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MPF ouve pesquisadores e comunidades sobre construção de hidrovia no Pedral do Lourenço; impactos são devastadores

Na quinta, 9, procuradores federais do Ministério Público Federal no Pará (MPF-PA) promoveram em Belém um encontro com pesquisadores e especialistas que acompanham a dinâmica e a rotina no Pedral do Lourenço, sudeste do Pará, que está no centro de uma construção de uma hidrovia para escoar a produção e impulsionar rendimentos financeiros ao setor, enquanto que por outro lado, comunidades ribeirinhas e pescadores que sobrevivem na região graças aos benefícios do Pedral e do Rio Tocantins, destacam que os impactos da hidrovia são extremamente adversos.

O empreendimento é coordenado pelo Departamento de Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e tem previsão de início em março de 2024, com serviços de derrocagem das pedras e drenagem do rio Tocantins, o que prejudica a vida marinha e pode exterminar o habitat de peixes e tartarugas na região, segundo pesquisadores.

O procurador federal, Sadir Machado, conversou com o BT Amazônia sobre os trabalhos do MPF-PA ouvindo e compreendendo os impactos do empreendimento da boca de pesquisadores e comunidades ribeirinhas da região.

“Convidamos professores e pesquisadores que estão detidos sob as análises do derrocamento Pedral do Lourenço e os impactos socioambientais que esse empreendimento deve incorrer, e esse seminário atende demandas das próprias comunidades, sejam povos indígenas, comunidades tradicionais. Porque existem muitos aspectos técnicos que não são de conhecimento público e isso (o seminário) visa a divulgação de todo esse conhecimento e essas pesquisas que vem sendo feitas, justamente para que possamos, de forma democrática, avaliar de fato os impactos que esse empreendimento pode causar”, explicou o promotor federal.

De acordo com o promotor, que estuda o caso, há inconsistências no licenciamento ambiental para autorizar o início das obras, e principalmente, a carência de consulta prévia dos responsáveis pelo empreendimento com as comunidades locais sobre o impacto da hidrovia.

“As comunidades tem um direito humano fundamental, reconhecido internacionalmente, a consulta prévia, livre e informada, sobre qualquer obra ou serviço que possa impactar potencialmente no seu modo de vida, essa é a principal demanda que surge. Mas também demandas técnicas relacionadas aos impactos ambientais, por exemplo, sobre a questão da pesca, do acesso à água, e a própria concentração de recursos e utilização deles, que possa trazer prejuízos à sociedade. Então o MPF tenta trazer em inquéritos toda essa questão. Teremos ainda visitas às comunidades e audiências públicas em Marabá e Tucuruí, e também estamos fazendo recomendações sobre essa questão de olho nos impactos e nos direitos das comunidades perante ao seu modo de vida”, concluiu o promotor.

QUAIS SÃO ESSES IMPACTOS?

Em relação aos impactos da obra da hidrovia no Pedral, o BT conversou com a professora e pesquisadora da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), Cristiane Cunha, que conta com preocupação que o habitat dos peixes e das tartarugas, incluindo espécies únicas que vivem no ecossistema do Pedral, perderão sua moradia e a área onde se reproduzem.

“O projeto da hidrovia prevê a implosão de uma grande extensão de rochas, que vai da Vila Tauarí à Vila do Bogea, além da dragagem, que é a retirada de areia do canal do rio (Tocantins), de Marabá até Baião. Eu venho pesquisando os impactos desse projeto em relação à pesca no Pedral do Lorenço. Já observamos que as famílias serão impactadas diretamente porque elas (as famílias) vão perder as suas áreas de pesca, que são as áreas onde elas capturam os peixes, tanto para a sua alimentação, quanto para a venda do excedente que sustenta a família, que sustenta a comunidade e que é uma renda que circula nos municípios. As tartarugas da Amazônia também serão impactadas, o que já houve uma redução muito grande em relação às tartarugas da Amazônia por conta da hidroelétrica de Tucuruí, e esse projeto (da hidrovia) vai passar justamente em cima ou muito próximo das praias onde hoje elas desovam. Então nós temos também um impacto em uma espécie, que é uma espécia que já está criticamente ameaçada na Bacia do rio Tocantins”, lamenta a pesquisadora.

“Em relação ao empreendimento com as comunidades pesqueiras, eu vejo que só vai ter perda. Porque, de fato, qual é o projeto da hidrovia para com as comunidades ribeirinhas tradicionais nesse percurso? Elas nem vão utilizar seus meios para poder escoar a sua produção, seja mandioca, o açaí, o próprio peixe. Não é uma hidrovia para atender às comunidades. Ela vai ser para atender ao agronegócio”, adverte Cristiane.

Sobre o extermínio do ecossistema do Rio Tocantins, que é a casa de espécies peculiares de peixes e tartarugas, Cunha afirma que o prejuízo para a vida dessas espécies com a hidrovia é desolador.

“Em relação aos pedrais, nós temos espécies endêmicas, que só ocorrem lá. Em relação às tartarugas e aos pacajás, que desovam nessas áreas, vai ser diretamente retirado o local onde elas fazem a postura dos ovos. Com a dragagem da aréia, que é a retirada de área do canal, a gente percebe que essas barras de areia elas estão exatamente na linha onde a hidrovia vai passar. Então, as tartarugas vão perder seu habitat. E qual é o agravante nisso, as tartarugas, especialmente, onde elas nasceram, elas tem a tendência de quando entram no período reprodutivo depois de 8, 10 anos, elas voltarem para aquela mesma praia. Ou seja, as tartarugas que estamos manejando esse ano, que estão nascendo na região do Pedral do Lourenço, elas podem não encontrar mais essa praia daqui a 8, 10 anos. Isso é um ímpacto muito grande sobre esta fauna em específica (as tartarugas)”, pondera a pesquisadora.

Para Ronaldo Macena, representante da Comunidade de Vila Tauarí, em Utupiranga, que fica bem em frente ao Pedral, a construção da hidrovia ameaça seriamente o modo de vida da comunidade que usufrui do pescado e do rio Tocantins para viver e obter renda.

“O impacto vai ser direto em nossas comunidades. O nosso rio Tocantins emprega mais que qualquer prefeitura, e impacta direto na pesca e no extrativismo do peixe. 95% das comunidades ribeirinhas do Pedral do Lourenço são oriundas da pesca, e 5% sobrevive da agricultura familiar. Nós consideramos todo o ribeirinho pescador porque mesmo que não pesque como profissão, o ribeirinho vai no rio pegar peixe para sustentar sua família e se alimentar. nós tratamos esse impacto (do derrocamento do Pedral do Lorenço) como efeito dominó, porque além de impactar diretamente as comunidades, vai impactar ao nosso redor, o vendedor do peixe, o comprador do peixe, o vendedor de gelo, posto de combustíveis, mercados”, conta.

NÃO FORAM OUVIDOS

Na ocasião, Ronaldo denuncia que as comunidades do Pedral não foram consultadas de forma prévia sobre o empreendimento da hidrovia, o que vai na contramão da convenção internacional, a OIT 169.

“Não chegaram em momento algum eles chegaram para nos ouvir, nem nos consultaram. Tiveram as audiências públicas em 2019, mas audiência pública não é consulta prévia. Então, a gente nunca foi ouvido mediante esse grande empreendimento que prevê acontecer na nossa região. Estamos aqui para defender o nosso rio, nossos pedrais, nossa economia, porque nós sobrevivemos do rio. Até agora, a gente não foi ouvido e nem reconhecido como povos tradicionais, nós somos ribeirinhos”, criticou.

A HIDROVIA

De acordo com o MPF no Pará,  o empreendimento tem como objetivo a retirada de rochas ao longo de 35 quilômetros do Rio Tocantins para aumento da navegabilidade da hidrovia Tocantins-Araguaia em períodos de seca. O projeto da hidrovia prevê o escoamento de 20 a 60 milhões de toneladas de carga por ano. A derrocagem é uma das maiores demandas do setor hidroviário. 

Mais de 20 comunidades ribeirinhas vivem no trecho do empreendimento, sendo que a maioria delas utiliza a pesca como principal fonte de sustento. No período de cheia, a pesca é feita por meio de redes espalhadas no rio e, durante a seca, a atividade é feita com anzóis e redes em meio às rochas nas corredeiras formadas pelo pedral. Os pescadores contestam as mudanças que a hidrovia vai trazer para o modo de vida e tradições das comunidades.

O Pedral do Lourenço é uma formação rochosa no Rio Tocantins que aflora durante o período de estiagem e impede a navegação nesse trecho do sudeste paraense.

Segundo o MPF, o derrocamento da Via Navegável do Rio Tocantins (VNT) afetará diretamente 300 quilômetros do corpo hídrico e, consequentemente, toda a biota que dele depende, incluindo áreas de relevante patrimônio ecológico e comunidades ribeirinhas.

Além disso, as comunidades relatam que a empresa responsável pelo empreendimento e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) não têm reconhecido comunidades ribeirinhas de pescadores como povos tradicionais, além de os excluírem da consulta prévia. Além disso, pesquisadores apontam a insuficiência das ações previstas de compatibilização do empreendimento com os usos de abastecimento da água, atividades produtivas, transporte fluvial e recreação relacionadas às comunidades.

O MPF anunciou ainda a realização de duas audiências públicas, nos dias 21 e 24 de novembro, nos municípios paraenses de Marabá e Tucuruí, respectivamente, para ouvir todas as comunidades tradicionais que serão impactadas pela hidrovia, independentemente de terem sido ou não incluídas na área de influência direta ou indireta pelo processo de licenciamento ambiental do empreendimento. A finalidade das audiências públicas é suprir déficit de participação popular das comunidades envolvidas, no âmbito das decisões a serem tomadas e que repercutem em suas vidas.

Serão convocados o Ibama e o Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte (Dnit), responsável pela gestão e execução do empreendimento, além de serem convidados a Defensoria Pública do Estado do Pará, a Defensoria Pública da União e as comunidades tradicionais da Região do Lago de Tucuruí e do Baixo Tocantins.