////

Ingo Müller | O alerta vermelho verde

O alerta veio dos céus: dados de satélite divulgados esta semana apontam que o Pará liderou o ranking de destruição da floresta Amazônica em 2021. Num ano marcado pela frouxidão da fiscalização ambiental, em que perdemos mais de 10 mil quilômetros quadrados de floresta, o nosso estado conseguiu a façanha de ser o pior dentre os piores, sendo responsável por 39% de toda esta devastação.

Os dados são da Ong Imazon, responsável pelo SAD (Sistema de Alerta de Desmatamento), que monitora a região. De acordo com esse monitoramento, o território paraense perdeu mais de 4 mil km de floresta – o pior índice dos últimos dez anos. O crescimento em relação a 2020, que já havia sido um ano de intensa destruição ambiental, foi de 18%: saltamos de 3.411 quilômetros quadrados de desmatamento para 4.037.  Pra termos a noção do que isso significa, é como se a gente tivesse perdido uma área quatro vezes maior do que a cidade de Belém graças ao ronco de motosserras e motores do garimpo.

Crateras abertas pelo desmatamento. Imagem: Reprodução

Os efeitos dessas ações são cada vez mais perceptíveis: além das clareiras e crateras abertas na floresta, podemos sentir na pele a mudança climática: o calor está cada vez mais insuportável, e a chuva que tinha hora certa hoje chega sem aviso, provocando enchentes antecipadas em regiões acostumadas  conviver com a sazonalidade dos rios.

Falando em rios, até aqueles que compõem paisagens mundialmente conhecidas correm risco pelo avanço da catástrofe ambiental: em Alter do Chão, as águas cristalinas do “Caribe Brasileiro” ganharam um tom turvo por causa da ganância dos garimpeiros, que despejaram toneladas de resíduos de mineração a 300 km de um dos cartões postais mais bonitos do estado, conforme confirmado em investigação da Polícia Federal.

Cor da água de Alter do Chão muda por causa da ação de garimpo. Foto: Reprodução

Na contramão de tudo que seria lógico diante deste cenário, o presidente Jair Bolsonaro assinou no dia 14 um decreto criando um programa de desenvolvimento da mineração artesanal – um nome pomposo para “garimpo”, prática antiga da região que, embora permitida por lei, constantemente dribla os limites estabelecidos pela legislação e avança sobre unidades de conservação e terras indígenas.

Decreto de Bolsonaro muda nome de garimpo para ‘mineração artesanal. Foto: Sérgio Lima/AFP

Segundo o governo federal, o objetivo deste decreto é estimular essa atividade para que, acreditem, municípios como os do oeste do Pará tenham “desenvolvimento sustentável regional”… o que, convenhamos, é impossível através do garimpo já que a atividade, por definição, não é sustentável – acreditar nisso seria equivalente a comprar gasolina pros brigadistas da Amazônia apagarem os focos de queimada criados pela turma da soja.

Pensar em como vai ser o futuro da floresta é desolador. Se o Pará já é líder de desmatamento hoje, imagina como serão os índices de 2022 após termos uma atividade que destrói a natureza estimulada pelo próprio presidente?

E tudo isso aconteceu na mesma semana em que a Polícia Federal e o Ministério da Justiça montaram uma mega operação para combater crimes ambientais no oeste do Pará. Só que não adianta mandar agentes da PF e Força Nacional até Jacareacanga e Itaituba se a mensagem que vem do planalto é um sinal verde pro desmate.

Imagens de satélite mostram ação de dejeitos de garimpo no rio Tapajós. Imagem: Polícia Federal

Com uma canetada, o presidente desmoraliza a mobilização dessas tropas que, durante a execução do seu trabalho, precisam driblar a resistência de parcela da população que é favorável ao avanço do fogo e do mercúrio. O resultado disso é que durante a semana garimpeiros cercaram a base do ICMBio em Jacareacanga, exigindo o fim da fiscalização enquanto tocavam o hino nacional – uma música que, de 2018 pra cá, está inegavelmente associada a uma marcha de morte na floresta. Resta saber se ainda dá tempo de virar esse disco.