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Justiça do Trabalho suspende leilão da Ponta do Cururu, em Alter do Chão

A juíza do Trabalho substituta Milena Abreu Soares suspendeu o leilão da Ponta do Cururu, localizada no distrito de Alter do Chão, município de Santarém do Pará, alvo de execução para pagamento de crédito trabalhista, e intimou o Ministério Público Estadual, Ministério Público Federal, ICMBIO, Estado do Pará, Município de Santarém e Instituto de Terras do Pará para que, no prazo de trinta dias, manifestem-se aduzindo se vislumbram ilegalidade nas transações imobiliárias registradas na escritura do imóvel. Detalhe: o processo foi autuado em 30 de agosto do ano passado e o valor da causa é de módicos R$64.106,35. 

O caso explodiu hoje nas redes sociais, posto que a Ponta do Cururu é destino turístico com fama internacional e estava sendo leiloado para pagamento de dívida com um caseiro, Sóstenes José Pontes Lobato.

O imóvel, de valor inestimável, que deveria se transformar em Área de Proteção Integral, é de alto endemismo biológico e de valor cultural imenso para Alter do Chão, Santarém, Pará e Brasil, mas foi avaliado pelo leiloeiro do Juízo da 2ª Vara do Trabalho de Santarém, Sandro de Oliveira, em apenas R$5 milhões e com facilidades de pagamento tais como a possibilidade de compra por apenas 25% do valor à vista e parcelamento do restante em trinta vezes, ao mesmo tempo em que a executada, Associação Cristã de Moços do Rio de Janeiro, tanta vendê-lo também em leilão por um preço oito vezes superior. A magistrada percebeu o perigo de dano irremediável e reverteu a decisão, de ofício, conforme é permitido pela legislação. 

Praia de Ponta do Cururu. Imagem: Reprodução.

Pela importância da área e circunstâncias, o caso extrapolou a esfera da Justiça do Trabalho e já está na esfera criminal. A promotora de justiça Ana Maria Magalhães de Carvalho, coordenadora do Gaeco – Grupo Especial de Atuação no Combate ao Crime Organizado do Ministério Público do Estado do Pará, assim que tomou conhecimento da situação trocou informações com a Promotoria Agrária de Castanhal, que pesquisou no site do CAR e localizou o recibo de inscrição do imóvel rural, além da matrícula e toda a cadeia dominial subsequente, não tendo sido localizado o destaque da gleba do patrimônio estadual ao particular, pelo que de imediato instaurou Notícia de Fato nº 000155-130/2022, com declínio de atribuição para a Promotoria de Justiça Criminal de Santarém, para que adote as providências que entender cabíveis, com o auxílio do Gaeco em eventual necessidade de atuação conjunta. 

Os documentos resgatados pelo Gaeco revelam que a área era originariamente de propriedade do Estado do Pará e foi transferida a título de venda à Companhia Tropical – Hotel Santarém em 24/03/1986, por título definitivo expedido pelo Iterpa, não constando no título o valor da transação, o que é ilegal. Em 12/04/1989, conforme os registros, o imóvel passou à propriedade da Companhia Tropical de Hotéis, ante a incorporação da Companhia Tropical – Hotel Santarém pela Companhia Tropical de Hotéis, sediada em São Paulo/SP.

Em 27/01/2000 o imóvel foi adquirido pela Sra. Maria Antonia de Lima Ferraz, através de compra e venda na qual a adquirente pagou CR$145.093.600,00 (cento e quarenta e cinco milhões, noventa e três mil e seiscentos cruzeiros) à Companhia Tropical de Hotéis.  A Associação Cristã de Moços do Rio de Janeiro adquiriu, por sua vez, o imóvel de Maria Antonia de Lima Ferraz em 03/02/2000, no valor de valor de R$96.360,00, ainda conforme os registros em cartório. 

Já o engenheiro florestal Jackson Fernando Rego Matos, mestre em Ciências de Florestas Tropicais e doutor em Desenvolvimento Sustentável com a tese “Enraizamento cultural e o ecoturismo na Amazônia brasileira: o caso da Vila de Alter do Chão”, sobre gestão e planejamento participativo na APA de Alter do Chão, docente da Universidade Federal do Oeste do Pará, lotado no Instituto de Biodiversidade e Floresta, onde leciona para as disciplinas Educação Ambiental, Manejo de Unidades de Conservação e Ética no exercício profissional, em entrevista, sustentou informações alarmantes. 

Praia de Ponta do Cururu. Imagem: Reprodução.

“A área é da União. Entretanto, a história segue como em inúmeras áreas de interesse ecológico, cultural e paisagístico da Amazônia, com o descaso e omissão do ente da União responsável: A Secretaria de Patrimônio da União. Nos anos 1970 e 1980 a Varig tomou conta do local (grilou) e disse que a área era dela. Nessa época, com ajuda dos militares, a Varig construiu um Tropical Hotel em Santarém (hoje Barrudada Hotel), com fins de fomentar o turismo na região, tendo imaginado até que este hotel fosse um Cassino, bem no estilo americano. A Ponta do Cururu passou a ser um dos “points” do turismo para estrangeiros da Varig. Quase nenhum brasileiro ia lá, somente nativos e estrangeiros. Com o início da derrocada da Varig, nos anos 1990, ela “vendeu” a área para um artista plástico norte-americano casado com uma indígena Kaxinauá.

Esse casal construiu o Museu do Índio em Alter (onde é hoje o Hotel Borari). Ganharam prestígio e fizeram muito sucesso internacional com o museu, sendo que as peças e indumentárias foram confiscadas pelo governo do Estado do Pará e levadas para Belém. Estas peças são sempre motivo de reclamação do povo Borari, que quer as mesmas repatriadas e construído um novo museu, o que deveria ter sido feito na área que pertencia à UFOPA. Antes de falecer, o norte-americano “vendeu” a área para a YMCA-Brasil (Associação Cristã de Moços).

A YMCA colocou dois nativos como “vigias” da área, que trabalharam lá por quase trinta anos. A Associação “faliu” e deixou de pagar os nativos. Eles entraram na justiça. Então, a área está sendo posta à venda, agora pela interferência da justiça do trabalho, mas com interesse especulativo da associação falida. A área, que nunca deveria ter sido negociada, precisa ser cuidada como área pública de interesse local e da nação, nunca “privatizada”. 

Jackson Rego atuou como conselheiro da Área de Proteção Ambiental de Alter do Chão, representando as instituições de ensino superior, ajudando em todas as fases do Plano de Uso da APA.

Praia de em jogo. Imagem: Reprodução.

É o representante da UFOPA junto ao Serviço Florestal Brasileiro no processo de implementação de uma Floresta Modelo Amazonas-Tapajós nos municípios de Santarém, Belterra e Aveiro, e desenvolve junto às comunidades da Flona do Tapajós de Bragança, Tauari, Piquiatuba, Jamaraquá e Maguari atividades de prospecção voltadas à difusão de práticas sustentáveis. É membro fundador do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTap), preside o recém-criado Instituto Sebastião Tapajós, e é membro da Academia de Artes e Letras de Santarém. Ele é contundente nas afirmações. 

“Aliás, tudo está sendo grilado por aqui, há anos, e hoje em uma escala absurda, vê-se especulação desde a área queimada em 2019 da Capadócia, como espaços de Ponta de Pedra, Pindobal e inúmeras áreas públicas no centro urbano da Vila. A descaracterização de Alter do Chão é geral.”, denuncia. 

Por sua vez, o procurador da República Alan Mansur, ao saber do caso, encaminhou as informações à Procuradoria do Ministério Público Federal em Santarém, para as providências. 

A área é descrita no edital do leilão como “terreno rural destinado à rede hoteleira, com área de 140ha.99a,04ca, num perímetro de 6.115,15 metros, com a forma de polígono irregular de 53 lados, limitando com a enseada Alter do Chão por uma linha sinuosa de 396,71M, com terras de Alberto Riker Rabelo e com o rio Tapajós, acompanhando a sua configuração pela margem direita, por uma linha sinuosa de 2.683,78M com azimutes diversos”.  Tem matrícula no cartório de registro de imóveis de Santarém sob o nº 8.428, no Livro 02 – RG, FLS. 01. 

Consta no edital que foi avaliado em R$ 5 milhões “considerando o preço do mercado local de imóveis e as peculiaridades do imóvel penhorado. A área é conhecida como Ponta do Cururu – ponto turístico de Alter do Chão.

No período da seca dos rios da Amazônia é formada uma ponta de areia que adentra os rios por aproximadamente 500 metros. A área penhorada é uma APA – Área de Proteção Ambiental, está inserida nesta área a ponta do Tauá, os lagos das Piranhas, do Jacaré e das Mangueiras – no período de cheia dos rios da Amazônia os lagos do Jacaré e das Mangueiras se unem e fica apenas um lago. A área está com preservação nativa, própria para o turismo ecológico. No imóvel existe apenas a casa de máquinas e duas pequenas casas de madeira que serviam de moradia ao exequente”. 

CONTEXTO

Em 10 de dezembro de 2021, a juíza Milena Abreu Soares, em sentença de mérito na ação trabalhista, condenou a Associação Cristã de Moços ao reconhecimento de vínculo empregatício do caseiro, com a devida anotação da CTPS do trabalhador e pagamento das verbas rescisórias, recolhimento das contribuições legais e fixou honorários advocatícios de sucumbência. Em embargos de declaração, julgados em fevereiro deste ano, a decisão foi retificada no montante dos cálculos de liquidação, de modo a sanear erro material quanto à data da rescisão. 

Praia de Ponta do Cururu. Imagem: Reprodução.

Em 04 de março, a juíza do Trabalho titular Giovanna Correa Morgado Dourado declarou o trânsito em julgado da sentença, em 3 de maio autorizou a execução e em 9 de maio deferiu a penhora de bem da reclamada. Em 30 de maio, a juíza Milena Abreu Soares determinou a avaliação e penhora imediata do bem constante dos autos e em 7 de julho mandou intimar o exequente, para informar se aceitava o encargo de fiel depositário, e à executada sobre à   penhora, e nomeou o reclamante fiel depositário em 11 de julho de 2022. Já no dia 16 de agosto, a juíza Giovanna Morgado Dourado nomeou leiloeiro público do Juízo o Sr. Sandro de Oliveira. 

A Ponta do Cururu é de beleza cênica indescritível e cobiçada pelos especuladores. Os nativos (inclusive o reclamante da ação trabalhista) são pessoas honradas, pescadores, que cuidam da mata e dos animais que a habitam.

Mas são constantes as investidas de empresários que querem construir hotéis na praia. Não faz muito tempo tramitava na Câmara Municipal de Santarém um projeto de lei autorizando a construção de prédios de até 19 metros até na Ilha do Amor, em Alter do Chão, e se não fossem as denúncias dos ativistas ambientais teria sido aprovado. 

O objetivo de uma Unidade de Conservação é o uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica, com ênfase em métodos para exploração sustentável de florestas nativas (Lei. 9.985/2000). Desde 2001, com a construção de um porto graneleiro em Santarém, e com diversos incentivos à produção de grãos, o município vem sofrendo acelerado processo de desmatamento de áreas para a agricultura mecanizada, afetando diretamente todas as áreas que deveriam ser protegidas, inclusive a Floresta Nacional do Tapajós, já que a especulação imobiliária estimula antigos colonos, moradores do entorno das unidades, a venderem suas terras e entrarem irregularmente na Flona em busca de novas áreas, apossando-se de terras e instalando lavouras de subsistência e até pastagens na unidade.

O aumento do valor, a progressiva escassez regional de madeira e o baixo índice de punição aos infratores são outras fontes de constante ameaça à integridade das APAS. 

Com informações do Portal Uruá-Tapera