta no local, pois ao chegar em Barcarena a agua já apresentava características naturais” diz a nota. Além disso, a nota disse que as amostras foram recolhidas para análise pelo Laboratorio Central do Estado do Pará, o LacenPA, a pedido da prefeitura de Barcarena.
Entramos em contato com o Lacen, e eles informaram que o resultado do laudo só pode ser liberado por quem fez a solicitação, no caso, da Prefeitura de Barcarena. Entramos em contato também com a Prefeitura de Barcarena, que informou que ainda não recebeu o resultado do laudo. No entanto, em novo contato com o Lacen, o Laboratório garantiu ao BT que o resultado foi enviado para a Prefeitura de Barcarena em janeiro deste ano. Ou seja, quase quatro meses depois, não se sabe ainda o que provocou a contaminação do evento ocorrido no dia 06 de novembro.
A pergunta é, como numa área de alto risco de contaminação como Barcarena, a rede responsável por garantir a fiscalização de denúncias não tem resposta sobre grave suspeita apontada pela comunidade?
“TACs que nunca são cumpridos”
O pesquisador Marcel Hazeu explica que em Barcarena movimentos sociais resistem aos impactos das políticas de desenvolvimento baseados na exploração de recursos naturais, assim como também resistem aos efeitos da urbanização que marginaliza e segrega os pobres nas cidades. O pesquisador explica ainda que há a falta de escuta das comunidades. “A Imerys se instalou numa área onde há pelo menos 15 comunidades, no chamado Distrito Industrial, algumas foram totalmente desapropriadas. Nas demais, ha famílias expulsas e outra parte vivendo em territorios cada vez mais poluído, limitado e cercado, porém, resistindo.” afirmou.
Segundo pesquisa de Marcel, ate o ano passado a Imerys não foi condenada em nenhum processo criminal, embora seja uma das mineradoras que mais possui denúncias de crimes ambientais. “O atual promotor do MP está processando criminalmente a Imerys a partir da explosão que ocorreu em Dezembro de 2021, ampliando o foco para questionar os permanentes crimes ambientais da empresa ”, explica o pesquisador.
O que diz a Imerys?
Entramos em contato com a Imerys. Em nota a multinacional disse que o caulim é uma argila inerte, atóxica, não perigosa e amplamente encontrada no solo da região. A empresa também esclarece que não utiliza bário em seus processos. A Imerys também disse que mantém comunicação contínua com as comunidades locais, bem como um boletim trimestral enviado a todas as comunidades vizinhas da planta industrial.
A empresa também ressaltou que ao longo de sua história, tem implementado ações para melhoria contínua, incluindo investimentos sobre os quais são regularmente comunicados, principalmente através do diálogo social frequente e também no boletim trimestral enviado às comunidades locais (“Imerys na Comunidade ” – Boletim de Notícias). Por fim, a Imerys destacou que possui Certificação ISO 9001; ISO 14001 e ISO 45001 e que frequentemente recebe inspeções técnicas de órgãos públicos, que atestam a segurança das operações da empresa.