Desde setembro deste ano, o terreiro de Umbanda Casa de Mãe Mariana, localizado no bairro de Canudos, em Belém, tem sido alvo de denúncias. Recentemente, as contas bancárias da responsável pela casa, Jussilene Natividade Maia, conhecida como ‘Mãe Ju’, foram bloqueadas pela Justiça.
Relembre o caso
O espaço onde Jussilene pratica sua religião de matriz africana foi denunciado por uma vizinha à Delegacia de Meio Ambiente (DEMA). Na denúncia, foi alegado que “um imóvel em alvenaria de dois pavimentos onde acontecem eventos religiosos com uso de instrumentos de percussão e cantoria (…) realiza eventos de forma aleatória, sem datas ou horários fixos ou predefinidos”.
Dessa forma, o caso foi encaminhado ao Judiciário. O Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) solicitou que ambas as partes comparecessem para prestar depoimentos. No entanto, enquanto a denunciante estava acompanhada por um advogado, Jussilene compareceu sozinha. Durante a audiência, foi solicitado que ela assinasse um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), que estabelece restrições e proíbe manifestações sonoras no local. Caso descumpra o acordo, Mãe Ju podeia ser multada em valores que variam entre R$ 200 e R$ 50 mil.
Quando questionada se tinha conhecimento do conteúdo do documento assinado, o advogado responsável pelo caso, Rodrigo Leite, afirmou que Jussilene assinou sem saber do que se tratava. Ela relatou que se sentiu constrangida pela forma como a promotora conduziu o caso, mencionando comentários que, segundo ela, soaram como desrespeito à sua fé. “A promotora fez uma fala bastante intolerante, comparando a Umbanda ao Carnaval”, declarou Jussilene.
Diante da defesa apresentada pelo advogado Rodrigo Leite, o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) restabeleceu que Jussilene, conhecida como ‘Mãe Ju’, poderia retomar suas práticas religiosas, desde que respeitasse a legislação ambiental, que determina o limite de 50 dB de emissão sonora.
Novas denúncias
Após a decisão judicial, a vizinha continuou realizando novas denúncias, apresentando vídeos nos quais não é possível identificar o local, horário ou data. Os vídeos contêm apenas o áudio, no qual é possível ouvir a vizinha referindo-se aos sons como “barulho”.
“Olha aí, Márcia, hoje, pleno domingo, oito horas da noite, estão aqui nessa desde de tarde, fazendo isso, olha, fazendo barulho, que é só o que eles sabem fazer, barulho, incomodar as pessoas (…)”, diz a voz no vídeo.
Dessa forma, o promotor responsável pelo caso tomou conhecimento das novas denúncias e solicitou ao juiz a aplicação de sanções, incluindo uma multa, com o objetivo de encerrar as atividades religiosas do terreiro. O Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJPA) determinou uma multa de R$ 30 mil, com o bloqueio imediato das contas bancárias. A decisão foi proferida no dia 10 de dezembro e assinada pelo juiz Raimundo Rodrigues Santana, da 5ª Vara da Fazenda Pública e Tutelas Coletivas.
O advogado de defesa, Rodrigo Leite, criticou a postura da promotora, afirmando que a comparação da religião a “uma batucada” demonstra uma atitude preconceituosa dentro do próprio Ministério Público. Além disso, ele destacou que as novas denúncias evidenciam a prática de racismo religioso no MPPA, com o uso da Vara de Crimes Ambientais como instrumento para perpetuar a intolerância religiosa.
No dia 13 de setembro deste ano, o BT Mais entrou em contato com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) sobre o caso e foi informado que a entidade realizaria a defesa como Amicus Curiae, ou seja, um terceiro intervindo em processos judiciais para fornecer informações relevantes aos juízes. No entanto, foi informado a esta Redação que não houve posicionamento ou subsídios prestados ao caso por parte da OAB.
Advogado de Mãe Ju aponta irregularidades
O bloqueio realizado desde o dia 13 de dezembro manifesta ilegalidades e, portanto, é possível recorrer aos Embargos à Execução para pedir o desbloqueio da conta. A petição de descumprimento de decisão foi realizada pelo MPPA no dia 14 de novembro. Veja as sanções:
“Posto isto, o MP vem informar o descumprimento de decisão judicial e requer medida específica de suspensão das atividades, inclusive mediante força policial, se necessário for, bem como requer a incidência da multa aplicada pelo MM. Juízo, prosseguindo-se o feito com os ulteriores de direito.”
Segundo o advogado, o MPPA está cometendo uma grave violação ao direito constitucional da liberdade religiosa, juntando desde o início da presente ação documentos que não comprovam “TAL CRIME AMBIENTAL”, como já foi dito anteriormente na Contestação (ID n.º127511470).
Conforme um dos vídeos utilizados como provas, Rodrigo defende que: “O primeiro ponto a se destacar aqui é a data registrada no vídeo, DIA 31-10-2024. Todavia, dia 31 de outubro caiu em uma quinta-feira e não em um domingo. Desta forma, a pessoa que narra o vídeo tenta apresentar ao MPPA um falso incômodo em um final de semana.“
“O segundo ponto a destacar é que, pela fala neste vídeo, está mais que comprovada a perseguição, intolerância e a injúria que esta pessoa está cometendo contra os religiosos de matriz africana, e o pior, o MPPA utilizou este vídeo como prova. Outro vídeo juntado (VÍDEO-2024-11-13-11-08-34, ID n.º 131340280) mostra o aplicativo do decibelímetro em um celular. Cabe dizer que esses aplicativos não possuem confiança e muito menos o selo do IMENTRO. Além disso, o vídeo não comprova que o ruído é proveniente do Terreiro Casa de Mariana.”
A Sra. JUSSILENE NATIVIDADE MAIA NÃO foi notificada do bloqueio de sua conta por determinação judicial, tanto que, no sistema PJE, não aparece o ID n.º 132789103, o que impossibilitou a requerida de apresentar manifestação ou outras linhas de defesa. Sabe-se que a constrição feita pelo BACENJUD recai sobre o dinheiro disponível do devedor, afetando diretamente a sua manutenção e subsistência.
No caso em tela, NÃO HÁ COMO SE COMPROVAR que os vídeos juntados nos autos são realmente do Terreiro Casa de Mariana, pois não possuem localização, data correta e imagem nítida, sendo essas provas impróprias. Portanto, o bloqueio da conta da Sra. JUSSILENE NATIVIDADE MAIA se tornou extremo.
Cabe aqui esclarecer que a Sra. JUSSILENE NATIVIDADE MAIA é uma mulher preta, pobre, que mora na periferia do bairro Canudos e trabalha como diarista, recebendo R$ 120,00 por faxina. É com esse dinheiro que ela compra seus alimentos, remédios e paga o aluguel de onde mora, descreveu o advogado, Rodrigo Leite.
Quando questionado sobre quais seriam os próximos passos para Jussilene ter acesso às contas bancárias, Rodrigo explicou: “Vou levar o caso para outras esferas administrativas e judiciais. A vara ambiental do MP está sendo utilizada por esta suposta vítima para a prática de intolerância religiosa, todavia, de caráter institucional. Não há de se falar em crime ambiental se já demonstramos desde o início do processo a perseguição que a Mãe Jussilene está sofrendo, caracterizando assim, racismo religioso, perseguição e injúria”, disse o advogado de defesa.