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Keila Gentil fala sobre mega empreendimentos que destruíram a Vila de Itupanema, no Pará: “É um lugar abandonado”

O podcast e videocast “Amazônia no Ar” entrevistou a cantora Keila Gentil, da Gang do Eletro. A artista falou com a jornalista Mary Tupiassu sobre a infância, preconceito no mundo da música, cenário musical paraense, polêmica envolvendo Anitta e a destruição da Vila de Itupanema, em Barcarena, onde ela morou durante parte da trajetória.

Keila foi questionada se os artistas do Norte sofrem preconceito por parte de gravadoras nacionais e afirmou que sim. “Eles dizem que não é um produto vendável. Não é uma coisa que o Brasil vá entender. Por isso a Manu Bahtidão está aí estourada e não precisou de gravadora nenhuma. Ela precisou de todo um sistema, de furar a bolha, de grana, pra poder fazer isso acontecer. Mas fazer isso sem grana e de forma independente é muito difícil”, avaliou.

E seguiu: “somos desvalorizados pelas pessoas que entendem do que a gente tá falando. Que são as pessoas aqui do Pará, da nossa terra, do Norte. A gente sente o desprezo e é muito doloroso. Porque a gente trabalha muito pra alcançar esse lugar e, ao invés da gente receber incentivo dos nossos, a gente recebe pedrada”, lamentou.

Keila Gentil. Foto: Iolanda Matos Produções / Divulgação
Keila Gentil. Foto: Iolanda Matos Produções / Divulgação

A cantora falou ainda sobre a experiência pessoal com o preconceito no mundo da música. “Quando a Gang do Eletro estourou, mesmo eu estando ali a frente, eu não era respeitada. A gente é desrespeitada porque é nova, depois que passamos dos 30 somos desrespeitadas por isso também. E sim, eu era muito desrespeitada porque eu era nova, as pessoas achavam que eu não sabia o que eu estava fazendo, que eu era uma perdida. Eu sofri muito deboche, inclusive de pessoas da música que poderiam estar ali me ajudando, me incentivando”, disse.

PESSOA COM DEFICIÊNCIA

Keila ainda contou sobre uma dificuldade que lida sem que muitas pessoas sequer saibam: ela é PCD. “Eu sou PCD. Eu tenho visão monocular, então já é outro enfrentamento. Por um período isso foi me jogando pra baixo. Do olho direito eu não enxergo nada e do esquerdo tenho visão baixa, mas eu sou louca no palco de qualquer forma. Quando vocês me verem endoidando no palco, eu não tô enxergando nada. Se eu cair, me perdoem”, brincou.

VILA DE ITUPANEMA

Keila, que teve parte da infância na Vila de Itupanema, em Barcarena, e que conheceu lá os futuros parceiros na Gang do Eletro, falou sobre a atual situação do local – devastado por grandes empreendimentos. “Itupanema está sendo extinta. Estão chegando os portos graneleiros, tem uma empresa lá que já existe há muitos anos e que já poluiu diversas vezes ali, tem a problemática dos portos, que os navios chegam ali e trazem a exploração sexual e outras problemáticas. Só que a Vila tá sumindo do mapa, é um projeto de aniquilação. Era uma vila linda, tinha um potencial enorme. Agora é o retrato do retrocesso que o progresso trouxe”, lamentou.

A artista seguiu, afirmando: “desmataram tudo, uma boa parte pra fazer pista de pouso, não tem iluminação, não tem presença do estado na questão de segurança pública, não tem transporte bom. É uma visão do fim do mundo. É um lugar abandonado”.

CENÁRIO DA MÚSICA PARAENSE

Sobre o comportamento de artistas locais dentro do mercado nacional da música brasileira, Keila fez uma análise usando a cantora Gaby Amarantos como exemplo. “A pessoa está tentando furar a bolha do mercado, então, de alguma forma, ela vai ter que se corromper, se moldar. Eu vejo esse movimento na Gaby. Ela trouxe o technoshow de volta, tá fazendo muita coisa aqui. Mas antes ela teve que se colocar no mercado primeiro, se estabelecer, pra depois fazer isso”, analisou.

A cantora seguiu: “a gente não está falando de uma banda que foi por empresários e alcançou lugares como a Banda Calypso, que já foi sendo vendida como uma coisa do Pará. E isso é muito legal. Só que a Gaby é uma mulher preta, periférica, fora do padrão. Imagina as dificuldades que ela enfrentou?”, questionou.

GANG DO ELETRO

Sobre a Gang do Eletro, Keila falou do momento da separação do grupo e porque foi necessário. “Eram mais de 10 anos trabalhando juntos, então já estava todo mundo saturado. Cansaço mesmo. E querendo fazer outras coisas porque a arte ela é provocativa. Então quando a gente se vê em um ciclo repetitivo, parado demais, Waldo não estava mais conseguindo ter criatividade pra produzir, a gente não estava mais conseguindo escrever nada. Então precisávamos de um tempo”, contou.

Ela ainda avaliou como o tempo separados pesou de forma positiva no crescimento profissional do grupo. “E a gente amadureceu pra caramba. Eu mesma estava muito acomodada na Gang porque ali eu fazia a direção artística, mas eu não tinha muita responsabilidade porque a gente era agenciado. Quando eu me vi sozinha, no meu projeto solo, foi que eu fui entender como as coisas funcionavam, que eu fui estudar direitos autorais, distribuição musical”, disse.

E seguiu: “e isso foi muito importante pra mim porque hoje eu volto pra Gang do Eletro com esse entendimento, com isso tudo a acrescentar que eu aprendi nesses quatro ou cinco anos que nós passamos ‘separados’ Porque de verdade mesmo a gente nunca se distanciou”, afirmou.

KEILA E A DANÇA DO TREME

Sobre a febre da ‘dança do treme’, a artista relembrou a origem e brincou dizendo que o passo nunca morre. “A Gang do Eletro veio em um momento de movimento da ‘Dança do Treme’. E esse movimento fez muito sucesso dentro dos colégios. Até hoje eu recebo vídeos de crianças se apresentando com as músicas da Gang fazendo o treme. Dizem que o ‘treme’ morreu, mas aceitem que não. Essa dança pode ser feia, mas ela é uma herança tradicional que surgiu dentro do público. E eu, juntamente com os meninos do ‘passinho do treme’, Alanzinho, Ponga e Bonequinho, começamos a levar isso pra cima do palco”, relembrou.

POLÊMICA COM A PASSAGEM DE ANITTA POR BELÉM

Por fim, Keila relembrou a polêmica envolvendo a passagem da cantora Anitta para gravar o clipe ‘No chão novinha’ em Belém. “Aquilo me traumatizou, me irritou muito, me chateou e eu estava em um momento muito frágil da minha vida, estava saindo de um relacionamento abusivo, estava com um bebê recém nascido, e foi muito difícil a quantidade de hate que eu tive que enfrentar. Na minha opinião, foi uma irresponsabilidade com o meu trabalho, com a minha carreira, com a minha história. Os veículos de comunicação me desrespeitaram”, afirmou.

E seguiu: “eu não estava criticando a Anitta, pelo contrário. O que eu estava criticando era o quanto a gente luta por reconhecimento do público para os artistas de techno brega e o quanto somos atacados, desrespeitados e desvalorizados por fazer techno brega. Mas precisou ver uma pessoa de fora pra validar o brega”, criticou.

E finalizou: “mas a forma como foi retratada foi como se eu estivesse criticando uma artista que eu sou fã e que revolucionou o mercado pop brasileiro, e que não deixou de ser real e verdadeira com a raiz dela que é a periferia”, afirmou.

CONFIRA A ENTREVISTA NA ÍNTEGRA:


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