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Ingo Müller | O poço sem fundo do fundão

O diário oficial trouxe uma triste notícia para todos os Brasileiros esta semana: é que a publicação continha nas páginas da edição de segunda-feira o orçamento aprovado para 2022. Esse orçamento é tipo a “lista de compras” do governo – assim como na nossa casa a gente divide nosso mirrado salário entre as despesas da casa, transporte e alimentação, o governo determina através do orçamento onde vai gastar os impostos arrecadados que, assim como o orçamento doméstico, também são nosso dinheiro.

A semelhança para por aí, porque enquanto na nossa casa tentamos otimizar os gastos para ver se sobram uns trocados pra comer uma coxinha no final do mês, o governo não tem pudor em gastar o nosso dinheiro de forma pouco republicada para contemplar seu apetite insaciável. Teto de gastos existe, mas os cortes se limitam a tudo que não atrapalhe os privilégios da classe dominante – quando são esses os interesses em jogo, o governo finge que a PEC 241 é apenas uma sugestão.

Duvida? Então saiba que o orçamento aprovado pelo presidente traz cortes de verbas que impactam pesquisas científicas e políticas públicas para minorias, como indígenas e quilombolas. Entre os ministérios prejudicados pelos cortes estão o do trabalho, cujo orçamento foi reduzido em R$ 1 bilhão (valor nada modesto para um país com taxa de desemprego superior a 13%) e educação, que perdeu 739 milhões. Cidadania e infraestrutura perderam 284 e 177 milhões, respectivamente; e até a saúde foi alvo do machado – perdendo R$ 74,2 milhões apesar de ainda estarmos enfrentando uma pandemia.

Segundo o governo, todos esses cortes ocorreram porque foi preciso ajustar despesas obrigatórias relacionadas ao pessoal e encargos sociais. Certo… mas seria interessante explicar, de forma convincente, o motivo de verbas sensíveis aos políticos não terem sofrido redução: o fundo partidário, que financia as campanhas políticas, foi fixado em R$ 4,9 bilhões de acordo com o orçamento 2022. Achou muito? Pois saiba que, se depender do congresso, esse valor pode ganhar um aporte generoso, e chegar a R$ 5,7 bi em tempo das eleições.

É uma quantidade incalculável de dinheiro para financiar propaganda eleitoral, mas os partidos defendem esta aberração alegando que, como a lei brasileira proíbe a doação de pessoas jurídicas para campanhas, o fundão é necessário para que todos os candidatos possam disputar a eleição em pé de igualdade. Será mesmo? O fundo é repartido de acordo com a representação das legendas na câmara e no senado – ou seja, os partidos com mais cadeiras o legislativo recebem mais dinheiro, o que facilita a manutenção de seus assentos já que eles terão mais verba para emplacar candidatos durante as eleições. Conveniente, não?

Pode parecer que eu sou contra o financiamento público de campanha, mas longe disso. Acredito que o financiamento privado pode ser ainda mais danoso – quando empresários bancavam as campanhas eles não estavam fazendo doações, e sim investimentos. Cada real dado para um político se eleger era um favor a ser cobrado, mesmo que isso fosse contra o interesse da sociedade. O financiamento privado de campanha era uma plutocracia indireta, e que se existir hoje é através da prática criminosa do caixa 2.

O STF também entendeu assim, tanto que proibiu essas doações de pessoas jurídicas, criando o fundo de financiamento de campanha em 2017. O problema, portanto, não é a existência do fundo – são os valores absurdos destinados a ele. Pras eleições de 208, o fundão era de R$ 1,7 bi… no pleito seguinte, em 2020, prefeitos e vereadores receberam R$ 2 bi…. e o montante mais do que dobrou para a disputa eleitoral deste ano. Dinheiro no fundão é vendaval.

Considerando que o espaço para veiculação da propaganda partidária em rádio e TV é gratuito e a justiça eleitoral ainda não aprendeu como fiscalizar as campanhas na internet, poderíamos pensar que este dinheiro deveria ser usado para a produção de peças informativas sobre as campanhas e a divulgação dos projetos de governo, mas qualquer cidadão sabe que a propaganda eleitoral brasileira é um circo alimentado pelo sebastianismo, onde slogans batidos, pautas de costumes e o culto a personalidade triunfam sobre a exposição de ideias.

Com a grana que os partidos recebem, era pro Brasileiro chegar nas urnas como o povo mais bem informado do mundo e, de posse dessas informações, fazer uma escolha menos emotiva e mais consciente. Infelizmente, fica o questionamento de como o dinheiro do fundão é aplicado, já que o alto nível dos debates não é uma característica da política nacional – inclusive o candidato eleito para o executivo na votação passada correu de todos, vale lembrar.