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Ingo Müller | Sem cabo, nem soldado

Uma das máximas mais icônicas – e representativas – do Bolsonarismo foi dita pelo filho 03 em 2018. Antecipando o que viria nos anos seguintes, Eduardo afirmou que fechar o STF seria tão simples que para isso “Não manda nem jipe. Manda um cabo e um soldado”. Ontem Bolsopai deixou claro que não precisa de tudo isso: basta uma caneta.

Eduardo Bolsonaro, filho 03. Imagem: Reprodução

O presidente da república, que deveria zelar pela nação, desrespeitou a mais alta corte do país ao anunciar o perdão da pena de Daniel Silveira, seu aliado político, após o STF condenar o Deputado Federal a 8 anos e 9 meses de prisão por manifestações antidemocráticas que incitavam a violência contra o judiciário. A decisão exemplar traçava uma linha entre a liberdade de expressão (que permite espaço para críticas, mas jamais foi irrestrita) e a apologia ao crime, sendo endossada por 10 dos 11 ministros da corte – até André Mendonça, indicado por Bolsonaro ao cargo por ser “terrivelmente evangélico”, votou pela condenação.

Ministro André Mendonça. Imagem: Divulgação

O presidente da república, que desconhece ou desrespeita a função dos pesos e contrapesos da democracia, decidiu passar por cima desta decisão de forma tosca e arbitrária. Pra salvar seu aliado – ou, quem sabe, garantir seu silêncio já que o próprio disse que “cairia atirando” – o presidente usou de um mecanismo que está previsto na constituição, mas que jamais havia sido evocado de forma individual desde que a carta magna foi escrita em 1988.

Bolsonaro anunciou em live o perdão da pena de Daniel Silveira, condenado pelo STF. Imagem: Reprodução

O presidente da república deveria saber que o indulto tem como função perdoar a pena de presos que já cumpriram parte da sentença, e geralmente é concedido em datas simbólicas como o natal, após rigorosa avaliação da conduta daqueles que receberão este benefício. Usado como foi, o perdão da graça parece distante do propósito ao qual foi destinado, e se assemelha mais a um cartão “saia fora da cadeia” do banco imobiliário. É o gesto de um garoto mimado que, quando perde no futebol, quer lembrar a todos que é o dono da bola.

Charge: Nando

A título de comparação, nem o PT usou de tal prerrogativa para livrar seus aliados da lava-jato. Vale lembrar também que uma das críticas costumeiras feitas por Bolsonaro no pleito de 2018 era que seu oponente, Fernando Haddad, daria este indulto ao ex-presidente Lula caso fosse eleito. Foi bravata, como tantas coisas que Bolsonaro disse e o tempo faz o favor de testar – assim como aquela máxima sobre bandidos de estimação. O fato é Haddad não venceu, e Lula passou 580 dias preso até o STF reverter a decisão do ex-juiz e ex-ministro da justiça de Bolsonaro, Sérgio Moro, que tirou o petista da última eleição presidencial para colocá-lo em uma cela em Curitiba.

Sergio Moro. Imagem: Reprodução

Não é de hoje que o presidente testa os limites da democracia. Se o Brasil fosse Roma, as legiões bolsonaristas já teriam atravessado incontáveis Rubicões: rachadinhas, pandemia, práticas pouco republicanas no MEC, descaso com a saúde e com a vida. O problema é que, a despeito de todas essas evidências de corrupção e arroubos autoritários o presidente segue lá no cargo, tecendo acordos que garantam sua permanência no planalto a despeito de qualquer malfeitoria.

Dilma Rousseff. Imagem: Reprodução

As instituições que deveriam zelar pela democracia seguem fazendo a egípcia: o legislativo que correu para afastar Dilma enquanto as “pedaladas” ainda eram crime sentou em pedidos de impeachment, e a Procuradoria Geral da República mostra, a cada dia, como era importante a lista tríplice.