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Militar da Aeronáutica de 19 anos morre em Belém confinado em treinamento; família quer saber o que aconteceu

Carlos Eduardo Freire de Freitas, de 19 anos, estava confinado passando por atividades e treinamentos militares da Aeronáutica, na Base de Belém, quando repentinamente, a família dele foi informada que o rapaz estava sendo encaminhado para o Hospital da Aeronáutica de Belém – HABE, na noite da última quinta, 17. O soldado estava com quadro muito grave e faleceu horas depois de ter recebido os procedimentos médicos. Carlos estava integrado e servindo no Grupo de Segurança e Defesa de Belém, da Força Aérea Brasileira.

Agora, a família de Carlos, que tinha o sonho de trilhar a carreira nas Forças Armadas, quer entender como um garoto saudável, sem problemas de saúde, entrou bem na Aeronáutica, e em uma semana confinado na instituição passando por treinamentos específicos para soldados, morreu de forma tão grave e rápida.

“Ligaram e disseram que ele havia passado mal e foi entubado rapidamente, a família correu para o hospital, por volta de 19h da noite. Poucas horas depois ele faleceu. O Carlos já era militar das Forças Armadas e já havia sido aprovado em todos os teste iniciais e estava confinado na Aeronáutica há uma semana. Ele era saudável, era atleta, praticava esportes e tinha uma rotina saudável. Ele entrou lá (na Aeronáutica) saudável e saiu morto, então a família quer saber o que aconteceu”, afirmou a advogada da família da vítima, Bianca Santos.

O Tio do jovem, Antonino Moreira, conta que Carlos era dedicado e estava determinado a ser um militar e atuar nas Forças Armadas do Brasil. Era um sonho alimentado desde a infância.

“Desde criança ele falava que ia ser da Aeronáutica. Desde criança ele falava que ia usar a farda da Aeronáutica. Esse era o objetivo dele e ele alcançou. Ele tinha um amor por esse sonho. A gente fica triste pela forma como tudo aconteceu, não teve um amparo de nada. Infelizmente, num curto prazo de tempo, ele partiu. A gente só quer saber a verdade, e eles (Aeronáutica) não falam. Os planos dele foram frustrados e, no meu ponto de vista, se fosse hoje, se ele estivesse vivo, ele recuaria e não seguiria mais em frente porque ele ia ficar decepcionado com aquela Força Aérea”, lamentou.

Segundo a família, a Aeronática deu muitas versões contraditórias do que teria acontecido com o rapaz antes do falecimento dele.

“Ah, porque ele teve uma crise de ansiedade. Depois disseram quele fez uma refeição e passou mal. Por último disseram que ele estava com Covid-19 há alguns dias. Então, a gente só quer a verdade. Que a verdade venha à tona, que as pessoas e os responsáveis venham a ser punidos e responsabilizados pelos atos. Ele morreu como um militar e nós só queremos a verdade, a resposta e pedimos a ajuda das autoridades”, fez um apelo Antonino.

Carlos Eduardo era filho único e provia o sustento da família.

Antonino Moreira, tio do soldado (à esquerda), e Bianca Santos, advogada da família (à direita).

O CONFINAMENTO

Carlos Eduardo se alistou aos 18 anos e vivia com a família no bairro do Tapanã, na capital. Um ano depois do alistamento e de manifestar a vontade de servir na Aeronáutica, no início de agosto deste ano, ele foi convocado para se integrar aos treinamentos específicos dos militares do Grupo de Segurança e Defesa de Belém (GSD-BE), servindo no período de 11 meses. Durante o período de confinamento, Carlos contava para a mãe o que vivia.

“Quando chegou a notícia da convocação dele foi uma felicidade porque era o sonho dele, a mãe dele me contava tudo. Às vezes, ele ligava e dizia, outras era por mensagem. Ele contava que estava difícil por conta dos exercícios que estavam muito puxados. Eles tinham pouco tempo para fazer a refeição, nem dava cinco minutos, e eles iam fazer exercício. Teve uma situação que relataram que colocaram todo mundo sentado no sol forte e derramaram a água do cantil de todo mundo, e passaram, em média, de três horas no sol quente, até acabar o treinamento. Ele passou essas situações para a mãe, de coisas que ocorriam lá dentro, mas ele dizia que não ia desistir, e que ia servir e passar em todas as fases, que ia até o fim. Infelizmente, foi o fim da vida dele”, detalhou o tio.

Em trocas de mensagens com a mãe, o soldado revela como estava a rotina de treinamentos e comenta que outros soldados estavam machucados e que ele não poderia demonstrar fraqueza ou desistir.

-“Tô com saudade de beber água gelada”, disse Carlos para a mãe.

-“Logo, logo, você vai beber água gelada, meu filho”, ela responde.

-“Amém. espero que isso acabe logo. Todo dia tem uns 6, 7 na enfermaria. Joelho estourado, esse tipo de coisa. Hoje outro teve problema psicológico”, diz Carlos.

-“Meu Deus”, diz a mãe com preocupação.

-“Tô dando o meu melhor”, responde o rapaz.

Em outra troca de mensagens com a mãe, ele pede para ela não comentar nada dos relatos que ele revelou acima para que ele não fosse prejudicado, porque estariam recolhendo prints de conversas dos soldados com seus familiares.

A conversa por mensagem com a mãe segue, até que ela questiona sobre o funcionamento da enfermaria dentro do confinamento, e Carlos conta que “quem vai para a enfermaria fica mal visto e seria ruim para a carreira”.

OS EXERCÍCIOS

Com relação aos exercícios que eram passados aos soldados em treinamento, a família diz que eram praticados polichinelos, corridas, flexões, mas em horários impróprios, segundo a família.

“Estamos falando de uma instituição renomada, e esses jovens passam por treinamentos para guerra, mas são treinamentos. Então que tipo de treinamento de guerra são esses?. Eles (treinamentos) têm limites?. Que limites são esses?. Se existem limites, esses limites estão sendo respeitados?. Estamos diante de um jovem que entrou com a saúde mental e física intacta e saiu morto em um curto período de tempo, em uma semana. O que aconteceu nesse prazo?. É isso que causa estranheza na família. Entendemos que eles estão sendo preparados para uma situação de guerra, mas não é uma situação de guerra, é uma preparação. É respeitada a dignidade humana dessa pessoa?”, comentou a advogada Bianca.

PROVAS

A família e a defesa relatam que a Aeronáutica não devolveu a camisa que Eduardo utilizava no dia em que morreu, uma vez que é um direito da família receber todos os pertences do familiar.

“A Aeronáutica não devolveu para a família a camisa dele. Por que não devolveram?. O que aconteceu com a camisa dele?. É prova e a família quer”, advertiu a advogada.

Segundo o tio, a mãe do militar não fazia ideia que o estado do filho no hospital era tão grave, a ponto de ele ficar entubado e não poder trocar uma palavra com a mãe.

“A minha irmã achava que ia encontrar e conversar com ele, mas ele já estava entubado e nem abria o olho, era uma situação que já não tinha jeito. Ela presenciou ele soluçando e saindo gofo de sangue de dentro dele. Quando ela perguntou porque ele estava soltando sangue, disseram que era porque ele tinha mordido a língua. Devolveram a calça e o sapato dele dentro de um saco preto de lixo. Nem na bolsa dele da Força Aérea devolveram, foi num saco de lixo. A minha irmã ficou mais de duas horas lá sem tomar uma água, um café e não deixaram ela se aproximar do corpo porque disseram que ele tinha falecido com Covid”, contou o tio.

A advogada Samara Tirza, que também atua no caso, avalia que faltam maiores esclarecimentos da Força Aérea e que o caso de Carlos Eduardo não é isolado.

“A família estava totalmente desassistida pela corporação. Para nós, enquanto advogados, houveram contradições no relato dos militares que conversaram com a gente, tanto do corpo médico da instituição, quanto os representantes jurídicos. Os discursos não batem com a real situação de como o Carlos ingressou no hospital. De que ele teria passado mal, que depois ele estava fazendo um treinamento de ordem unida, que pelo o que explicaram, é um treinamento super leve, que é basicamente um treinamento de posições, ao ponto de ele chegar como chegou no hospital. O laudo médico apontava uma hemorragia. As informações não se encontram. O laudo médico dele foi feito ali na hora, cerca de 12 horas depois da morte do Carlos Eduardo, é importante enfatizar isso, 12 horas depois”, destacou.

Tirza destaca que o laudo médico da morte não aponta uma causa definitiva para o óbito do militar, e apenas levanta várias possibilidades, como hemorragia e parada cardíaca.

“Até o laudo médico foi um documento obscuro repassado para que a família pudesse entender o que de fato aconteceu com o Carlos Eduardo. Não teve uma causa-morte explicada, apenas dizia que seria parada cardíaca”, pondera a advogada.

O SONHO

A prima de Carlos, Ana Paula, que cresceu junto com o rapaz no bairro do Tapanã, conta que ele era absolutamente focado no objetivo de ingressar e fazer parte das Forças Armadas.

Ana Paula (de bege), e Samara Tirza, advogada da família de Carlos Eduardo.

“A gente cresceu junto e eu considero ele como um irmão. Desde novo ele sempre teve o sonho de entrar nas Forças Armadas. Ele sempre foi um jovem que praticava exercícios físicos. Ele fazia treinamentos com os amigos que também queriam entrar para as Forças Armadas. Ele era um rapaz saudável e foi convocado para incorporar as fileiras das Forças Aéreas Brasileira e fazer parte do quadro efetivo. Ele foi entregue com vida e saudável. Hoje, se alguém vier perguntar pra mim: “por que o teu primo morreu? Qual foi a causa?”. Eu não sei responder, porque a Força Aérea Brasileira não nos deu esse esclarecimento e a gente quer saber de fato o que aconteceu com o Carlos Eduardo”, afirmou.

A ÚLTIMA MENSAGEM

Ana Paula conta que o jovem enviou uma última mensagem para a mãe horas antes de entrar no quadro irreversível de saúde.

“A última mensagem que o Carlos Eduardo mandou para a mãe na quinta-feira, antes do óbito, pedia oração para a mãe e ele dizia que estava muito difícil aqui”, lembrou.

A família pede para que uma hastag seja criada para somar esforços e obter a resposta clara das Forças Armadas sobre o que ocorreu de fato com o jovem de 19 anos: (#oqueconteceucomcarloseduardo)

O BT entrou em contato com a Aeronautica de Belém para pedir um posicionamento sobre a morte do jovem soldado. Em resposta, a Força Aérea Brasileira (FAB) lamentou o falecimento de Carlos Eduardo e disse que está apurando as circunstâncias do ocorrido e que, ao passar mal, o militar foi prontamente atendido e encaminhado ao Hospital de Aeronáutica de Belém (HABE), mas infelizmente não resistiu.

Confira a nota completa abaixo:

“A Força Aérea Brasileira (FAB) lamenta informar o falecimento de um militar da Guarnição de Aeronáutica de Belém (GUARNAE-BE), na quinta-feira (17/08), em Belém (PA). Ao passar mal, o militar foi prontamente atendido e encaminhado ao Hospital de Aeronáutica de Belém (HABE), mas infelizmente não resistiu. As circunstâncias do ocorrido estão sendo apuradas. A Instituição expressa suas condolências e informa que está prestando todo o apoio à família do militar nesse momento de pesar”. 

VEJA A ENTREVISTA COM AS ADVOGADAS E FAMILIARES DE CARLOS EDUARDO NA ÍNTEGRA: