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Ingo Müller | A inflação chegou na praça

Neste domingo fez sol de manhã – algo raro para o mês de março – então aproveitei pra levar a Marina pra passear. Ela quis ir até a Batista Campos, sua praça preferida, porque lá pode alimentar os peixinhos, correr à vontade e me multar em algum brinquedo de camelô que vai servir de diversão pelas próximas quatro horas, já que depois desse prazo geralmente a traquitana está em pedaços. Como levamos a comida pros peixes de casa, é um passeio que não costuma ser caro – ou melhor, não costumava ser caro porque, infelizmente, a inflação chegou até nas praças de Belém.

Logo após encher a barriga dos peixinhos de farelo de ração, a minha filha também quis encher a própria barriga e aí pediu uma pipoca, mas o petisco que custava 3 reais  já estava sendo vendido por 5. Perguntei por quanto o pipoqueiro faria duas unidades, pensando que ele poderia facilitar o preço e cobrar 7 ou 8 pelo par, mas com feições de pedra ele disse “duas é dez mesmo, não dá pra baixar”.

Após a pipoca, Marina foi seduzida pelas imagens flutuantes daquelas figuras cheias de gás hélio e pediu um balão em forma de golfinho. Eu já ia tirar dez reais da carteira, mas a moça dos balões me informou de um recente reajuste: o produto agora custava 15. “Sinto muito, moço. Tá tudo mais caro, tive de subir também.” Aceitei as desculpas e paguei, embora o balão, assim como seu preço, também tenha subido rapidamente: é que a minha filha deixou o cordão escapulir, e lá se foi o boto superfaturado nadando pelo ar, rumo ao céu azul.

Pra que ela não ficasse triste fomos até o vendedor de brinquedos e eu escolhi um kit de bolinhas de sabão, mas até esse brinquedo baratinho tinha sido remarcado de 5 para dez reais. Como ela já estava com o mimo na mão, paguei apesar do aumento de 100% – mas a essa altura passei a me questionar se por acaso a praça teria sido tragada por um vórtex temporal e nos deslocado pra era Sarney…

O passeio continuou até a criança ver o pula-pula, onde o preço também subiu de 5 para oito reais. Pelo menos o vendedor deu dois minutos extras, o que compensou parte do aumento. Depois da pulação a menina pediu um coco pra se refrescar, e então percebemos que as barracas tinham coletivamente tabelado o preço em seis contos. Sem ter como lutar contra o cartel da água de coco, cedi. Matamos a sede e fomos correndo pra casa, porque já não me restava mais o dinheiro pra uma menta do bombonzeiro.

Antigamente uma volta na praça deixava a gente com a alma mais leve, mas hoje em dia a carteira também fica do mesmo modo. E isso na praça, que é um espaço aberto e democrático – imagina como está a precificação dos pontos onde a exclusão ganha nome de “exclusividade”, como se fosse uma coisa boa criar bolsões de segregação no espaço urbano.

Voltando à praça, o pior de ver o aumento dos preços é saber que tudo isso não é culpa dos ambulantes: eles, que tem uma ocupação informal sem qualquer direito ou garantia, precisam repassar para o consumidor todo e qualquer impacto que sentem no seu orçamento, sob o risco de chegarem ao final do dia sem ter levantado o necessário para dar de comer para suas famílias.

A mesma coisa acontece com os motoristas de aplicativo, que precisam trabalhar com um olho no volante e outro na calculadora, escolhendo corridas que lhes deem algum lucro já que a trajetória do preço da gasolina está prestes a tirar do GPS quem precisa de carro para trabalhar e colocar essa turma em outro mapa, o da fome.

São esses pequenos exemplos, tirados de uma manhã do domingo, que nos deixam chocados e tristes com o quanto esse país piorou nos últimos anos: andar por Belém é perceber que quem rodava no app para ter uma renda extra hoje precisa batalhar só para pagar as contas; e o camelô que sustentava a família naquele ponto sob a samaumeira trava uma luta diária para simplesmente sobreviver.

Aqueles que ainda conseguem bancar esses passeios de domingo movimentam uma microeconomia da qual dependem várias famílias, mas considerando a forma implacável como a inflação devora o poder de compra do Brasileiro eu me questiono se nós, que vamos para praça por lazer, também não estaremos lá um dia por pura necessidade em um futuro próximo caso não consigamos, pelos bem dos nossos filhos, construir um Brasil melhor para todos – porque viver em um país que prioriza quem lucra em dólar não é justo para quem depende do comércio das pipocas e balões.