O presidente Bolsonaro veio ao Pará nesta quinta-feira com o pretexto de entregar títulos de terra em Paragominas. A cidade decretou ponto facultativo para receber o chefe do executivo cuja vinda, convenhamos, era absolutamente dispensável diante das urgências do país. Pensando em termos de prioridade, só nesta semana tivemos uma prévia da inflação estimada em 1,73% no mês de abril, batendo o recorde do período nos últimos 27 anos e, pra completar, previsões do FMI apontam que o Brasil deve terminar 2022 como um dos líderes mundiais do desemprego, ocupando a nona posição com uma taxa de 13,7% de desempregados, sendo que a média mundial é na casa de 7%.
Fosse levar em consideração o que se espera do cargo, Bolsonaro deveria estar em Brasília reunido com as principais mentes (quais? Boa pergunta…) do seu governo, refletindo sobre como sair desta sinuca que, entre inflação e desemprego, tira a dignidade da população. É este tipo de atuação que se espera de um presidente, enquanto literalmente qualquer pessoa poderia representá-lo enquanto autoridade na cerimônia realizada no sudeste do Pará.
Só que a vinda de Bolsonaro ao estado não foi por uma necessidade do executivo, mas do candidato Jair Bolsonaro. Aliás, embora tenha sido eleito para atuar como presidente, não é segredo que desde que botou a faixa em 2019 Bolsonaro se comporta como candidato em campanha: eleito com um discurso vago, o presidente foi atropelado por crises – muitas das quais gestadas por ele próprio – e precisa recorrer a cortinas de fumaça para esconder os verdadeiros incêndios.
Bolsonaro ladra sobre valores que não pratica, e não morde os verdadeiros problemas nacionais: sua atuação se resume em mover as peças para garantir sua permanência no cargo, mas sem se preocupar em cumprir o que o cargo exige.
Mas Jair sabe que sua eleição foi um acidente histórico, fruto de uma conjunção de fatores que desafiam a normalidade da democracia nacional. O contexto para 2022 é diferente, com o eleitor sentindo no bolso o preço da aposta no sebastianismo da caserna.
O próprio desgaste do governo impede que aquela conjuntura que aliava descrença e ignorância se repita de forma orgânica para, diante da fome, o povo dar espaço para a antipolítica – e é por isso que o presidente se esforça para, a cada semana, forçar os limites do cargo e empurrar a nação para o caos.
Lembram daquela série que um dia foi boa, a Game of Thrones? Tinha um personagem chamado Lorde Baelish, vulgo Mindinho, que não hesitou em tacar fogo no mundo para alcançar seus objetivos. Ele dizia que “o caos é uma escada” e, crise após crise, via condições para subir os degraus rumo aos seus objetivos. Bolsonaro é bem parecido com o Mindinho (embora o apelido do personagem, segundo Patrícia Lelis, caiba melhor por filho 03) no sentido de que a normalidade não lhe interessa, já que o caos e a convulsão nacional são necessários para a sua reeleição.
Voltando para Paragominas, Bolsonaro aproveitou o palanque para falar sobre o perdão dado a Daniel Silveira, seu bombado de estimação.
Diante de câmeras, o presidente disse que se sentia “feliz e orgulhoso” da sua decisão. Claro que está – não por livrar o deputado da justiça, mas por saber que este gesto de desafio à suprema corte é mais uma forma de colocar o judiciário em xeque e o povo contra ele. Nesse sentido Daniel não é aliado de Jair: é munição em uma guerra particular que o presidente trava contra tudo e contra todos para que, no final, sobre apenas ele de pé… mesmo que com isso o país seja devorado por caminhantes brancos.