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Ingo Müller | Vergonha internacional    

Olá, meus amigos! Depois de um mês de merecidas férias, volto a ocupar meu espaço aqui no Belém Trânsito. Neste período de ausência das páginas digitais do BT+, eu me perdi um pouco pra poder me encontrar mais ainda e, apesar do esforço descomunal do Paulo Guedes em manter gente pobre como eu longe dos aeroportos, rapei os trocados pra poder viajar.

Mais do que um carimbinho no passaporte – coisa que eu não acumulava desde o governo PT, e não só pela pandemia (a economia não me permitia viajar, mesmo), sair do Brasil serviu pra me distanciar do noticiário diário e observar o país com olhar estrangeiro – ou melhor, através do olhar de estrangeiros já que estive em Los Angeles no mesmo período em que foi realizada a Cúpula das Américas.

Bolsonaro com o presidente americano Joe Biden na Cúpula das Américas Imagem: Jim Watson / AFP

No alojamento onde fiquei, as perguntas sobre o país e nosso infame presidente eram o assunto do dia na mesa de refeição comunal, que abrigava gente da Irlanda, Sérvia, Coréia e dos quatro cantos do nosso continente.

“É verdade que ele é como o Donald Trump?”, perguntou o australiano enquanto passava pasta vegemite em sua torrada. “Bem, ele disse que tinha o Trump como ídolo e, durante a campanha, seguiu a cartilha do Steve Bannon. Então o modus operandi tem semelhanças, sim”, expliquei. “Mas os apoiadores políticos dele são como os do Trump?”, questionou um terceiro. “Basicamente. São pessoas que, movidas pela dissonância cognitiva, desprezam evidências e propagam Fake News. Preferem uma ficção favorável do que encarar a realidade”, expliquei.

“Então não são apoiadores políticos. São como seguidores de um culto”, avaliou meu interlocutor.

Nessa hora a rosquinha que eu tava comendo ficou entalada na goela, e nem aquele café aguado que servem na América do norte conseguiu fazer descer o nó que se formou na garganta. Fiquei refletindo sobre essa colocação e, nos instantes de silêncio, o pessoal percebeu que a explicação havia acertado em cheio – e eu morri de vergonha porque, naquela hora, senti como se o Brasil inteiro fosse protagonista de Unbreakable Kimmy Schmidt – vocês sabem, aquele seriado sobre a garota que é sequestrada por um líder egocêntrico e passa décadas vivendo num bunker sobre a terra, distante da realidade, mas com uma atitude que faria Cândido e Poliana parecerem dois velhos rabugentos.

Meninas no bunker na série Unbreakable Kimmy Schmidt. Imagem reprodução Netflix

Muito já foi dito sobre como o bolsonarismo é um movimento identitário, no sentido em que os seguidores do presidente o fazem mais pela identificação com a figura do que pelo seu plano de governo – até porque apoiar Bolsonaro pelos seus projetos seria algo bem complicado, já que não existe uma gestão nacional além da concessão de benefícios aos compadres que ainda ajudam a manter o chefe do executivo no seu cargo.

Ainda assim, existem bolsonaristas de carteirinha. Gente que luta pra se convencer que o país estaria pior sem o mito, e que nada do que acontece é sua culpa. Pobre presidente, vítimas de complôs e circunstâncias alheias ao cargo… Pra essas pessoas, Jair Messias é, de fato, o messias – uma criatura concebida sem pecado, que agrega os valores de um evangelho mutilado onde a violência e a estupidez substituem a caridade e o amor.

É de pessoas que fazem esta interpretação forçada das escrituras que se constitui a base de apoio popular que ainda não abandonou o barco do presidente. São pessoas que se convencem da virtude de Jair porque ele simboliza o mundo que elas querem, e dourar a pílula como se o presidente fosse defensor de algo sagrado é uma forma das pessoas se convencerem que suas faltas (de compreensão, conhecimento e até caráter) são, na verdade, virtudes.

Pude colocar este raciocínio a prova tão logo voltei pra Belém, já que o presidente veio até a capital paraense para cumprir agenda particular. Em terras papaxibés, fez sua tradicional motociata – um evento que só a justiça eleitoral não considera como campanha antecipada.

Bolsonaro e Eder Mauro, ambos sem capacete, em motociata por Belém. Imagem: reprodução internet

Durante esta procissão de motocas, Jair foi ovacionado por uma turma que bota qualquer coisa na cabeça – de desinformação a peruca –, desde que não seja um capacete. E fazem isso porque rodar pelo Brasil ao lado de Bolsonaro só é possível graças a certeza da impunidade, sendo a lei de trânsito apenas uma sugestão para as pessoas que acham que, sob a bênção do presidente, podem fazer o que bem entenderem.

Esta situação do trânsito é um microcosmo do pensamento bolsonarista, que prega o rigor da lei… para os outros – aos amigos do Messias, cabe o reino dos céus: recebido em uma igreja, Bolsonaro é ovacionado como o defensor de valores cristãos – só não sei de que Cristo, já que o de Nazaré definitivamente não pegaria em armas de fogo. Aliás, desconfio que, se soubesse ao que associariam seus ensinamentos, Jesus teria esperado um pouco mais de três dias pra sair daquela tumba lá em Jerusalém.